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Titanic: alma para além da história de amor

Em 2023, o filme Titanic, de James Cameron, voltou aos cinemas com imagens restauradas e em alta definição para comemorar os 25 anos de seu lançamento, provando que a força narrativa arrebatadora de público, crítica e premiações, não restou nada datada.

Vencedor de onze Oscars e primeiro filme da história a alcançar a marca do bilhão nas bilheterias, a produção poderia não resistir ao teste do tempo, mas se prova cada vez mais relevante em termos de escala cinematográfica, transformando-o em um jovem clássico. Vale lembrar que o filme foi produzido nos anos 90 e, para além do uso de efeitos práticos em relação a construção do navio em si para que as filmagens denotassem realismo, retrata não somente a grandeza de um navio, supostamente inafundável, mas também uma realidade palpável, cheia de vida, em cenários de tirar o fôlego e personagens muito relacionáveis.

Titanic

Ainda que inteiramente liderados por Jack Dawson (Leonardo DiCaprio), um artista que vive cada dia como se fosse único, e Rose DeWitt Bukater (Kate Winslet), uma socialite que se vê presa a um destino que jamais desejou, conduzindo o espectador em meio à iminente tragédia, sob a câmera do diretor cada personagem tem seu grande momento.

Conhecedor do potencial próprio da história de amor, Cameron não tem pressa em virar a câmara para o romance e deixa com que rostos e “sub-histórias” acontecendo ao redor de Rose e Jack cresçam na trama sem que pareçam se esforçar por isso, de forma gradual. Responsável por alçar Winslet e DiCaprio ao estrelato e a uma longa carreira de sucesso, ainda com seus vinte e poucos anos, o diretor não se intimida pelo carisma, beleza e química do casal e viaja pelos porões, conveses, inferiores e caldeiras do Titanic, retratando a elite e as camadas mais pobres de maneira igualitária, sem perder o ritmo, apenas acrescentando mais e mais conteúdo a uma história que atinge seu ápice durante o naufrágio.

Ao passo que Rose e Jack lutam um pelo outro, como fizeram durante todo o filme em contraponto àqueles que eram contra o relacionamento, enquanto se apaixonam e fazem o público se apaixonar pelo amor crescente entre eles, personagens que antes pareciam coadjuvantes ganham cada vez mais vida, ainda que suas vidas se encontrem na iminência de se esvair pelas águas congelantes do Atlântico Norte.

Titanic

Conforme a água invade os corredores do navio, uma mãe coloca suas crianças para dormir, um casal de idosos se deita junto pela última vez, objetos imaculados e de grande valor, que compunham o barco exalando prosperidade, elegância e até esperança, são engolidos pela força da água, tornando-se nada mais do que escombros; músicos tocam juntos pela última vez, homens e mulheres perdem a humanidade em uma batalha quase que imediatamente perdida pela última vez.

De repente, as luzes do RMS Titanic se apagam e o navio deixa de ser grande para se tornar uma sombra aterradora que foi um contorno sombrio de diversos sonhos apagados ao mesmo tempo, dentre eles a chance do amor de Jack e Rose prosperar. Ainda que a beleza da produção ressalte a “História de Amor das Histórias de Amor” do cinema, talvez equivalente a um Romeu e Julieta dos tempos modernos, 25 anos depois fazendo milhares de corações se quebrarem, mais uma vez, pela morte de Jack Dawson, Titanic é realizado em escalas maiores do que os dois personagens centrais.

É impossível se lembrar do filme sem pensar no violinista, Wallace Hartley (Jonathan Evans-Jones), no engenheiro, Thomas Andrews (Victor Garber), na socialite nova-rica, Molly Brown (Kathy Bates), no Capitão Edward (Bernard Hill), no Quinto Oficial que voltou de bote para buscar sobreviventes entre as vítimas na água (Ioan Gruffudd), e, é claro, nela, Cora (Alexandrea Owens), a menininha que jamais deixou de ser a “melhor garota” de Jack.

Titanic

Com o saldo do tempo e um novo olhar, é possível afirmar que a grandeza de Titanic vem de uma convergência de coisas muito bem intrincadas pela mente de Cameron: uma trilha-sonora marcante encabeçada pela voz de Céline Dion e o instrumental de James Horner, figurinos de tirar o fôlego, da escala dos cenários (e da tragédia), inclusive do amor épico entre Rose e Jack, mas não apenas isso.

Do ponto de vista romântico, Rose evoluiu da jovem que se sentia presa em uma jaula de ouro e queria se jogar no mar para a mulher que desejava viver (e, sabidamente, viveu) uma vida plena e feliz; enquanto Jack abriu mão da vida idealizada em nome da mulher pela qual se apaixonou em uma virada dramática perfeita orquestrada, embora triste, pelo destino e embalada por Dion, que canta perfeitamente em “My Heart Will Go On”: “amor foi quando eu amei você”.

Porém, Cameron, também roteirista, faz com que o espectador se importe com aqueles que compõem a história no segundo plano, que, ao final, recompõem todos os símbolos e pequenas histórias que foram apresentados durante todo o filme, fechando uma produção que funciona em todos os sentidos, pois, não apenas o casal principal tem seu sonho esfacelado. Junto de Jack, diversas outras histórias são levadas pela água e pelo frio, restando apenas o vazio do que poderia ter sido, uma promessa que sempre será perfeita pelo fato de jamais ter se tornado realidade, resistindo aí a beleza paradoxal do filme.

Mesmo que tecnicamente perfeito, devido ao trabalho incansável do diretor e roteirista, em busca do maior realismo possível para retratar uma tragédia real, ainda que com seus ficcionismos, o filme continua um dos maiores da história, pois não carece de alma. Pelo contrário, embora seja lindo assistir ao entusiasmo e dedicação de Winslet e DiCaprio ainda jovens, nos maiores papéis de suas carreiras, praticamente como um sopro de ar fresco na indústria, há alma em Titanic para além de ambos e, exatamente por isso, ainda que depois de tantos anos, seguirá como um dos mais relevantes e épicos do cinema.