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O modelo de feminilidade das princesas Disney

Todas as princesas da Disney são iguais. Você até pode defender que a Mulan é chinesa, a Pocahontas é nativa-americana, a Tiana é negra 30% do tempo e um sapo nos outros 70%, e a Jasmine é árabe. E eu ainda vou bater o pé dizendo que todas as princesas Disney são iguais. Porque, independente dessas pequenas diferenças, elas são.

Claro que, se Tiana e Elsa, lançadas recentemente, passassem os seus dias varrendo, cozinhando e costurando para sete homens, como fazia Branca de Neve (lançada em 1937), ao invés de estarem vivendo suas vidas, abrindo seus próprios negócios, construindo castelos de gelo e se “autodescobrindo”, elas não teriam tido o sucesso que têm hoje. Mas isso não significa que elas sejam revolucionárias: elas só estão se adequando ao tempo e felizmente nos últimos 80 anos o papel social da mulher evoluiu alguma coisa.

Não dá para assistir um filme de uma princesa Disney e esperar algo revolucionário. Pode parecer que eles estão à frente do nosso tempo, mas eles só estão seguindo o fluxo social e tentando não ficar defasados. Porque, não importa o tamanho da empresa, no segundo em que as pessoas não conseguirem mais se identificar com aqueles filmes, com sua realidade, ela declara a própria sentença de morte.

A questão é que, tirando o momento em que foram lançadas, elas não têm nada de diferente de uma para a outra. Até o modelo de corpo usado para fazer todas elas é o mesmo, ainda que as diferenças de épocas, nacionalidades e etnias por si só justificasse uma necessidade de mudar a forma. Não importa. Elas foram feitas iguais, e foram feitas para crianças norte-americanas e foram feitas para reiterar estereótipos e construções sociais de gênero.

O que estou propondo é olhar além dos detalhes mais óbvios e prestar atenção em tudo que a Disney não te mostra. Não abertamente. Como o fato que todas as personagens são magras (com cinturas ridículas e inatingíveis), gentis e submissas em um nível ou outro, e de fala mansa. Esse é o papel da mulher, esse é o conceito de feminilidade com que todas crescemos e a que tentamos nos adequar por toda a vida, ainda que eles sejam absolutamente irreais e inatingíveis para pessoas normais de carne e osso. Então por que continuamos passando esses filmes para crianças?

Crianças são seres em formação, e vão aprender o que ensinarmos a elas.

Qual o equivalente masculino dos filmes das princesas? Não existe, porque todos os outros filmes produzidos pela empresa são considerados “universais”. Tarzan é filme “de menino”? Hércules é filme de menino? Mogli, Peter Pan, 101 Dalmatas, Alladin, O Rei Leão? Todos esses são assistidos por audiências de ambos os sexos e considerados universais. Então, em primeiro lugar, qual a necessidade de se considerar os filmes das princesas como filmes “de menina”; e, em segundo lugar, qual a necessidade de produzir tantos filmes sobre um mesmo tema a ponto de criar uma franquia de filmes que não têm nenhuma relação entre si além de serem protagonizados por princesas e convencionalmente direcionada para meninas?

Será que personagens femininas, todas elas, inclusive aquelas que protagonizam os filmes de princesas, não tinham um potencial muito maior do que passar por desgraça atrás de desgraça na vida até ser encontrada por um príncipe encantado e se casar pela manhã? Será que isso não dá a impressão de que nossa única opção para sermos realmente bem sucedidas é encontrar “o amor de nossas vidas” e nos casarmos?

Às mulheres permanece reservado sempre o lugar de princesa, sem opção. Até o ponto em que fazemos que as meninas acreditarem realmente que aquela é a única opção. Porque, ainda que amemos os outros filmes (muito mais, às vezes, do que os filmes de princesa), nenhum deles é sobre nós. Podemos nos identificar com os personagens dos outros filmes em alguns pontos, mas fica sempre a barreira: eles não nos representam, eles são homens, nunca poderemos ser como eles. Porque somos frágeis e delicadas e precisamos de alguém que nos resgate — como as personagens que nos representam: as princesas.

Ou, mesmo quando ultrapassamos a necessidade de um homem que nos resgate, nós ainda precisamos manter a aparência dessa suposta feminilidade, dessa fragilidade. Como é o caso de Elsa, que samba na cara de qualquer homem ao ponto de o estúdio nem ousar colocar um par romântico para ela, mas mantém a cintura fina, a maquiagem, o salto alto — porque sem isso ela não seria comercial e palatável o suficiente (para as crianças e para os pais). Não é à toa que Elsa é sucesso absoluto e primeiro lugar em qualquer ranking de princesas (mesmo não sendo, tecnicamente, uma princesa) e que Frozen se tornou a animação de maior bilheteria da história.

É óbvio como esses filmes passam mensagens fortes e essenciais na formação do caráter das crianças, especialmente as meninas, então por que ainda não damos a eles a atenção necessária para perceber o quanto eles são problemáticos? Esse é o ponto todo: enquanto existirem princesas Disney, não vamos conseguir destruir a imagem socialmente construída e difundida de feminilidade. Enquanto Princesas Disney 101 for matéria obrigatória no currículo de formação das crianças, não vamos conseguir desconstruir os padrões estéticos e de gênero que ainda nos aprisionam. Enquanto as princesas continuarem nascendo, nunca seremos livres. E é por isso que as princesas Disney precisam morrer.

8 comentários

  1. Muito bom! Detalhe que mesmo em Frozen rola romancezinho da princesinha com o cara ~antiherói~. Claro, uma menina jamais poderia se aventurar sozinha pra “resgatar” a irmã. Precisa da ajuda de um homem forte e corajoso. rs E óbvio que iria surgir um ~~amor inesperado~~entre eles.

  2. É impressionante como o feminismo só consegue existir, quando de alguma forma ele rebaixa outra mulher, nem sei pq dizem que feminismo é para mulheres. E se uma mulher realmente querer ser dona de casa e esposa? Ou ser bonita como uma princesa? Eu sempre tive o sonho de ser mãe e esposa, sou uma submissa traidora do movimento por isso? Tenho de sempre ser usada e largada por homens? Não posso desejar um “Príncipe encantado”. Feminazi sempre fala como se todas as mulheres tivessem de ser igual a ela. Mas vou te dizer: Eu como mulher, não são! E quando me casar, vou ficar feliz em dizer que fiz a coisa mais anti feminista e submissa que eu poderia fazer!

  3. Eu concordo que algumas coisaz nas princesas não são legais (principalmente as antigas),assim como o padrão de belsza,deveria ter princesas que não fossem “bonitas” ou com belezas totalmente fora do padrão .Mas mesmo assim não é errado uma menina querer parecer uma princesa,se sentir assim, e também não é errado ela não querer ser assim,cada um é diferente,e ela pode gostar de princesas,rosa e bonecas ou não,o importante é que ela veja o seu valor.
    E mesmo assim,muitos filmes de princesas (os atuais) mostram coisas boas,como ser gentil (isso não é ser boba,e sim empatia pelo próximo,), ser alegre,determinada,acreditar no amor,ajudar o próximo e nunca dessistir.
    Além de tudo ,muitas crianças se sentem princesas ,isso a faz se sentirem especiais,importantes !

    1. A questão é que esses filmes limitam a escolha das meninas de como ser e estar no mundo para esse modelo patriarcal que coloca a mulher numa posição social de baixo valor e que facilita o abuso e violência contra elas. Meninas não precisam desses filmes para ter a liberdade de escolher ser gentis ou delicadas ou determinadas.

  4. PALOMA VOCÊ É INCRÍVEL AAAAAA
    SÓ LI VERDADES, TO EMOCIONADA
    Você deu voz a um sentimento que eu não conseguia nomear!
    Alias to adorando o site. Parabéns <3

  5. A questão é que esses filmes limitam a escolha das meninas de como ser e estar no mundo para esse modelo patriarcal que coloca a mulher numa posição social de baixo valor e que facilita o abuso e violência contra elas. Meninas não precisam desses filmes para ter a liberdade de escolher ser gentis ou delicadas ou determinadas.

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