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A Prometida: um romance datado e esquecível

Nos idos de 2012 me encantei profundamente com A Seleção, livro de estreia da autora norte-americana Kiera Cass e início da trilogia de mesmo nome protagonizada por America Singer. Na trama, enquanto praticamente todas as garotas que America conhece desejam ser princesas, ela só quer poder revelar seu namorado secreto, mas acaba se inscrevendo na competição em que o príncipe escolherá sua futura esposa apenas para agradar a mãe. É claro que America é selecionada para participar e, a partir de então, a vida da protagonista nunca mais será a mesma.

Embora a trilogia A Seleção seja bem simples se comparada a outras trilogias publicadas na esteira do sucesso de distopias como Jogos Vorazes, de Suzanne Collins, publicado em 2010, ainda assim o primeiro trabalho de Kiera Cass tem seu charme. Os protagonistas são carismáticos, é possível se importar verdadeiramente com eles e mesmo o triângulo amoroso que se forma tem razão de existir. Nada disso acontece no novo livro lançado por Cass, no entanto, que se passa nesse mesmo universo de príncipes, princesas, castelos deslumbrantes e competições ao melhor estilo The Bachelor: A Prometida é um romance datado do começo ao fim, as tramas não fazem o menor sentido e todos os personagens carecem de carisma e desenvolvimento adequado.

“Antes, eu achava que nada poderia ser mais divertido do que conquistar o coração de um rei, mas estava errada. Era muito mais emocionante conquistar o coração de inúmeras pessoas ao mesmo tempo.”

Em A Prometida, conhecemos Lady Hollis Brite, uma jovem nobre que caiu nas graças do rei Jameson e que fica radiante quando o monarca se declara, o que significa que em breve Hollis se tornará rainha, passando na frente de todas as outras damas que desejavam receber os afetos do rei. Agora que finalmente poderá provar seu valor diante da corte, Hollis percebe que os sentimentos que tem pelo rei podem não ser tão verdadeiros quanto pensava. Após conhecer Silas, um jovem estrangeiro de Isolte que pede asilo no reino de Coroa junto de sua família, Hollis passa a nutrir sentimentos confusos por ele, colocando em xeque a sua posição ao lado do rei Jameson e tudo o que tinha por certo em seu futuro.

Para Jameson, Hollis não passa de um enfeite, uma moça bonita que ele poderá apresentar como sua rainha para outros nobres, alguém para fazê-lo sorrir quando necessário mas não para emitir opiniões. Silas, enquanto isso, parece ver Hollis além de sua beleza, aceitando a jovem como verdadeiramente é, com todas as qualidades e defeitos. É a partir de então que Hollis precisará decidir o que deve fazer: seguir seu coração e partir em busca de um final feliz ao lado de quem ama verdadeiramente, ou abrir mão de tudo e decepcionar muitas pessoas no processo.

“No momento em que eu me perguntava se valeria a pena abandonar meu rei, deparava com alguém que fizera algo parecido com seu próprio soberano. E quem poderia dizer qual era o maior criminoso entre nós dois?”

A primeira vista, não há nada de realmente errado com a trama de A Prometida. Não é de hoje que Kiera Cass mergulha de cabeça nesse universo de jovens damas apaixonadas, príncipes belíssimos e plebeus graciosos, então não é realmente uma novidade vê-la reciclando essa trama em A Prometida. Meu problema com o livro começa quando essa trama é simplesmente tudo o que sustenta o argumento da autora em suas mais de 300 páginas. Não há muito mistério: quando Hollis vê Silas pela primeira vez, com seus impressionantes olhos azuis, o mundo dela para. A simplicidade do refugiado, em comparação com as frivolidades do rei, acabam por conquistar Hollis e sabemos desde então qual será a escolha da moça ao final.

Mas Kiera Cass gosta de fingir que sua trama é muito mais profunda do que parece e passa páginas e páginas tentando nos fazer acreditar que há muito mais em jogo do que uma simples escolha para Hollis — o que até poderia ser verdade caso a autora tivesse sido ousada o suficiente para dar mais personalidade para sua protagonista. Lady Hollis Brite nada mais é do que uma “pobre menina rica” que não se dá bem com os pais, que desejavam ter um filho e não uma filha, que tem apenas uma amiga verdadeira, Delia Grace, pois não confia nas demais damas da corte com quem compete pelos afetos de Jameson, e é muito bonita para o seu próprio bem. Hollis não tem personalidade alguma, se diz pouco inteligente em mais de uma ocasião e é simplesmente esquecível. Kiera Cass parece ter pretendido escrever uma protagonista simples em sua ingenuidade, mas o que conseguiu foi construir uma Hollis Brite difícil de gostar por ser bobinha demais.

É difícil se importar com os dilemas de Lady Hollis. A jovem vive na corte de Coroa desde criança, acompanhada dos pais, e aquele universo de damas, nobres e cavalheiros é tudo que conhece no mundo. Seu maior objetivo é se tornar rainha, mas apenas para fazer parte de um legado construído por outras mulheres antes dela e ter estátuas com seu rosto espalhadas por Coroa. Mas esse mesmo objetivo, tão claro no início de A Prometida, simplesmente some da mente da protagonista quando ela vê Silas pela primeira vez. O novo objetivo da narradora, então, passa a ser escolher entre Jameson e Silas, mas isso também não é um mistério devido a pouca habilidade da autora em nos fazer comprar a história que está contando. Não há realmente um dilema aqui, e Kiera Cass preenche as mais de 300 páginas do livro com um argumento completamente mal construído.

Quando Cass decide inserir tramas políticas na narrativa, a obra degringola de vez e A Prometida parece se transformar em outro livro de uma hora para a outra. Hollis precisa acompanhar Jameson na recepção da família real de Isolte, e o que poderia ser uma oportunidade para Kiera Cass criar tramas políticas, entrelaçando a narrativa do triângulo amoroso à tensão entre os reinos, tudo o que ela consegue é adicionar mais camadas de nada a coisa nenhuma. Nada faz sentido em A Prometida porque nada é desenvolvido de maneira aceitável. Os personagens não são aprofundados, o amor à primeira vista que acontece é difícil de comprar — e quando se trata de romance, tudo o que precisamos é acreditar — e os pequenos dramas na vida da protagonista são completamente desnecessários.

“Eu tinha dito que ele não me deixaria queimada. E ainda acreditava nisso. Se eu acabasse em chamas, seria por minha própria culpa.”

Não é que eu não goste de romance ou já tenha passado da fase de apreciar literatura young adultVermelho, Branco e Sangue Azul, da Casey McQuiston, e Um Lugar Só Nosso, da Maurene Goo, estão aí para provar que sou completamente vendida para o tema —, mas A Prometida não entrega absolutamente nada do que promete (com o perdão do trocadilho). O romance não é desenvolvido o suficiente, nem entre Hollis e Jameson e muito menos entre Hollis e Silas, as tramas políticas são esquecidas durante grande parte do livro apenas para retornar em uma espécie de plot twist no final (sim, terá uma sequência para A Prometida) e os personagens são rasos e sem o menor carisma. Preciso me apaixonar por eles tanto quanto o possível para acreditar nessa história, e em A Prometida nada disso acontece.

O novo livro de Kiera Cass é datado e esquecível do começo ao fim e a sensação que tive, durante a leitura, é de estar pelo menos quinze anos no passado: a autora não evoluiu em sua construção de mundo ou personagens visto que em A Prometida praticamente todos são brancos e héteros, não há a menor diversidade. A preguiça da autora em se aprofundar em qualquer assunto mais espinhoso é palpável: A Prometida era a oportunidade perfeita para que ela pudesse trazer para seus jovens leitores discussões importantes sobre patriarcado, papéis de gênero, maternidade, machismo e misoginia. Ao que parece, Kiera Cass estava tão sem ânimo quanto Hollis Brite enquanto escrevia seu livro, sendo levada de um lado para o outro da mesma maneira que sua protagonista, sem se agarrar a nada de fato. E sem se posicionar.

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras no NetGalley.


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3 comentários

  1. Eu já tinha ficado com um pé atrás com a Kiera Cass após o final de A Seleção. Tinha começado a série porque precisava de algo bem leve para espairecer, mas a maneira como ela encerrou o conflito foi de uma preguiça absurda. Evidenciou até uma inabilidade em trabalhar tramas mais complexas para além dos desenlaces amorosos – além do que, o final do Aspen foi uma desgraceira só. A continuação da trilogia principal me fez revirar os olhos e, lendo agora esta resenha, fico me perguntando em que universo paralelo essas autoras vivem. É como se o tempo tivesse estacionado e não existisse evolução para a própria escrita. É bem triste, isso.

    1. Oi Kami! Obrigada por seu comentário! Como disse no texto, eu gosto de A Seleção. Talvez por ter algum tipo de memória afetiva, mas é mesmo muito triste ver que em todos esses anos a autora não evoluiu em nada em sua construção de mundo e personagens. Até os enredos são basicamente os mesmos.

  2. Sou completamente apaixonada pela saga d’A Seleção, mas esse novo da Kiera foi difícil. O livro vai de nada pra lugar nenhum e DE REPENTE vira uma trama política com um pouco mais de fôlego. O último terço dá um gás pra história, mas me decepcionei muito com o todo o resto. E Delia Grace, a única personagem que tem sua personalidade minimamente desenvolvida se mostra uma amizade super tóxica, parecendo até que poderia ser uma vilã, mas mesmo assim a coisa morre antes de ter chance de vingar.

    E no quesito príncipes eu só posso dizer vida longa a Maxon Schreave!!!!!!

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