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Orphan Black: as mulheres em primeiro plano

Quem me conhece sabe que sou praticamente a louca dos seriados. Minha lista no TVShow Time, por exemplo, conta com 49 séries ativas e outras 14 esperando a vez. O período em que as séries que acompanho entram em hiatus geralmente também é o período em que minha crise existencial duplica: como poderei viver sem acompanhar semanalmente todas essas histórias? Quando isso acontece não tenho dúvida e corro para a Netflix em busca de novidades — e foi em uma dessas peregrinações que me deparei, há alguns anos, com Orphan Black.

Orphan Black é uma série canadense de ficção científica criada por Graeme MansonJohn Fawcett, estrelada pela maravilhosa Tatiana Maslany e transmitida pela BBC America. Em seu primeiro episódio conhecemos Sarah Manning, uma órfã um tanto perdida na vida, com uma filha de seis anos que não vê há tempos e sem dinheiro para poder criá-la apropriadamente. Enquanto espera o trem em uma plataforma, Sarah se depara com Beth Childs, uma mulher idêntica a ela. Antes que Sarah possa pensar muito sobre o assunto, Beth retira os sapatos, coloca-os no chão junto de sua bolsa e se joga em frente ao trem que está passando. Assustada e completamente desnorteada com o que acabou de ver, Sarah pega a bolsa que Beth deixou para trás e foge.

Sarah decide se valer de sua aparência idêntica a de Beth para fugir de um ex-namorado abusivo e encontrar meios de conseguir dinheiro suficiente para sustentar Kira, sua filha. O que Sarah não esperava, no entanto, é se ver transportada para uma trama complexa e intrigante que envolve clonagem humana, organizações científicas dominadoras e cultos religiosos extremistas. Nesse novo universo Sarah conhece outras de suas clones — a princípio Alison, Cosima e Helena, e algumas muitas outras que estariam por vir — que, apesar da aparência indubitavelmente idêntica, são únicas, cativantes e complexas cada uma a sua maneira. Esse, inclusive, é um ponto importantíssimo de Orphan Black: todas as personagens femininas são complexas, possuem uma história singular, habilidades diferentes e características marcantes e que em momento algum aparecem apenas para dar suporte a um personagem masculino.

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“Eu não sou sua propriedade. Eu não sou seu brinquedo.”

Em Orphan Black, além da trama capitaneada e desenvolvida ao redor de e por mulheres, temos os mais diferentes assuntos abordados por meio de cada uma das clones: temos uma mãe solteira e golpista, uma típica dona de casa suburbana que no final das contas não é tão típica assim, uma cientista que estuda biologia evolucionária, uma assassina treinada por religiosos, entre tantas outras. São mulheres tão plurais e diversas como nós somos no mundo real, com anseios e maneiras diferentes de conseguir o que desejam, nem completamente boas, nem completamente más. Nenhuma delas fica presa por seus estereótipos e possuem construções complexas e distintas que resultam em uma galeria de personagens escritas lindamente — algo tão em falta no universo pop atual. Mesmo com seus momentos de fragilidade e dúvida, cada uma dessas mulheres tem força e coragem o suficiente para lidar com seus problemas sem depender de homem nenhum para correr em seu auxílio.

Como se não bastasse a série ter todas essas mulheres como protagonistas, ainda é possível destacar as altas doses de feminismo e sororidade em seu enredo, uma vez que as clones se reúnem para se proteger e lutar contra a organização que tenta dominá-las e as considera propriedades e investimentos de pesquisa. Toda a trama de Orphan Black, na verdade, traça um paralelo muito forte com o ser mulher. Enquanto, na série, Sarah e as outras clones precisam fugir das amarras da organização científica que as criou e as considera propriedade deles, no mundo real nós, mulheres, temos que lidar com outras pessoas (geralmente homens) nos colocando amarras e dizendo o que devemos fazer com nossos corpos.

"Eu não sou sua arma. Eu não sou seu experimento."
“Eu não sou sua arma. Eu não sou seu experimento.”

Isso soa familiar? A trama é de ficção científica, sim, e utiliza-se do tema da clonagem enquanto metáfora a respeito do direito da mulher ser dona de si mesma e decidir o que quer fazer com seu corpo. Uma frase, inclusive, é repetida diversas vezes durante as temporadas: “This is my biology, it’s my decision”. É minha biologia, é minha decisão. As clones lutam diariamente contra cientistas e religiosos extremistas, lutam por sua liberdade de poder fazer o que bem entenderem com os próprios corpos. As clones capazes de ter filhos, por exemplo, são as mais perseguidas por ambas as organizações, pois todos querem utilizá-las em experimentos ou para procriação.

Essa perseguição, basicamente, é o que toda mulher enfrenta na vida real quando um grupo de políticos engravatados cria leis criminalizando o aborto, quando são desacreditadas no momento de apontar seu agressor, quando nos fazem calar por medo. E, a exemplo do Clone Club, nós não devemos nos calar ou parar de lutar.

Orphan Black não apenas empodera suas personagens como as coloca sempre em primeiro plano enquanto trabalha uma trama elaborada de ficção científica, autonomia feminina e o direito que temos de escolher o que fazer com nossos próprios corpos. Em outros aspectos a série também consegue passar com folga no Teste de Bechdel — a protagonista é mulher, as principais personagens são mulheres independentes e com histórias próprias, que conversam sobre a vida, o universo e tudo mais e há muita representatividade. Há personagens homossexuais belamente escritos e interpretados que quebram com os estereótipos de gênero — um desses personagens, inclusive, faz parte do grupo do núcleo principal e tem um romance lindo e nada clichê.

Se você ainda não assistiu Orphan Black, sua quarta temporada entrou em catálogo no último dia 15. A série também foi renovada para a quinta — e última — temporada, então está mais do que na hora de mergulhar de cabeça nessa história.

2 comentários

  1. Nossa! Orphan Black me fez pensar sobre tantas coisas mais voltadas pro lado da ciência – clonagem e os efeitos disso no mundo – que eu acho que nunca parei para realmente pensar com tanta “profundidade” sobre como a mulher é representada na série. E “descobrir” isso me fez amar ainda mais a série. Obrigada. :p
    Enfim, ótima matéria, parabéns!

    1. Oi Bruna! Fico feliz que tenha gostado do texto! E, ó, confesso que todos esses paralelos demoraram a despertar em mim, li muita coisa sobre e fiquei perplexa em como a realidade das clones na série espelha nossa realidade aqui, na vida real. É de virar a cabeça!

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