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A Era da Escuridão: as trevas de Katy Rose Pool

Enquanto os Sete Profetas guiaram a humanidade direcionando com suas visões de futuro a construção de reinos, o fim de guerras e a união de nações, o mundo prosperou. Mas quando eles desapareceram, restou apenas o caos e a incerteza. Uma última profecia prevê que a Era da Escuridão está a espreita e apenas o nascimento de um novo Profeta será capaz de salvar o mundo das trevas iminentes. Quando, um verso de cada vez, a profecia começa a se realizar, cinco jovens veem seus destinos entrelaçados em uma trama muito maior do que eles mesmos, com a vida de todos inseridas em um jogo perigoso em que o menor dos erros significa morte.

Essa é a premissa de A Era da Escuridão, primeiro livro da trilogia Era das Trevas de Katy Rose Pool, publicado no Brasil pela Editora Suma com tradução de Natalie Gerhardt. Alternando o ponto de vista de cinco personagens principais, somos, aos poucos, apresentados a um mundo em que a magia está presente tanto quanto discussões a respeito de fanatismo religioso, manobras políticas que beneficiam poucos e escolhas capazes de definir o destino de povos inteiros. Trabalhar com cinco pontos de vista diferentes para contar essa história poderia ter deixado Katy Rose Pool com mais nas mãos do que poderia dar conta, mas a autora consegue criar personagens carismáticos o suficiente para nos fazer embarcar em suas tramas, descobrindo mais sobre o mundo em que vivem e o que é a ameaça que espreita da escuridão.

“Ele ainda tinha medo, mas o medo por si só não seria capaz de matá-lo.”

Logo no início do livro conhecemos Ephyra, uma assassina, e sua irmã Beru, que tem uma doença misteriosa e está pronta para desistir de tudo e abraçar a morte; Jude, um guerreiro e líder de uma ordem cuja missão é encontrar o novo Profeta e protegê-lo custe o que custar; Hassan, um príncipe exilado que procura meios de libertar seu reino das mãos do Hierofante, que usurpou seu trono e colocou seus pais em cativeiro; e Anton, um apostador e trambiqueiro que usa suas habilidades para ganhar nas cartas além de ser capaz de encontrar qualquer pessoa em qualquer lugar. Cada um dos cinco têm personalidades e desejos bem definidos, então é fácil mudar de uma narrativa para outra, ferramenta que apenas enriquece a história e o mundo que Katy Rose Pool está construindo nesse primeiro livro. É por meio das experiências de Ephyra, Beru, Jude, Hassan e Anton que aprendemos o que é esse mundo em que profecias existem e a magia nasce em poucos deles, chamados de Agraciados.

Os Agraciados são aqueles que nascem com esta já citada magia, ou, como chamada na trama, graças, como força e agilidade maiores do que as de humanos comuns, ou a habilidade de ver o futuro, curar pessoas ou trazer os mortos de volta à vida. Esses dons se manifestam de maneira diferente em cada pessoa, e entre os protagonistas nem todos se sentem confortáveis usando essa magia ou sequer tem muita noção de como isso deve ser feito, procurando evitá-la. No decorrer da trama de A Era da Escuridão, a autora desenrola esse relacionamento dos personagens com os dons que possuem — ou com ausência deles — e como ser, ou não, um Agraciado reflete em sua posição no mundo. Até onde é correto usar esse poder para tirar uma vida para proteger outra? Não ser um Agraciado faz a pessoa menos capaz de liderar um reino? O destino é inexorável ou há a possibilidade de mudança? Essas são apenas algumas das questões que os personagens enfrentam durante as mais de 300 páginas do livro de estreia de Katy Rose Pool.

Por meio de cada ponto de vista também desvendamos esse mundo com ares mediterrâneos, suas paisagens, povos e história. Como o primeiro livro de uma trilogia, é normal que A Era da Escuridão gaste um número considerável de páginas situando o leitor no universo em que sua trama se desenrola, então aqui estamos apenas começando a arranhar a superfície do que Katy Rose Pool tem planejado para seus personagens. É claro que tantas descrições podem afetar o ritmo da narrativa, deixando os acontecimentos impactantes para pontos específicos da trama, mas, pessoalmente, gosto de saber dos pormenores do mundo imaginado pela autora e em nenhum momento isso me deixou menos interessada no que ela tem para contar — a não ser, é claro, com relação ao grande vilão da trama, o já citado Hierofante.

Embora o personagem seja mencionado diversas vezes e por todos os personagens com ares de medo e terror, sua aparição não é tão merecedora de nota quanto deveria ser. Seus atos são cruéis e dignos do antagonista que foi construído para ser, porém não há nada do sentimento de urgência que permeia suas descrições quando ele finalmente surge em pessoa na narrativa. A falta de aprofundamento dos personagens, inclusive, não fica restrito ao vilão da trama mas também acontece com os cinco protagonistas — ainda que por meio de seus capítulos possamos saber o que eles pensam, sentem e desejam, queria saber mais. Porém, novamente, como é o primeiro livro de uma trilogia, decidi dar o benefício da dúvida e crer que Katy Rose Pool ainda tem muito o que contar sobre Ephyra, Beru, Jude, Hassan e Anton.

“Aqueles que não conseguem dominar as próprias escolhas serão sempre controlados pelo destino.”

Do que foi narrado até o momento, afirmo sem hesitar que Anton é meu favorito, seguido de perto por Ephyra e Jude. Anton, mesmo com sua fachada inabalável, é um dos mais quebrados por dentro e quando isso começa a transparecer na narrativa é realmente de partir o coração. A maneira como ele e Jude se conectam é um dos meus momentos favoritos do livro e com certeza será responsável por fazer zarpar muitos shipps internet afora. Ephyra, enquanto isso, mesmo sendo a temida assassina chamada de Mão Pálida, tem um ponto fraco quando o assunto é sua irmã Beru — e não há nada que eu goste mais do que uma bela relação entre irmãs para alavancar uma trama. Jude é o completo oposto de Ephyra e Anton, que vivem às margens da lei: criado desde o nascimento para ser o guerreiro e líder da Ordem da Última Luz, com uma missão específica para a qual treinar durante toda a vida — encontrar e proteger o Último Profeta —, o espadachim é todo ordem, lealdade e coragem, porém mesmo com um propósito na vida ele hesita entre o dever e o que sente em seu coração.

De maneira geral, A Era da Escuridão é um bom início de trilogia. A construção de mundo de Katy Rose Pool é crível, seus personagens são capazes de conquistar a atenção do leitor — mesmo que, em alguns momentos, careçam de profundidade — e a trama tem potencial para seguir em uma crescente de acontecimentos interessantes. Para quem já leu muitas fantasias e distopias do gênero, não é difícil prever as viradas de roteiro ou desvendar quem é quem na profecia e em toda essa narrativa mas, mesmo assim, o livro é cativante à sua própria maneira. A leitura flui com facilidade, há uma pitada de romance, um par que tem tudo para ser a força motriz dos próximos livros, dilemas morais, lutas e traições, personagens não-brancos e queer. A maneira como Katy Rose Pool desenrola sua mitologia — as quatro graças, o esha (que é a energia que flui das pessoas no universo criado pela autora, onde cada um tem uma assinatura própria, como uma digital), as profecias e os profetas — e coloca os personagens principais em rota de colisão é empolgante de acompanhar. Muitas perguntas ainda precisam ser respondidas nos próximos livros da trilogia, mas o início é promissor o suficiente para me deixar ansiosa esperando para descobrir o que aguarda Ephyra, Beru, Jude, Hassan e Anton a seguir.

“Por enquanto, era isso que tinha. A pressão da mão de alguém sobre a sua. O conforto de outro coração próximo o suficiente para ele escutá-lo.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Companhia das Letras no NetGalley.


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana C. Vieira.

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