Categorias: TV

This Is Us, quarta temporada: entre o estranho e o familiar

“Strangers” é o nome do primeiro episódio da quarta temporada de This Is Us — e logo no começo fica claro o porquê. Abandonando um pouco o núcleo principal da família dos Pearson, o roteiro foca em três figuras aparentemente desconhecidas do público: Cassidy (Jennifer Morrison), Malik (Asante Blackk) e Jack (Blake Stadnik), enquanto eles seguem a rotina normal de suas vidas. Cassidy é uma ex-militar que tem que lidar com traumas após voltar da sua última excursão, e tenta resgatar a confiança do seu marido e filho; Malik é pai solteiro e adolescente, que conta com a ajuda dos pais na hora de criar sua filha; e Jack, por sua vez, é um músico de sucesso cego, sendo que a história de amor entre ele e sua mulher abrange a maior parte da narrativa. Começar um novo ano de uma séries mais famosas dos últimos tempos dessa forma foi um risco, com certeza. O objetivo era resgatar um pouco da magia apresentada no piloto tantos anos atrás, onde as peças e a conexão entre os personagens apresentados na primeira hora vão se encaixando de forma gradual. É apenas no final do capítulo que fica claro que eles conseguiram alcançar o objetivo proposto outra vez, conectando todas essas histórias com uma delicadeza que é digna e marca registrada da produção.

Atenção: este texto contém spoilers!

De certa forma, chamar o primeiro episódio de “Estranhos” (em tradução literal), também foi uma forma de preparar o público para o que, afinal, seria uma das narrativas principais da quarta temporada de This Is Us. Se nas temporadas anteriores grande parte das histórias eram focadas na morte de Jack (Milo Ventimiglia) e como ela afetou os Pearson, sempre usando os flashbacks para oferecer uma visão mais aprofundada sobre o luto da família, o contraponto literal acontece dessa vez. Usando o recurso do flashforward, o público entende que Rebecca (Mandy Moore) está com uma doença terminal, em um futuro não muito distante. Mas, assim como tudo na série, os acontecimentos vão se unindo aos poucos — tudo para aumentar a carga dramática e manter a essência água com açúcar da série. É exatamente esse aspecto que faz de This Is Us de um conforto absoluto para os tempos confusos e caóticos que estamos vivendo, apesar de apresentar temas complicados, já que todos são abordados com imensa leveza. Mais do que falar sobre o amor como legado, This Is Us mistura o familiar e o estranho como forma de dar continuidade a sua narrativa. E, apesar de alguns erros pontuais, a trama ainda funciona muito bem.

A história de Cassidy é interligada com a de Kevin (Justin Hartley) e de Nicky (Griffin Dune), que frequentam reuniões diferentes para lidar com seus problemas. No caso de Kevin, o alcoolismo. No de Nicky e Cassidy, para tentar superar o trauma da época em que eles serviram o exército. Passando por uma fase complicada da vida, os três começam a se apoiar mutuamente, compartilhando experiências e cuidados.

É interessante ver o desenvolvimento de Kevin durante a série. Antes considerado o irmão irresponsável e menos presente entre o big three, é impressionante ver como ele cresceu e começou assumir as consequências dos seus atos. Isso acaba refletindo na forma como ele lida com a mãe, com os irmãos e até mesmo com sua high school sweetheart, Sophie (Alexandra Breckenridge). Grande parte da sua trajetória neste ano é sobre juntar os pedaços e seguir em frente, um passo de cada vez, sendo que, no final, seu maior desejo é encontrar um amor, estabilidade e construir uma família — já que grande parte da sua influências românticas vem de exemplos irrealistas como Jack e Rebecca, ou Randall e Beth (Susan Kelechi Watson).

This Is Us

No centro dessa narrativa não estão apenas Cassidy (com quem ele desenvolve um pequeno caso) ou Sophie, com quem ele precisa dar um ponto final na relação após tantos anos, mas também Madison (Caitlin Thompson), melhor amiga de Kate. Em um momento de solidão e desespero os dois acabam indo para a cama juntos só para mais tarde descobrirem que ela está grávida… de gêmeos. A ironia se encontra no fato de que Kevin, procurando um amor intenso e parecido com o dois pais, não necessariamente encontrou isso na forma mais tradicional possível: se apaixonar, morar junto, casar e só depois ter um filho. Em um dos flashforwards da temporada, o roteiro deixa claro que ele está casado, mas ninguém ainda sabe com qual das três exatamente. Mesmo assim, sua jornada de autodescoberta foi uma das coisas mais interessantes do personagem até então — que antes vivia apagado, ora por Kate, ora por Randall. Assim como sua aceitação de que, talvez, um grande e poderoso amor não seja para ele. “O amor da minha vida vão ser os meus filhos”, ele diz.

Um relacionamento complicado, que surge de adversidades e eventualmente se torna algo mais parece bater diretamente com a época que estamos vivendo hoje, onde romances não tão perfeitos são explorados em diversas séries de TV. Até então, This Is Us tomou o caminho oposto, mas talvez seja a hora de explorar estradas diferente do que seu público espera e está acostumado a ver. E ninguém melhor do que Kevin para começar a fazer isso.

A conexão entre Kevin e Nicky também é um ponto forte da temporada. Resgatando essa relação entre o tio e sua família, Kevin arranja mais um jeito de deixar a memória de Jack fresca entre os Pearson. Seja nos flashbacks ou em  uma conversa que eles têm sobre Jack, é maravilhoso ver como aquele homem mudou a vida de absolutamente todas as pessoas ao seu redor e como ele ainda molda todas aqueles que conviveram com ele, ou mesmo aquelas que vieram depois (como seus netos, que ele nunca chegou a conhecer). This Is Us deixa claro: esse é o legado mais importante que uma pessoa pode deixar no universo.

Outra parte importante de “Strangers” é Malik, que tem sua trajetória ligada com a de Deja (Lyric Ross), filha mais velha e adotiva de Randall. Ao contrário do próprio Randall, que chegou na vida de Rebecca e Jack horas após nascer, Deja já era uma adolescente formada quando foi adotada pelos Pearson — o que, de certa forma, faz com que sua trajetória seja ainda mais interessante. No contexto de tentar entender quem ela é agora e como seguir em frente com os Pearson, Deja conhece Malik, com quem desenvolve um romance adolescente e doce, que tem um papel fundamental na vida dos dois.

Enquanto Deja ajuda Malik a encontrar graça na vida outra vez em algo além de responsabilidades com sua filha, ele faz com que ela entenda sua vida familiar com os Pearson, sem esquecer da sua mãe biológica. Abandonada pela mãe, ela tem certa dificuldade em se deixar envolver em um relacionamento amoroso, com medo de passar e repetir os mesmos padrões anteriores. Mas adolescente ou não, o menino se mostra realmente maduro na hora de ajudá-la e passar segurança nesse aspecto.

This Is Us

Por fim, é a narrativa de Jack que encerra o episódio. Essa talvez seja a conexão mais óbvia, não só por causa do nome do personagem, Jack Damon, como também o fato de que ele é um músico cego. O personagem é filho de Kate (Chrissy Metz) e Toby (Chris Sullivan) e, durante sua vida adulta, tem uma carreira impressionante no mundo da música. Sua parte do episódio, em específico, foca em como ele conheceu sua mulher e como eles se casaram e engravidaram. Sua conexão direta com os Pearson só fica clara no final; mesmo assim, existe certa delicadeza em como eles contam a história de ambos.

No final da terceira temporada, Kate enfrenta dificuldades com a gravidez e não fica claro o que vai acontecer com ela ou com seu bebê. Ver que ele está bem e, mais do que isso, segue com uma vida tão boa quanto seus pais pudessem desejar é um alívio imenso, fazendo com que sua parte do primeiro episódio seja especialmente satisfatória e emocionante.

Randall Pearson: um homem negro, em uma família branca 

Durante seus três primeiros anos, This Is Us levantou um (pequeno) diálogo sobre a decisão de Jack e Rebecca de adotar Randall (Sterling K. Brown). As cenas incluíram até mesmo o trabalho de um juiz negro que não queria deixar que eles levassem o bebê para casa, justamente porque não tinha como dois pais brancos entenderam as necessidades de um menino negro durante a década de 1970. Além disso, algumas questões tinham sido abordadas no dia a dia da família, sendo que tanto Jack quanto Rebecca se propuseram a ir além para garantir uma vida mais completa e sem negar as origens de Randall. Durante muito tempo, a série parecia prestes a deixar o assunto por isso mesmo, em meio a tantos outros temas explorados pela narrativa. Mas não foi isso que aconteceu.

A quarta temporada foi importante para Randall em vários aspectos. Nela, ele tem a oportunidade de explorar mais as causas da sua ansiedade, tentando entender sua origem e procurando encontrar uma forma de melhorar com uma boa dose de terapia (sua psicóloga, inclusive, é vivida pela maravilhosa Pamela Adlon, criadora de Better Things). Esse também foi seu primeiro ano como conselheiro da cidade na Filadélfia, sendo que sua trajetória na política ganha um espaço considerável na trama, que sempre está diretamente interligada ao seu pai biológico, William (Ron Cephas Jones). Mesmo assim, o que mais chama a atenção é a maneira como o roteiro abordou, mais uma vez, o fato de que Randall ser um homem negro em uma família branca.

Para se aprofundar melhor a questão, This Is Us retorna à infância de Randall, quando ele ainda estudava em um colégio diferente dos irmãos. Na nova escola (particular, com estudantes predominantemente brancos), ele conhece um professor negro que começa a incentivá-lo a ler poemas, livros, que consuma obras de artistas negros. Ao entender um pouco mais sobre suas origens e cultura, Randall começa a questionar a forma como seus pais o veem, causando um atrito na família — principalmente com Jack, que começa a assumir uma postura defensiva diante da postura do professor. O ápice da narrativa ocorre quando Jack diz a Randall que, quando olha para ele, não vê cor, apenas o seu filho, ao que Randall responde que ele, então, não o vê, não completamente.

O fato de que Randall aos poucos cria consciência sobre sua história e sobre figuras históricas e marcantes que vieram antes dele é de extrema importância, assim como o fato de Jack aprender a ver a cor do filho e estudar suas necessidades como homem negro, que são tão particulares. Seria muito fácil criar uma narrativa que empurra todas essas questões para debaixo do tapete, que a explorasse sem grande profundidade ou que criasse uma história repleta da síndrome do white savior. This Is Us, no entanto, escolhe o caminho mais complexo, mas também o mais importante e essencial, reforçando a ligação de Jack e Randall, pai e filho — como Jack, que sempre esteve disposto a fazer o que fosse necessário para manter sua família unida.

Depois do incêndio 

Um dos episódios mais importantes da quarta temporada também é protagonizado por Randall, que imagina uma realidade alternativa em que Jack sobrevive ao incêndio que derrubou a casa dos Pearson e matou o patriarca. “After the Fire” acontece todo dentro da sua sala de terapia, onde ele tenta entender as consequências da doença de Rebecca. Ele monta dois cenários na sua cabeça: um onde seu pai sobreviveu e tudo se encaixa perfeitamente na sua vida — ele ainda conhece Beth e William, mantém uma boa relação com a família, sua mãe ainda acaba com Alzheimer, mas obtém um tratamento; no outro, seu pai sobrevive, mas não consegue lidar com o alcoolismo, ele não conhece Beth, William não quer saber dele, e Rebecca ainda acaba doente. Todos esses casos são criados para que ele entenda o que está acontecendo com a mãe, e como ele pode lidar com isso. Aceitar que ela não quer um tratamento, ou forçá-la na direção oposta.

O que acontece depois é fundamental para os últimos episódios da temporada, quando Kevin e Randall têm um desentendimento que vinha sendo construído há anos, e que provavelmente vai afetar muito do que irá acontecer em seus respectivos futuros. Durante a briga, ambos dizem coisas realmente terríveis um para o outro, ao ponto de voltar atrás ser algo muito complicado, muito dolorido. Se o quarto ano de This Is Us se debruça sobre a divisão entre o familiar e o desconhecido, o próximo parece indicar uma trama sobre começos, recomeços e nascimentos. E nada mais justo do que começar pelos dois irmãos Pearson, tão diferentes entre si — algo que a jornada de Rebecca, à sua própria maneira, também parece sugerir.

Se Milo Ventimiglia foi o destaque das três primeiras temporadas da série com sua interpretação honesta de Jack Pearson, agora fica claro que a maior parte da sua jornada já foi contada. Assim, os episódios da nova temporada são principalmente uma carta de amor a Rebecca. Mandy Moore vive todas as fases da matriarca Pearson de maneira impecável, sendo que assisti-la dar vida a uma senhora com Alzheimer é tão crível quanto o fato de parecer ser realmente mãe dos três adultos que interpretam seus filhos (e que, muito provavelmente, têm idades próximas à sua). Ao descobrir que está doente, com, muito provavelmente, apenas alguns poucos anos de vida, Rebecca escolhe renascer e começa a encarar a vida de maneira diferente. Ela olha para os netos, para os filhos, para sua história com Jack e para a vida com Miguel (Jon Huertas) quase como se quisesse gravar cada momento e aproveitá-los. Sua ligação com a música e a forma como passa a enxergar sua existência no mundo são exploradas com uma delicadeza ímpar pelo roteiro da série, embora restem partes de sua história que possivelmente ainda serão destrinchadas pela narrativa.

This Is Us conclui o seu quarto ano com um episódio chamado “Strangers: Part II”, onde algumas outras figuras desconhecidas são adicionadas a árvore genealógica dos Pearson — que continua aumentando. Dessa vez, Adelaide Kane é apresentada como sendo a irmã adotiva mais nova de Jack, Hailey (reforçando o excelente histórico de adoção existente na família) — uma jogada do criador da série, Dan Fogelman, que faz total sentido; especialmente quando o amor entre irmãos é algo tão explorado pela narrativa em si. Também conhecemos o obstetra interpretado por Josh Hamilton, que terá um papel importante na gravidez de Madison. Ao introduzir esses personagens, a série abre mais uma vez seu leque de possibilidades, ao mesmo tempo em que parece se encaminhar cada vez mais para o fim (a sexta temporada foi anunciada como a responsável por encerrar definitivamente a trama dos Pearson).

No quinto ano, algumas perguntas provavelmente serão respondidas. Onde estão Miguel e Kate no futuro? Quem é a esposa de Kevin? O que Nicky está fazendo ao lado de Rebecca quando ela está morrendo? Apesar desses questionamentos e a necessidade de construir uma linha genealógica dos Pearson ocupe a maior parte da narrativa, o principal em This Is Us sempre foi mostrar as ligações que construímos ao longo da vida e como as conexões que estabelecemos são o legado mais importante que deixamos neste mundo.

3 comentários

Fechado para novos comentários.