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Blueming: um olhar sensível sobre amadurecimento, primeiro amor e reencontro consigo

Lançado em 2022, Blueming é uma produção sul-coreana adaptada do webtoon Who Can Define Popularity? pela diretora Hwang Da Seul, também responsável pelos k-dramas de sucesso dentro do recorte “boys love”, termo utilizado para obras LGBTQIA+, To My Star e Where Your Eyes Linger. Enquanto ambas as séries têm um grande impacto na indústria BL e alcançaram razoável fama internacional, Blueming permanece uma pedra preciosa pouco valorizada, que certamente, caso fosse de origem norte-americana, alcançaria o topo de rankings de séries mais assistidas e teria sua narrativa repleta de sensibilidade e abordagem pungente ao misturar coming-of-age e slice of life reconhecidas.

Atenção: este texto contém spoilers!

São 11 episódios, com pouco mais de 15 minutos cada, que contam a história de Cha Si Won (Kang Eun Bin), um universitário popular, bonito, magro e que projeta uma imagem de autoconfiança e arrogância que impressiona aqueles ao seu redor e orgulha a sua mãe. Figura materna essa que atacou a infância de Si Won, à época um garotinho gordo, com palavras feias, raivosas, desmotivadoras, cruéis e o tornou refém de obter afeto, carinho e validação por meio de uma forma física esbelta, delgada e “bem-cuidada” com dietas alimentares e rotinas rigorosas de exercícios físicos.

Si Won também cresceu sem a presença do pai, que abandonou a família por uma mulher mais jovem e bonita, e deixou toda a responsabilidade emocional e financeira para a esposa, que tentou escapar do pesadelo projetando no filho suas inseguranças, medos, rancor e raiva, e consertar nele aquilo que achou que estava errado nela. Assim, por fora, Si Won é moldado a imagem da perfeição, uma bravata perfeita para encarar um lar — e uma sociedade — que valoriza mais como ele se parece do que quem ele é e o que sente. Por dentro, entretanto, ele é um eco quebrado, com toda a dor, insegurança e vulnerabilidade enterrados e sem permissão para serem sentidos, exceto quando são engatilhados e Si Won pedala para longe deles, em passeios de bicicleta que blindam as vozes do passado, das brigas intermináveis entre seus pais e dos insultos de sua mãe.

“I had to be flawless to not be looked down on”

“Eu tinha que ser perfeito para não ser menosprezado”

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Quando Hyeong Da Un (Jo Hyuk Joon), filho de famosos diretores, surge na vida de Si Won e o afeta sendo genuinamente simpático, bonito e engraçado, o que chama a atenção de todos, ele entra em modo defensivo, retraindo-se e esforçando-se em ser ainda melhor do que já tenta. Da Un, para surpresa do protagonista, ri dele e orbita ao seu redor sem motivo aparente; mesmo sendo recebido com constante hostilidade e tratado como rival, Da Un não desiste até romper a falsa imagem de Si Won e se inserir na vida dele de forma terna, revigorante e aterrorizante, já que, pela primeira vez, graças a Da Un, Si Won ganha a permissão de sentir, de florescer, de olhar para dentro, reconhecer suas inseguranças e fraquezas e ao expô-las encontrar acolhimento, gentileza e alguém que continua retornando apesar de tudo.

Catalisador do maremoto de sentimentos em Si Won, Da Un também possui a sua cota de afeições negligenciadas, desde sempre retornando para uma casa vazia e sem calor humano. Talvez seja justamente por isso que ele seja tão bom em dar amor, cuidado e carinho, já que sente profundamente como é a sua falta e, por outro lado, tenha tamanha dificuldade em falar sobre si e a enorme falta que há dentro dele, já que parece futilidade reclamar de algo assim quando nunca lhe faltou algo materialmente. Também é triste, mas acalentador, presenciar o desejo e avidez de Da Un em conviver com a família de Si Won, que mesmo imperfeita e, por vezes, fonte de tristeza para o protagonista, aos olhos do outro é um recanto com presença e laços legítimos. Assim, é claro que a cartela de tickets para visitar a casa de sua paixão, confeccionada com zelo por Si Won, faz Da Un, e também quem assiste, explodir de felicidade.

A medida que o ser dos dois vai se entrelaçando, o relacionamento vai descortinando novas nuances, criando mais camadas e destacando novos tons, muito bem conduzidos pelo roteiro, direção e atuação dos atores, que dão ainda mais profundidade à história e a personalidade dos personagens ao incutirem em sua performance gestos e padrões que refletem as emoções.

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Blueming é sobre amadurecer e como o processo de ser vulnerável consigo e com os outros é desafiador, assustador e compensador. É reconhecer a dor causada por feridas nunca totalmente curadas e como foi arrastado a vida inteira em um vai e vem de ondas em um mar que sequer devia lhe tocar. É sobre encarar tudo isso, em partes sozinho, em partes acompanhado, e se despir do que lhe fizeram ser para, finalmente, juntar as mil partes de quem se é em uma só. É mergulhar em um mar azul, rodeado pelo céu, também azul, e sentir a água salgada arder, mas abraçá-lo e lavá-lo o suficiente para florescer.

Blueming é sobre o primeiro amor, descobrir a sexualidade, dar um primeiro beijo inábil, morrer de vergonha por isso, mas ser tão amado que pouco importa. É viver o amor romântico enquanto também passa a conhecer a si porque na vida não existe uma linearidade certa para encontros e achados. É constatar que é possível ser admirado, ser válido e adorado sendo quem se é — fofo, desastrado, acanhado —, sem precisar fingir, projetar comportamentos ou ser um ator dentro da própria história. É alcançar a segurança de dormir bem ao lado do alvo da sua paixão em um local desconhecido, quando jura que apenas dorme bem em sua própria cama. É expressar fisicamente para si e para o outro o que sente ao conceder ao corpo, antes tão maltratado por outros e por si mesmo, liberdade e poder para tal — neste momento, a fotografia e uso poético da luz, pintando o cenário de azul, deixam a narrativa do BL ainda mais delicada. Além disso, é também aprender que, às vezes, as falhas se sobrepujarão, os desencontros trarão mais mágoa, mas que para viver plenamente é preciso dialogar, pedir desculpas e perdoar.

“— I don’t get it. I don’t get why you like me. I don’t get it.
— You are… You’re cute when you get mad. You’re always so serious and diligent, but at the same time, you’re clumsy. You have pretty eyes when you smile. You’re kind. And you’re cautious.”

“— Eu não entendo. Não entendo por que você gosta de mim. Eu não entendo.
— Você é… Você é fofo quando fica bravo. Você é sempre tão sério e diligente, mas ao mesmo tempo desajeitado. Você tem olhos bonitos quando sorri. Você é gentil. E você é cauteloso.”

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Blueming, acima de tudo, é sobre reencontrar quem se é, ressignificar memórias e sentimentos e, a partir daí, explorar seu âmago e deixar brotar, crescer, o que sempre esteve definhando nas sombras. Em sua trajetória, Si Won dá sentido e vazão aos traumas que viveu durante a infância escrevendo, dirigindo e produzindo um filme sobre essa parte de sua vida. É vivendo esse processo que ele é capaz de iniciar sua libertação das palavras que o aprisionaram em se sentir menos e pequeno, é conversando com o ator mirim que o retrata, assegurando que os insultos da cena que filmará não são verdadeiros e não o definem e que ele é lindo como é, que ele cura seu eu passado, como se o Si Won prestes a entrar na vida adulta finalmente olhasse para o passado, reconhecesse o sofrimento e desse a dose de ternura necessária à criança que um dia foi.

A escrita íntima e intensa nos corta ao meio no momento em que a relação do protagonista e de sua mãe se parte por completo, depois de permanecer por um fio por anos. Assim, mais uma vez, é necessário reviver a dor, ser machucado novamente enquanto tenta mostrar o quanto já dói, ser rechaçado exatamente porque o outro não consegue aceitar que infligiu o mal disfarçado de amor. É aceitar que amor familiar e ressentimento às vezes existem juntos dentro de si.

Em Blueming, Si Won desabrocha, com seus defeitos e qualidades, com coragem de se expressar e seguir adiante para, enfim, crescer.