Recentemente, Anitta lançou o disco Ensaios da Anitta, com foco na turnê homônima de Carnaval, que acontece desde 2019 e já é a marca registrada da cantora no período de janeiro e fevereiro. Primeiro focado especificamente no público brasileiro em quase dez anos, desde o emblemático Bang (2015), o álbum se desenvolve em uma mistura de ritmos em alta no país e conta com convidados de peso.
Trata-se de um projeto completo, que chega logo após o bem-sucedido e elogiado, Funk Generation (2024), onde Anitta explorou todas as vertentes de suas raízes de funk, mais pop ou mais cruas, vindas do período no projeto Furacão 2000, para o público internacional. A era “funkstar” foi bem recebida criticamente e colocou o álbum entre os dez melhores do ano pela revista People ao lado de nomes como Sabrina Carpenter e Billie Eilish, rendendo também uma turnê no hemisfério norte em continuidade a uma carreira internacional potente, que apenas seguiu em ascensão após o sucesso meteórico do single “Envolver” (2022).
O sucesso do funk com o público americano, impulsionado por um remix de Rihanna para a faixa “Rude Boy” durante o show do Super Bowl 2023, bem como a utilização de samples e interpolações do ritmo por outros artistas, como Beyoncé fez com “Aquecimento das Danadas”, do Dj O Mandrake, na faixa “Spaghetti” de seu álbum country, Cowboy Carter, além da presença massiva da cantora em premiações, programas e apresentações ao vivo, parece ter levado o público a pensar que Anitta se tornaria de vez uma estrela internacional.
No entanto, a previsibilidade está bem longe de defini-la. Há algum tempo dando declarações que denotam um certo cansaço com as exigências de alcançar números específicos, que a levaram a, claramente, desacelerar o ritmo de trabalho após atingir determinadas metas — e métricas — particulares, tendo chegado ao nível internacional, como havia planejado há mais de dez anos, não é nenhuma surpresa que a cantora tenha voltado o foco para o Brasil, especialmente em seu tratando de seu “projeto-paixão” — os ensaios de Carnaval.
Anitta já definiu essa época como sua favorita e, sendo o projeto realizado com o intuito de aquecer o público para as atrações carnavalescas, de fato, é natural que mergulhe novamente nos gêneros e ritmos tocados no país, além de estreitar relações com os convidados. Portanto, o lançamento de um álbum completo, com base nesse trabalho e com apostas para o “hit de carnaval”, o que todos os artistas de funk, axé, pagode e samba costumam fazer, se revela totalmente coeso, inclusive em relação às convenções do gênero.
Em 2022, a carioca colocou suas apostas carnavalescas no EP À Procura da Anitta Perfeita, que contou com participações, dentre outros, de Maiara e Maraísa, Wesley Safadão e Mc Danny no hit “Ai Papai”, produzido por Hitmaker. O projeto foi recebido com críticas, especialmente pela falta de amarras aos padrões de estratégia da indústria da música, pela exploração de uma sonoridade, que, em nada, remete à globalização de sua carreira, denotando uma suposta falta de foco da artista, assim como a alta frequência de lançamento de singles e parcerias com outros artistas em diversos ritmos e línguas. Em que pese a sonoridade, a capa, as melodias e os convidados de Ensaios da Anitta serem auto explicativos quanto ao foco da cantora no momento, não é possível que os fãs se revelem realmente surpresos com as faixas em si, uma vez que se tratam de sons que Anitta já abordou anteriormente e, especialmente neste evento, demonstrou apreciar e ter interesse em trabalhar. Antes mesmo de lançar qualquer canção com Mc Danny, Anitta a convidou para sua turnê de aquecimento, onde performou o hit “Ameaça”, um dos sucessos daquele ano. A carioca, também, já havia entrado em estúdio com Wesley Safadão em outras duas ocasiões, quando o cantor foi convidado para a faixa “Mel”, do EP de 2022 e, da mesma forma, no passado se aventurou no sertanejo em sucessos, que tomaram o Brasil, como “Loka”, com Simone e Simaria, e “Some Que Ele Vem Atrás”, com Marília Mendonça.
Em praticamente todas essas parcerias, Anitta já se encontrava na famigerada empreitada pela carreira internacional. Após praticamente três anos seguidos de sucesso e aceitação do público fora do Brasil e, especialmente, estadunidense, um mercado musical especialmente difícil de ser conquistado, não somente pela barreira da língua, como por ser extremamente protetivo (às vezes, grupos e cantores ingleses não têm impacto nos Estados Unidos, sendo o inverso muito mais comum), o que se provou foi que a dedicação da cantora ao Brasil jamais foi um obstáculo para alcançar seus objetivos mundiais. Ainda que seja franca quanto a dificuldade dos bastidores do negócio, especialmente por ter, em tese, iniciado uma carreira do zero com foco em outro país, onde não tinha público nem fãs, para alavancar seu trabalho local, Anitta foi e continua voltando, para provar que suas raízes são essas, ainda que, na internet, os fãs sigam rejeitando.
São duas as hipóteses mais prováveis que explicam um fenômeno como este, ou seja, de críticas da própria fanbase ante o lançamento de um projeto de seu ídolo: após igualar seu trabalho e imagem ao nível internacional, a expectativa do público brasileiro se encontra igualmente entrelaçada ao que a cantora realiza somente neste âmbito; também, há uma rejeição dos próprios fãs à variedade de ritmos que Anitta explora em seus trabalhos nacionais, como se não fossem bons o bastante para uma estrela desse patamar se alinhar em verdadeiro desprezo pela cultura local. A desculpa é que falta conceito — aquele que amarrou Funk Generation e Kisses (2019), mas o que fica explícito é que o conceito atrelado ao Carnaval, especificamente, não serve, pois Anitta, supostamente, estaria acima disso, mesmo sendo brasileira e carioca.
De fato, canções como “Perdeu”, com Simone Mendes, o brega funk “Sei Que Tu Me Odeia”, com Mc Danny e Hitmaker, o axé raiz inspirado de “Lugar Perfeito”, pronto para ser tocado em todos os blocos de Carnaval ao redor do Brasil em 2025, com Ivete Sangalo, um dos maiores símbolos da época, assim como “Chata Pra Caralho” e “Capa de Revista”, que contam com influência do pop brasileiro repleto de guitarra e letras ousadas, que dominou os anos 90 e 2000, através de Fernanda Abreu e Cansei De Ser Sexy, não foram pensadas para agradar o público estadunidense ou qualquer outro. Mas aqui está uma novidade: elas não precisam. Anitta já demonstrou ter cumprido suas próprias metas em relação ao público internacional e o máximo que pode acontecer com Ensaios da Anitta, após o sucesso de Envolver e Funk Generation, é fazer com que um grupo de ouvintes e fãs recém-conquistados façam uma imersão na música brasileira em razão de seu novo alcance, uma vez que conta com mais de — impressionantes — trinta e oito milhões de ouvintes mensais no Spotify. Isso porque, esta é a música brasileira e este é o ritmo tocado no Carnaval (o que não quer dizer que está, como um todo, blindado de críticas).
Ainda assim, não é a obrigação do novo álbum e Anitta não tem o dever e/ou interesse em ser feita de refém pelos próprios fãs, como sempre demonstrou através de seus lançamentos. Seja se aventurando em canções mais experimentais, como as últimas citadas, que sequer podem ser definidas como inéditas em seu catálogo musical, seja participando de singles de outros artistas, como The Weeknd com o hit “São Paulo” e Alok com “Looking For Love” ou dando voz à música de abertura da novela das nove da Globo, Mania de Você, na canção de mesmo nome, cover de Rita Lee, a artista não está interessada em tédio e previsibilidade, sendo a única delas o fato de ser brasileira e fazer o projeto que quiser.
Ao receber críticas negativas pela capa, que contou com fotos da última edição tematizada dos Ensaios da Anitta, a qual emana uma mistura de Michael Jackson e Carlinhos Brown, a cantora comentou: “Eu queria uma capa que tivesse os meus lookinhos, lindos… […] Que eu gastei zilhões e usei nos Ensaios e todo mundo amou. Peguei uma foto que eu amei com um dos meus lookinhos. Não quis escolher um look só, botei lá com outros que eu amei e é isso, gente. Se não gostou melhor ainda porque aí, é gente falando mal, dá ibope […]”.
Sem adentrar ainda mais a questão sobre ser um projeto que a cantora se dedica todos os anos sem se amarrar às expectativas de terceiros sobre seu futuro na música internacional, a autonomia criativa têm sido uma grande questão na era das métricas de streaming e das posições em paradas musicais. Anitta foi e é muito festejada ao alcançar o desejado primeiro lugar, mas o mesmo ocorre com outras cantoras, como Miley Cyrus, que dominou 2023 com o fenômeno “Flowers” resultando em dois Grammys; Dua Lipa, a qual, com sua carreira meteórica, culminou em um álbum cheio de sucessos com qualidade e números, o Future Nostalgia; e Beyoncé, que tem trabalhado sob suas próprias regras há anos. Muito distante em sonoridade e identidade entre si, o que todas elas têm em comum nesse momento da carreira, no entanto, é a quebra de expectativas em relação à indústria e às exigências das fanbases.
Após o sucesso de Cyrus com “Flowers”, primeiro single do álbum, Endless Summer Vacation, a cantora não fez divulgações ou aparições públicas, deixando a música falar por si mesma, resultando em uma era com apenas duas apresentações ao vivo, sendo uma no Grammy de 2024, que a consagrou vencedora pela primeira vez em quase vinte anos. À época, foi o primeiro projeto da cantora com a Columbia Records, a mesma de Beyoncé e Rosalía, após anos com a RCA Records, o que gerou muitas expectativas de que seria uma era trabalhada de forma completa, com singles escolhidos a dedo e extensa promoção. Contudo, o sumiço de Miley foi um banho de água fria em uma fanbase acostumada a ganhar muitas versões ao vivo das faixas da cantora. Apesar de a fase promocional do álbum Plastic Hearts (2020) ter se encerrado prematuramente com o fim do contrato com a RCA e ter sido realizada inteiramente durante a pandemia, resultou em performances com grandes vocais e visuais glam-rock inspirados, além de uma turnê, onde bateu recorde de público no Lollapalooza Brasil em 2022 com mais de mais de cem mil pessoas.
Posteriormente, no entanto, a cantora parece ter enfrentado problemas de saúde mental relacionados a viagens e aparições públicas, o que pode ter motivado um afastamento da vida social, mesmo após um lançamento com grande impacto na indústria da música, que a levou a alcançar o famigerado primeiro lugar pela primeira vez em dez anos — desde “Wrecking Ball”, em 2013. “Flowers” conta mais de um bilhão de streams no Spotify, mas, como Anitta já citou certa vez, Miley fez o mesmo caminho em relação à exigência de repetição do sucesso. À Vogue britânica, durante uma das raras entrevistas que concedeu à época, ela disse:
“Muitas manchetes têm dito ‘Este é o momento de Miley’ e eu fico penso ‘Isso é exatamente o que é: um momento’. E irá acabar. Não é pessimismo. É honesto e está tudo bem comigo. Na verdade, prefiro assim. Eu não gosto de permanecer grande. […] Meu namorado trouxe o telefone dele e não trouxe o meu. Não têm nenhum jeito de eu saber em que posição estaria [nos charts] e não seria importante para mim porque não mudaria nada. Alguém poderia dizer, ‘será esse número se fizer isso ou esse número se vender sua alma…’ […] Eu já estive no Jardim do Éden antes e comi a maçã do pecado e nunca é bom.”
Isso, por óbvio, pode envolver todo o negócio por trás da arte, ou seja, os acordos a portas fechadas a serem feitos para alcançar o sucesso, um tema nebuloso, onde se adentra muito mais o terrenos das teorias de conspiração sobre Hollywood, mas também a rotina pesada de trabalho das estrelas por trás do glamour. Durante uma série de vídeos para promover o single “Used To Be Young” (2023), Miley Cyrus recordou diversos momentos de sua carreira, inclusive revisitando o período como Hannah Montana para o Disney Channel, através de uma agenda extenuante:
“5h30min da manhã?! Provavelmente, tenho 12 ou 13 anos… Sexta-feira, 5 de Janeiro, 05h30min: cabelo e maquiagem no meu hotel. 04h00min: vieram me buscar. 07h15min: estou no noticiário. 07h45min: tenho outra entrevista ao vivo. 08h15: outra entrevista. 08h45min: outra entrevista. 09h30min às 11h00min: reunião com os editores, de volta ao hotel. […] Das 13h00min às 14h30min: eu e meu pai temos uma entrevista para o almoço. 14h40min: temos que ir para a sessão de fotos da revista Life. 15h00min às 17h00min: entrevista e sessão de fotos para a edição do Dia dos Pais. Cheguei às 18h00min para a entrevista on-line com as crianças, então às 18h15min temos outra entrevista. Então, no dia seguinte, tudo começa às 07h00 e termina às 19h30min, quando eu volto para a casa para, provavelmente, ir para as gravações de Hannah Montana. Isso é um sábado e depois, na segunda-feira, estarei de volta ao trabalho de manhã… Sou muitas coisas, mas preguiçosa não é uma delas. Então, acho que essa garota merece uma ‘endless summer vacation’ [férias intermináveis de verão, referência ao título do álbum de 2023]”.
Miley segue fazendo aparições esporádicas na mídia, como o lançamento do cover autoral, “Psycho Killer”, para o álbum-tributo à banda Talking Heads (A24), a aparição mais séria, contida e grata à Hannah Montana durante evento da Disney, onde se tornou a mais jovem da história a receber o título de Lenda em reconhecimento da própria empresa, após um final de contrato conturbado em meados de 2011; além de ter participado do icônico, Cowboy Carter de Beyoncé no dueto, “II Most Wanted”, indicado ao Grammy e, recentemente, revelado estar produzindo um álbum-visual inspirado sonoramente em The Wall (1979) do Pink Floyd e visualmente no terror Mandy (2018), estrelado por Nicolas Cage, que deve chegar no início de 2025.
Como Anitta, ela nunca percorreu o caminho mais previsível. De estrela da Disney a protagonista de um dos VMA’s mais polêmicos da história, após uma mudança radical de imagem (quando mordeu a maçã do pecado para o sucesso, segundo a própria), para um disco psicodélico, que é um dos mais bem avaliados de sua carreira, e uma revisita ao country de sua origem em Nashville até chegar a um disco pop-rock de inspiração oitentista, onde parecia ter se encontrado até que “Flowers” foi lançada, mudando novamente todos os parâmetros criativos da artista com um pop mais comportado e maduro.
Não há como saber qual será seu próximo capítulo, qual cara terá sua nova era e que tipo de sonoridade sairá da inspiração do emblemático disco, que mudou a indústria no final dos anos 70, mas se sabe que voltará a quebrar as expectativas dos fãs, para ou para mal, sendo este o ponto de convergência com a brasileira, ainda que trabalhem em ritmos distintos, pois há uma exigência para suprir determinada demanda em relação aos fãs, especialmente para “estratégias” de lançamento padronizadas da indústria, que não mais são supridas e que a colocam quase que em rixa com os fãs. Isso porque, a cantora foi extremamente criticada por perder “o momento”, pois o sucesso do embalo de “Flowers” faria com que Endless Summer Vacation se tornasse uma era bem sucedida como um todo, com mais singles trabalhados, fazendo com que o público se envolvesse melhor com o projeto. A falta da presença da cantora, supostamente, fez com que as pessoas não desenvolvessem interesse no projeto como um todo e a possibilidade de alcançar um novo auge, aos trinta e poucos anos, aparentemente se esvaiu.
O mesmo ocorre com Beyoncé em relação aos seus dois últimos projetos. Após o Renaissance (2022), um álbum totalmente coeso, que adentrou a sonoridade disco-pop dos anos 70 e a cultura vogue oitentista através de vertentes mais underground e originais, a cantora simplesmente sumiu do escrutínio popular e não lançou nenhum clipe até que o álbum ganhou vida novamente com a Renaissance World Tour no ano seguinte. Isso não impediu que o projeto dominasse as redes sociais, sendo assunto pela sonoridade, pelo conteúdo das letras, pelo compromisso de Beyoncé com a qualidade e com o impacto cultural. Em entrevista à revista GQ, a artista justificou a falta intencional de visuais de seus últimos trabalhos:
“Achei importante que, em uma época em que tudo o que vemos são imagens, o mundo pudesse se concentrar na voz. A música é tão rica em história e instrumentação. Leva meses para digerir, pesquisar e entender. A música precisava de espaço para respirar por si só. Às vezes, um visual pode ser uma distração da qualidade da voz e da música. Os anos de trabalho árduo e os detalhes colocados em um álbum que leva mais de quatro anos! A música é suficiente. Fãs do mundo todo se tornaram os visuais. Todos nós recebemos os visuais na turnê. E depois com o filme [da turnê].”
Assim, ainda que seus últimos projetos não sejam mais apenas sobre música, uma vez que elevados ao nível de arte já há algum tempo, subsiste a carência dos fãs em relação ao que Beyoncé e essas outras estrelas já entregaram no passado, que tem muito a ver com acessibilidade a pessoa em si e a sua vida particular, já que, no passado, Beyoncé chegou a anunciar sua primeira gravidez no palco do VMA 2011, e com “servir” o que o público desejava consumir. Provavelmente, seria mais fácil para a voz de “Formation” continuar a fazer o pop inofensivo, com que construiu sua base de fãs, através de canções como “Single Ladies” e “Crazy in Love”, assim como todas as estrelas pop fizeram antes dela. Porém, como uma quebradora de paradigmas nata, Beyoncé segue fazendo o inesperado, ao menos, desde o álbum autointitulado de 2014 — o quarto de sua carreira solo e que chegou mais alinhado à sua personalidade e sonoridade madura —, em um lançamento-surpresa, que mudou a indústria fonográfica a partir de então.
No entanto, também é necessário pontuar que a ousadia de Beyoncé em deixar a música falar por si mesma, sem recorrer a uma narrativa paralela, na era dos números e redes sociais, em total contrariedade a uma imensa base mundial de fãs sedenta para consumir tudo o que ela é capaz de entregar, inclusive sua vida pessoal, têm muito a ver com a confiança e o propósito do trabalho que está produzindo e que a estratégia deste momento não irá defini-la para sempre, o que faz com que a balança de poder mantida com os fãs pareça equilibrada por uma linha tênue, hoje em dia pendida para um lado específico.
Na contramão das demais, mas ainda sob o mesmo enfoque, após uma era extremamente bem-sucedida, uma das poucas cantoras com o chamado star quality desta década, com um tempo de estrada bem menor que as demais, tendo começado a carreira por volta de 2017, Dua Lipa parece estar sofrendo pela primeira vez com a dualidade de manter sua identidade sonora, explorar um novo direcionamento criativo e entregar o que os fãs desejam, ao mesmo tempo. Future Nostalgia, um dos álbuns que definiu o pop na década de 2020, contou com, ao menos, sete singles a partir do hit massivo, “Don’t Start Now”, e com três edições. Dua promoveu o trabalho de forma intensa através de aparições públicas, apresentações ao vivo, promoções em rádio e videoclipes, que levaram a era a durar cerca de três anos, de forma que, quando chegou no Brasil para seu show no Rock in Rio em 2022, as músicas já não pareciam mais uma novidade. Em meio a isso, a cantora lançou vários remix e versões do projeto dark-pop retrô, deu voz ao bem-sucedido remix, “Cold Heart”, ao lado de Elton John, que a conferiu a validação necessária de real estrela pop, além de ter gravado uma das músicas-tema do filme Barbie (2023), “Dance The Night”, a associando diretamente a um dos maiores eventos de cultura pop do século 21.
Ou seja, a cantora serviu exatamente o que os fãs geralmente apreciam em artistas do gênero, porém, ao mesmo tempo, se moldando — ou sendo moldada pela mão invisível das gravadoras — à sua necessidade, uma vez que passou a se dedicar a coreografias e performances mais elaboradas após receber críticas sobre seu posicionamento no palco. Em entrevista para a revista Dazed, há dois anos, Dua comentou que aceita o trabalho de ser a “nova” estrela do pop em uma realidade, onde as pessoas desejam esse sonho, pois é sabido que todos os grandes atos do gênero são de gerações passadas, havendo uma carência no mercado dessas artistas, que definiram a indústria e causaram verdadeiras evoluções, como Madonna, Britney Spears e Lady Gaga:
“Eu amo a grande energia de pop-girl. É tão divertido para os fãs e o personagem. Eu posso ser essa garota. Eu posso fazer isso para os vídeos, para o tapete vermelho, para as apresentações. […]”
O costume do público em conseguir de Dua o que sempre exigiu, no entanto, fez com que chegasse em 2024 com a pressão de, ironicamente, entregar uma sonoridade diferente, um tipo de originalidade que tem muito a ver com se reinventar atrás de eras e conceitos bem marcados entre os álbuns, para se provar uma artista versátil, ainda que pop. É compreensível que os fãs tenham desejado algo novo da artista após quase cinco anos fincados no disco-pop, afinal a linearidade não é bem-vinda no gênero, principalmente em termos de longevidade, apesar de estar intrinsecamente atrelada através de uma fina linha à estabilidade — após uma era de inocência, por exemplo, Britney Spears chegou em 2001 com I’m a Slave 4 U e, depois de três álbuns, tingiu o cabelo de preto para a sonoridade mais distorcida de sintetizadores do Blackout (2007).
Para o Radical Optimism, de 2024, Dua Lipa comentou que iria se distanciar de sua vertente mais pop, passando a explorar a cultura de raves do Reino Unido embalada pela psicodelia e brit-pop dos anos noventa, sendo capitaneado por Kevin Parker, vocalista do Tame Impala, como principal produtor. A informação gerou altas expectativas nos fãs, que esperavam um trabalho inovador em termos de sonoridade, mas o que se viu e ouviu do projeto foi algo bem parecido com de sempre. Inicialmente uma era mais escura e “suja” de baladas com o primeiro single, “Houdini”, claramente inspirado em “Hung Up”, de Madonna, seguida por um clipe visualmente desafiador em “Training Season”, mas que pouco tinha a ver com a letra da faixa, ganhando seu brilho apenas em apresentações ao vivo posteriores, a era sofreu com a falta de direcionamento a partir do europop noventista, “Illusion”, quando a estética praiana a dominou de vez. Parte da identidade musical da cantora, as coreografias continuaram, mas sob uma nova roupagem, que não parecia refletir sua verdadeira personalidade; além disso, os elementos psicodélicos inicialmente prometidos ficaram muito tímidos na versão final do projeto, podendo ser identificados em faixas muito específicas como “Whatcha’ Doing” e “End Of An Era” ou sendo condensados em melodias mais conhecidas e aceitas pelos fãs da artista, como a própria “Illusion”.
Não é possível precisar até que ponto a mudança de sonoridade e visual partiu de uma necessidade da própria cantora, uma vez que é bem óbvia sua preferência pelo pop “pure perfection”, e até que ponto a gravadora influenciou na versão final do álbum, uma vez que, já há na internet, versões demo supostamente produzidas por Kevin Parker, denotam a originalidade, em tese, esperada para o novo trabalho. Ainda, em que pese a autenticidade dessas versões, no fim das contas, também não é possível apontar que fariam parte da identidade de Dua Lipa mais do que as versões lançadas, nem o impacto que teriam na discografia de alguém que deseja ser a estrela pop, correndo o risco de se tornarem excessivamente distantes, como se pertencessem a outra pessoa, ainda que a voz e a imagem fossem dela.
No entanto, o que se pode observar, embora Radical Optimism não tenha sido uma era vitoriosa em números, é que, entre altos e baixos para conciliar objetivos distintos, a cantora conseguiu adaptar o trabalho para uma roupagem mais pessoal, quando passou a ganhar o devido brilho e mérito através da turnê homônima, especialmente por conta das performances coreografadas, mais semelhantes ao início obscuro da era, e da reimaginação ao vivo no Royal Albert Hall, recém-lançada, que ganhou versões potentes e sonoramente grandiosas das canções anteriormente rejeitadas pelo público, o que parecem ter conferido ao projeto o selo de qualidade desejado, ainda que pouco tenha fugido do “estereótipo Dua”, denotando a hipocrisia da fanbase quanto às próprias exigências.
Diante de todos esses exemplos, a pergunta que fica é: qual é a linha entre ceder para agradar o fã e manter sua própria essência e criatividade? É necessário partir de um princípio de que as exigências externas são intrinsecamente moldadas pelo mercado e, talvez, isso explique a motivação deste público mais próximo dos artistas exigir tanto, cobrando pesado quando não são servidos aquilo que se tornou o objeto de consumo, ou seja, não somente a música, mas suas imagens, raízes, histórias e vidas pessoais, de forma que muito do que se faz a partir de agora é tentar separar o máximo possível o privado do público, um movimento de todas essas estrelas, principalmente em uma era onde as redes sociais colocaram o público dentro de suas casas em uma via de mão dupla totalmente descontrolada e desequilibrada.
Isso ocorre, portanto, em um momento no qual os artistas já são capazes de constatar como as exigências causam prejuízo à sua autonomia e autenticidade, especialmente devido ao desejo de colocá-los na caixa da indústria de números e streamings, que passou a definir a música, levando-os a tentar resistir como podem a este movimento na busca por si mesmos — Anitta com sua brasilidade, Miley com sua privacidade —, o que parece estar causando uma ruptura na relação com os fãs, cujo impacto só poderá ser analisado através do distanciamento em um futuro não muito distante devido à rápida mudança nos padrões de consumo de música.