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Entre a vida e a morte, há A Biblioteca da Meia-Noite

Quem nunca se perguntou o que poderia ter acontecido caso tivesse feito outras escolhas? Esta é a premissa de A Biblioteca da Meia-Noite, de Matt Haig, um livro delicado, profundo e divertido, que propõe uma perspectiva diferente da vida através de múltiplas possíveis realidades.

Atenção: este texto contém pequenos spoilers!

Ao abrir o livro, somos transportados para a vida cheia de arrependimentos de Nora Seed, uma jovem de 35 anos que um dia fora cheia de potencial, mas que perdeu qualquer esperança após seus sonhos desabarem um após o outro.

“Cada movimento tinha sido um erro; cada decisão, um desastre: cada dia, um afastamento de quem ela havia imaginado que seria. 

Nadadora. Musicista. Filósofa. Esposa. Viajante. Glaciologista. Feliz. Amada.”

Nora tem depressão e inicia a história num momento particularmente difícil, depois de algumas frustrações terem reavivado dores que nunca cicatrizaram e que a levariam a abrir mão do amanhã. Mas ela ganha uma segunda chance ao acordar na Biblioteca da Meia-Noite, um limbo entre a vida e a morte, onde é sempre meia-noite e as prateleiras abrigam infinitos livros; cada um guarda a história de uma possível vida de Nora, um universo paralelo no qual fez outras decisões e chegou em futuros diferentes. Ela é convidada a visitar essas outras realidades, com a promessa de poder permanecer naquela em que for totalmente feliz.

Matt Haig, autor da obra, ficou conhecido após o sucesso de seu livro Razões para Continuar Vivo, no qual relata suas próprias experiências lidando com depressão, sua tentativa de suicídio e sua recuperação. O sucesso o tornou, sem que ele pretendesse, um nome importante na literatura de autoajuda e nas conversas sobre saúde mental.

Apesar de A Biblioteca da Meia-Noite ser um livro de ficção, ou seja, não fazer parte da extensa e aclamada bibliografia de autoajuda de Haig, as vivências do autor ecoam na história de Nora, o que a torna uma personagem crível, com quem é fácil se conectar e cujas dores e arrependimentos são reais e compreensíveis. De forma sutil, Haig consegue que a depressão de Nora seja o fio condutor da história sem que ela esteja em evidência, o que confere um tom leve à trama, que possui tanto momentos profundos e reflexivos quanto engraçados e inesperados.

A escrita de Haig envolve do início ao fim e faz com que os sentimentos da personagem transbordem da página e alcancem quem lê. Não raras vezes, é possível se apegar, se desapontar ou ainda se surpreender com uma determinada vida em específico. Além disso, a curiosidade acerca do que poderia ter sido e a chance de vislumbrar múltiplas possibilidades instigam o leitor a continuar, o que torna a leitura muito fluida. Pessoalmente, sentia como se a Biblioteca da Meia-Noite saísse da história, o mundo parasse ao meu redor e eu adentrasse uma bolha temporal apenas para ler.

A Biblioteca da Meia-Noite

Dentre os vários detalhes interessantes da história, um merece atenção especial. Assim que chega à Biblioteca, Nora precisa ler um livro antes que ela possa abrir qualquer outro: o livro dos arrependimentos, onde estão registrados todos e exclusivamente os arrependimentos dela. Então, analisando suas “escolhas erradas” registradas em tal livro, ela pode escolher algo que gostaria de fazer diferente e tem a oportunidade de fazê-lo visitando uma possível vida em um dos outros.

Ao ler o livro dos arrependimentos, Nora fica tão sobrecarregada que sente “como se mãos invisíveis apertassem seu pescoço”. Transfigurar o peso psicológico de se arrepender num livro que tem o poder de sufocar quando lido é uma escolha acertada demais; assim como separar os arrependimentos em um registro isolado dos outros. Considerando que todos os demais livros da Biblioteca são os “multiversos” das vidas de Nora, criar um livro apenas para os arrependimentos significa desassociá-los da vida, eles não são — nem devem ser feitos — parte central de nenhuma história. Ao passo que experimenta cada vida e descobre que o rumo era diferente do que imaginava, seus arrependimentos mostram-se cada vez mais irracionais e inúteis, e ela pode livrar-se deles.

De fato, A Biblioteca da Meia-Noite é um livro que fala sobre o peso do arrepender-se. Em entrevista, Matt Haig declarou que seu objetivo era desfazer o sentimento de que “a grama do vizinho é sempre mais verde”; já que, uma vez que se toma consciência de que todo o espectro de emoções existentes está disponível para todos e em qualquer situação, um universo de possibilidades torna-se acessível também, pois “amor, riso, medo e dor são moedas universais”.

“É uma revelação e tanto descobrir que o lugar para onde você quis fugir é exatamente o mesmo lugar de onde fugiu. Que a prisão não era o lugar, mas a perspectiva.”

Uma simples mudança de perspectiva a fim de abandonar o passado para vislumbrar o que pode ser no futuro. Nesse sentido, o final da história é ao mesmo tempo previsível e surpreendente; pois, no decorrer do livro, não é possível prever para onde a trama levará a personagem, mas a trajetória é tão bem construída que fica claro que chega ao único final possível.

A solidão é um outro motor da trama, sendo a perda de contato com todos seus amigos e parentes uma das principais razões que resultam no aprofundamento da depressão de Nora. Desconectada socialmente, seus pesares se acumulavam dentro dela e a afogavam numa espiral cada vez mais autodestrutiva. As frustradas tentativas de restabelecer contato com o mundo, que se mostra ríspido e insensível com ela, levam Nora a se culpar pela infelicidade dos outros. Ela sente que decepcionou e afastou de si todos que amava, o que ela buscava compensar tentando satisfazer os sonhos que os outros impunham sobre ela, apenas se culpando mais ao não encontrar sua própria felicidade neles.

“Isso a fez lembrar que todos estavam melhor sem ela. Você se aproxima de um buraco negro, e a força gravitacional te arrasta para a realidade erma e sombria dele.”

Sentir-se sozinho tem o mesmo efeito de sentir-se abandonado ou desamparado, o que pode agravar ou desencadear casos de depressão e outros transtornos. Dessa forma, é importante destacar a importância de encontrar pessoas e compartilhar emoções. Ao chegar na Biblioteca da Meia-Noite, Nora encontra uma antiga amiga, cuja companhia é imprescindível em sua jornada. Fora da ficção, Matt Haig também reforça a importância de ter encontrado uma rede de apoio, pessoas com histórias semelhantes a dele, que o compreendiam e o apoiavam. A solidão pode instalar a crença de que somos insignificantes ou descartáveis, que nossa falta não seria sentida; quando, na verdade, somos todos peças de uma intrincada partida de xadrez e a falta de uma é suficiente para que toda a jogada não funcione.

De forma geral, um dos encantos da leitura é permitir ao leitor um breve deslocamento de sua própria posição de sujeito. Através de outras histórias, pode-se vislumbrar novos horizontes e analisar a vida de longe; para, assim, compreender-se melhor. Tal experiência é ainda mais forte em A Biblioteca da Meia-Noite. Num movimento duplo e sincronizado, leitor e Nora experimentam outras realidades e encontram uma mensagem de esperança que torna a vida mais leve.

“Três palavras simples contendo o poder e o potencial de um multiverso

EU ESTOU VIVA.”


** A arte em destaque é de autoria da editora Ana Luíza. Para ver mais, clique aqui!

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