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folklore: the long pond studio sessions

“Se vamos precisar calibrar tudo de novo, nós devemos começar com aquilo que mais amamos.” Essa é uma das frases que dá início a folklore: the long pond studio sessions, uma produção que documenta não apenas um pouco do processo de gravação do folklore, último disco de Taylor Swift, mas também uma conversa honesta entre ela, Aaron Dressner e Jack Antonoff, os outros dois compositores e produtores responsáveis por fazer o disco acontecer.

Lançado oficialmente no dia 25 de novembro de 2020 pelo Disney+, já nos primeiros segundos da produção sabemos exatamente qual será o tom dessa conversa e o que esperar enquanto o título do disco aparece no clássico preto e branco que tem marcado toda a comunicação dessa era, transicionando para o título do documentário aparecendo no fundo já colorido.

Tudo começa com um vídeo de Taylor gravado no dia 21 de maio de 2020, onde ela conta que começou a produzir um disco meio que “por acidente”, que as músicas foram saindo e acontecendo. O resultado a gente já sabe que foi do nível de todos os excelentes trabalhos que ela já colocou no mundo, mas é interessante ver a insegurança que precedeu a tomada da decisão de gravar em casa.

Interessante porque talvez essa seja a palavra que define o ano de 2020, um ano tão atípico: insegurança. E porque um disco feito de tantas histórias com as quais a gente pode se identificar não poderia ter começado de um jeito que também não gerasse a mesma identificação. Tem coisa mais a cara do ano que todos vivemos que precisar montar uma estação de trabalho absolutamente improvisada no seu quarto porque você precisa trabalhar, e não pode nem deixar a porta fechada porque se não os gatos vão ficar chorando querendo entrar?

Filmado em setembro de 2020, a primeira vez em que a Taylor, o Aaron e o Jack conseguiram sentar na mesma sala com segurança para falar sobre as músicas e tocar juntos, the long pond studio sessions não pode ser descrito com outra palavra além de confortável.

Pessoalmente, eu não diria que o documentário se propõe a ser um passo a passo de todo os processos — e nem poderia, já que ele definitivamente não é. O que the long pond studio sessions nos entrega é justamente o que a transição de tela do preto e branco para o colorido nos diz, e que é confirmado pela própria Taylor quando ela conta, ainda no começo do documentário, que precisa tocar todas as músicas do disco com os dois para que ele pareça real.

É muito fácil se perder no que é e no que não é realidade quando a gente não vê aquilo acontecer até de fato tomar forma e parecer uma coisa palpável, e essa é mais uma das coisas que faz com que o folklore seja tão especial para quem o fez e para quem o ouve. É o que o documentário se propõe a mostrar, e faz muito bem.

“Uma das razões pelas quais isso [esse disco] fala tanto comigo é porque quando todo o sistema em que a gente vive se desmantela em uma pandemia, você tem duas opções: ou você se agarra nisso com tudo que você tem e tenta fazer dar certo, ou você pensa ‘bom, então acho que eu vou começar um novo caminho’.” — Jack Antonoff

Assistir à performance dessas músicas de modo tão intimista e com uma conversa tão confortável e sincera dos três entre as canções, com certeza faz com o que folklore soe diferente pra muita gente, e não apenas por saber no que eles estavam pensando enquanto produziam as músicas, mas por ver o quão divertido é quando eles estão juntos e focados em fazer com que aquele seja o melhor take e o que deixa o sentimento da música mais evidente.

Quase como ler uma biografia — embora o folklore não seja exatamente um disco autobiográfico —, assistir as músicas sendo tocadas como foram no documentário faz com que seja quase impossível dizer o que ficou “bom” ou o que ficou “ruim”, mas com certeza é possível pontuar alguns destaques. “the 1” ainda abre muito bem tanto o disco quanto o documentário, e a reflexão de Aaron e Taylor sobre a frase “tenho dito ‘sim’ ao invés de ‘não'” conversa diretamente com a fala de Jack sobre novos caminhos. “the last great american dynasty” é outra que chama a atenção e mostra o quanto Taylor ainda está ligada no jeito country de contar histórias e que isso, na verdade, sempre foi parte dela.

“mirrorball” e “this is me trying” são outros destaques que geram conversas super intensas entre Taylor e Jack, e dessa vez pro lado mais “pandêmico” do disco, especialmente a primeira, que tem a frase que mais faz referência a época que estamos vivendo, apesar de muito sutil:

“E eles cancelaram o circo
Colocaram fogo na discoteca
Mandaram os cavalos pra casa
E os palhaços
Eu ainda estou na corda-bamba
Ainda estou tentando de tudo pra te fazer rir.”

Músicas que já eram especiais e poderosas — as já citadas e outras como “my tears ricochet” — ficam ainda mais fascinantes quando ouvimos a corrente de pensamentos que levou a cada letra, arranjo e discussão.

Taylor também nos dá insights do processo de composição e ideias da trilogia “cardigan”, “august” e “betty”, e conta um pouco mais sobre como foi trabalhar nessa última e em “exile” com William Bowery, que, agora já sabemos, é um pseudônimo para Joe Alwyn, seu namorado. O documentário também conta com uma participação (à distância, claro) de Justin Vernon, do Bon Iver, e como foi chamá-lo pra participar do disco.

“epiphany” também traz a sutileza de criar uma música que fosse um reflexo de estar em uma pandemia e ao mesmo tempo, não. Em uma conversa com Aaron sobre a composição, Taylor conta que, por mais que a inspiração tenha vindo das terríveis histórias “não-contadas” de seu avô na Segunda Guerra Mundial, acabou sendo uma metáfora muito poderosa para a intensidade pavorosa em que os profissionais da saúde vivem nesse momento. É bom lembrar que o Estados Unidos é o país que lidera em casos e mortes pelo novo coronavírus.

No final das contas, the long pond studio sessions fala de processos, fala de inspiração, mas mais do que isso, torna as músicas ainda mais reais — para Taylor, para Jack, para Aaron e para quem está assistindo. A dinâmica entre os três não tem como não te deixar com um sorriso no rosto e com um quentinho no coração. Para usar as palavras da própria Taylor, enquanto o resto do mundo (ainda) está preto e branco, os três nos deram, com esse documentário, uma perspectiva que pode ser colorida, se a gente contar a história do jeito certo.

folklore: the long pond studio sessions está disponível na Disney+ e a gravação também está nas plataformas musicais.


** A arte em destaque é de autoria da colaboradora Duds Saldanha. Para ver mais, clique aqui!