Categorias: LITERATURA

Se Esse Rosto Fosse Meu: a realidade das mulheres sul-coreanas

Você conhece a Coreia do Sul para além dos k-dramas e do k-pop? É fácil se perder nos enredos belamente trabalhados, no romance dos protagonistas, nos idols que nos encantam com suas vozes e coreografias, mas nada disso mostra o que há por trás de todo o sucesso. Ainda que o país tenha reinventado sua cultura ao passar dos anos, transformando-se em uma potência mundial de séries de TV, filmes e música, além de um dos países mais influentes da Ásia, a realidade é que a Coreia do Sul é um país com uma cultura extremamente conservadora, patriarcal e sexista, o que aparece em todas as páginas de Se Esse Rosto Fosse Meu, primeiro romance de Frances Cha.

“É fácil se lançar quando não há escolha.”

Lançado no Brasil pela Darkside Books com tradução de Aline Naomi, no livro acompanhamos as histórias de quatro mulheres sul-coreanas, suas rotinas, sonhos, desejos e medos em uma sociedade que não as trata com delicadeza. A narrativa de Frances Cha nos mostra as pressões estéticas e sociais sofridas por cada uma de suas personagens e o que essas questões fazem com elas ao decorrer das páginas. Se Esse Rosto Fosse Meu intercala os pontos de vistas dessas quatro mulheres que vivem em um mesmo edifício em Seul: Kyuri trabalha como acompanhante em um bar e fez inúmeras cirurgias para chegar ao padrão de beleza desejado por seus clientes; Miho é uma artista talentosa que cresceu em um orfanato e está em um relacionamento com um homem muito rico, mas o namoro é repleto de estranhezas; Ara é uma cabeleireira obcecada por um integrante de um grupo de k-pop e ajuda sua amiga a se restabelecer após uma cirurgia em busca do rosto perfeito; e Wonna, uma jovem recém-casada com um passado turbulento que está tentando engravidar em um momento em que a economia do país (e do mundo) a faz se questionar se essa é, de fato, uma boa decisão.

Kyuri, Miho, Ara e Wonna passam por relacionamentos tóxicos, encontram homens perigosos em seu caminho e tentam curar as feridas que carregam de uma vida inteira lidando com traumas diversos. Tudo o que elas têm, de maneira geral, é uma a outra em uma sociedade moldada para fazê-las quebrar. Por meio de sua narrativa arrebatadora, Frances Cha mostra com crueza como o capitalismo e a sociedade patriarcal são capazes de subjugar as mulheres, não somente na Coreia do Sul, fazendo-as se curvar a uma série de procedimentos estéticos para se encaixar, além de ter pouco, ou nenhum, poder econômico, colocando-as nas mãos de homens que se acham no direito de fazer a elas o que bem desejar. A escrita de Frances Cha é certeira e ao mesmo tempo que nos prende em suas palavras, nos fazendo torcer por desfechos favoráveis para as histórias de suas protagonistas, nos faz refletir a respeito do tempo em que vivemos, dando voz a mulheres que fazem parte de uma sociedade patriarcal e precisam lidar com as pressões e expectativas impostas a elas, e até onde estão dispostas a ir para se encaixar.

Frances Cha faz um excelente trabalho ao balancear os traumas vividos por suas personagens e a resiliência de cada uma delas em um mundo em que as oprime de diferentes maneiras, diariamente. Os comentários a respeito de seus corpos, seu valor enquanto mulheres em uma sociedade sexista, o ódio que passam a sentir por elas mesmas  — e por outras mulheres —, está presente em Se Esse Rosto Fosse Meu, mas a autora também mostra as formas como cada uma delas luta, a sua maneira, contra todos os aspectos negativos dessa sociedade, principalmente aliando-se umas às outras. Alguns dos meus momentos favoritos do livros são, sem dúvidas, aqueles onde Kyuri deixa sua fachada durona de lado para ajudar as outras, ou quando Miho, com seu ar de inocência, faz algum comentário fora de lugar, deixando Ara e Kyuri ao mesmo tempo pasmas e deliciadas. Quando todas elas se juntam à Wonna, acalentando e oferecendo conforto, é impossível não entender o quanto de força há em mulheres ajudando mulheres.

Kyuri, Miho, Ara e Wonna sofrem, choram, lutam e dão risada na companhia umas das outras, e não há conforto melhor do que fazer isso na segurança dos abraços de suas amigas. Ainda que durante o livro existam os conflitos dos relacionamentos delas com outros homens, no final do dia são elas por elas, e nada mais. Homens com poder vão deixá-las à deriva, contando com a própria sorte, enquanto as amigas estão lá, prontas para juntar e colar os cacos que eles deixaram para trás. Se Esse Rosto Fosse Meu deixa de lado as lentes coloridas e olha para uma Coreia do Sul repleta de dores e dissabores, mostrando os sexismo e conservadorismo que reside por baixo da camada de verniz brilhante de sua cultura pop. Se Esse Rosto Fosse Meu pega uma fatia das vidas de suas personagens para mostrar quatro mulheres navegando pelas turbulências de suas rotinas, mostrando um pouco de seu passado, mas também olhando para um futuro que pode ser muito melhor a contar com os laços e o porto-seguro da amizade.

“Por um momento fugaz, (…) entendo como seria pensar apenas no futuro, em vez de no momento presente.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora DarkSide Books.


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