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O Clube dos Jardineiros de Fumaça: como é viver perto das esmeraldas verdes

Você já ouviu falar do Triângulo Esmeralda? Até dias atrás, eu não tinha nenhum conhecimento sobre. Localizado no norte da Califórnia, o Triângulo Esmeralda é conhecido por ser a região onde se produz a maior parte da maconha dos Estados Unidos. É nesse ambiente costeiro que se desenrola O Clube dos Jardineiros de Fumaça, quarto livro da escritora gaúcha Carol Bensimon.

A autora, conhecida também pelos romances Todos Nós Adorávamos Caubóis e Pó de Parede, viveu, por oito meses, uma verdadeira imersão no condado do Mendocino e seus arredores. Lá, Carol conheceu um pouco mais sobre o dia a dia do Emerald Triangle (no original), sobre as plantações e também seus moradores, muitos deles ex-hippies que viveram o auge da contracultura dos anos 60. Aprendeu sobre o clima de ilegalidade da região, da violência velada, e também das pessoas que buscam entre as coníferas uma espécie de ideal. O resultado foi um livro que mistura realidade e ficção e que levou, no ano de 2018, o prêmio Jabuti de Melhor Romance para casa.

O Clube dos Jardineiros de Fumaça conta a história de Arthur, um professor de história que leciona em algum colégio particular de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A vida de Arthur sofre uma reviravolta quando ele é demitido do seu emprego. A demissão vem em decorrência de um escândalo envolvendo uma pequena plantação de maconha que mantinha em casa. A plantação, por sua vez, é por uma causa nobre: a mãe de Arthur sofre de câncer de útero em fase avançada, e as propriedades da maconha aliviam os efeitos indesejados do tratamento. O escândalo poderia ter sido pior caso o pai de Arthur, um médico oftalmologista que acaba perdendo uma boa parte de seus pacientes, não tivesse levado a “culpa” pelo crime. Após a demissão e, também, após o falecimento da mãe, Arthur decide partir pros Estados Unidos viver uma aventura — o pai acha que ele está fazendo um doutorado em Berkeley, quando na verdade o filho está buscando trabalho nas grandes plantações.

O Clube dos Jardineiros de Fumaça
Foto: Fabrício Sviroski

É justamente no condado de Mendocino que boa parte do romance toma forma. Arthur conhece Tamara, uma mulher de quarenta e dois anos que vive uma nova vida após o término de um relacionamento poliamoroso. Tamara é filha de Dusk, um ex-fundador de uma comunidade hippie nas décadas passadas. Sylvia é a indicação que Tamara dá a Arthur quando ele busca um local legal por preço justo para alugar — Sylvia abandonou a antiga vida de professora para ir morar num lugar calmo, e aluga um dos quartos de sua casa para ganhar uma grana extra. Noah é quem introduz Arthur ao mundo dos trimmers, um trabalho temporário que acontece nos locais de cultivo da maconha. Entre mudanças um tanto quanto confusas de perspectivas, conhecemos um pouco mais sobre a história dos personagens. Tamara e Sylvia, as mulheres da trama, são mais interessantes que o protagonista. A primeira deixa a antiga cidade de Bisbee, bem como um relacionamento poliamoroso com Will e Sarah, e parte em busca de conhecer e, quem sabe, construir uma relação com o até então desconhecido pai, Dusk. Já Sylvia, mais velha, mãe de dois homens bem crescidos, está em Mendocino para deixar a antiga vida, com o ex-marido violento, para trás. Em certo ponto da história, Arthur e Tamara se envolvem sexualmente e, depois, romanticamente, de uma maneira que já se faz óbvia desde o início do romance.

Num aspecto geral, o livro balança o real e o fictício de uma forma equilibrada. O trabalho de pesquisa e ambientação é muito minucioso e bem feito. Cumpre um bom papel em contextualizar a descriminalização da maconha na região da Califórnia que, antes, liberada para tratamentos medicinais e, desde 2016, liberada para o consumo recreacional. Lança, de certa maneira, uma ótica, embora não aprofundada, sobre a utilidade das guerras às drogas e, mais especificamente, à criminalização da maconha no Brasil. Aqui, usar maconha de forma individual não é considerado crime, mas é uma contravenção penal: ou seja, as penas são mais brandas, que não geram a prisão típica. O tráfico, contudo, é crime, podendo acarretar de 5 a 15 anos de reclusão, além de multa. As nuances de cinza, no entanto, recaem justamente aí: não há como saber quanta maconha, plantada ou não, é o suficiente para ser configurada como tráfico, tampouco como uso pessoal. Então, a decisão, quando necessária, muitas vezes acaba por recair nas mãos do judiciário. E, como alguém que trabalha na área, cada cabeça (de juiz) é uma sentença. Junto a isso, utilizar maconha que não individualmente plantada significa que, muito provável, adquirir a erva decorre de um ato ilícito. Ou seja, entre a e b, fica muito difícil dizer com propriedade o que é consumo próprio e o que é utilizado para tráfico; o que é crime e o que não é.

“O advogado — um paciente antigo do seu pai — chegara quase ao mesmo tempo que o carro com cheiro de suor da Polícia Civil que os transportava no banco de trás. Depois de algumas horas, ficou claro que os dois não iriam passar a noite nos escombros vivos do Presídio Central. Eles eram privilegiados demais para isso. O processo ia levar anos para ser julgado. Os réus, enquanto isso, ficariam em liberdade.” (pag. 204)

O Clube dos Jardineiros de Fumaça
Foto: Sarah Rice

No entanto, apesar da ótima ambientação e do extenso trabalho contextual, o romance possui pontos fracos. Não há personagem no livro pelo qual o leitor consiga se conectar. Com mais da metade do romance lido, tive a sensação de que nada realmente havia acontecido. Os diálogos soam mecânicos, assim como um evoluir de forma nada orgânica.

Como alguém que cresceu no Rio Grande do Sul e conhece uma boa parte da capital gaúcha, só me resta afirmar que Arthur, nosso protagonista, nada mais é do que um homem que cresceu entre mimos e mordomias, teve acesso ao melhor do mundo dos privilégios — e ele até reconhece isso, em certo momento — e não vai, realmente, sofrer as consequências que uma outra parcela da população, bem menos privilegiada, geralmente sofre nas mesmas circunstâncias. Morador da Zona Sul de Porto Alegre, uma região tranquila da capital, próximo à orla do Guaíba, é só com uma estrutura financeira confortável que alguém parte para outro país em busca de algo que não sabe o que nem como é e, muito menos, se vai conseguir — ainda mais levando em conta que a mentira do doutorado em Berkeley se sustenta por um bom tempo.

“Eles se conheciam desde a adolescência. Tinham em comum a instrospecção, as bandas de rock alternativo e certa tendência a não cumprir com as expectativas sociais.” (pag. 157)

Ademais, as grandes questões da vida do protagonista pouco empolgam. O cultivo da maconha em razão do câncer da mãe parece uma saída previsível da trama para justificar a pequena plantação. O passado do personagem envolve cabelo comprido, introspecção, um apelo para a vida do rock. Um exato clichê de muitos guris criados na terra do bah e do tchê, que tentam um pouco demais serem mais transgressores e inconformados do que realmente o são. No meio do turbilhão do momento, após a polícia chegar daquele jeito dentro da casa de Arthur e do pai, o professor e protagonista acha de bom tom processar a situação transando com uma aluna menor de idade. Os dois, Arthur e Elisa, pareciam manter uma relação próxima e, de diversas maneiras, bem problemática.

“Um dia Elisa ia se dar conta do que ele vinha fazendo por ela. Ninguém o obrigava a atender os telefonemas frequentes no meio da noite só porque ela ‘tinha que conversar um pouco’, o que muitas vezes queria dizer que ela estava entediada e sem sono, folheando um exemplar do DSM em busca de nomes de doenças mentais com as quais pudesse se etiquetar. […] Mas agora, porra, era ele quem tinha um problema. Não estava listado nas páginas do DSM e ao menos não envolvia nenhuma cicatriz em formato de L (‘homenagem’ a um cara de quem Elisa levara um fora), nenhum comportamento sexual de risco, nenhuma explosão de humor, não envolvia catá-lo do piso carcomido de cupim de um sobrado sem alvará na avenida Independência às quatro da manhã.” (pag. 203)

Gosto de acreditar que o clichê que é Arthur é algo intencional. Mas não posso deixar de pensar que, caso fosse Tamara (ou até mesmo Sylvia) a grande protagonista do livro, a experiência de leitura seria muito mais prazerosa e interessante. Ainda assim, O Clube dos Jardineiros de Fumaça vale como uma experiência que merece atenção, em especial pela costura que faz entre a vida de verdade, daqui de fora, e a vida dos personagens. O livro é ambicioso, a escrita da autora é ótima. Apesar da leitura fluir melhor do que eu esperava, infelizmente, não fui cativada da forma que gostaria. Quem sabe, tu sejas.

O Clube dos Jardineiros de Fumaça

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora Companhia das Letras.


** A arte do topo do texto é de autoria da nossa colaboradora Carol Nazatto. Para conhecer melhor seu trabalho, clique aqui!

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