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Querido Steve Harrington: a evolução do personagem em Stranger Things

Assim como Max Mayfield (Sadie Sink), também decidi escrever uma carta para Steve Harrington. Diferente de Max, que escreveu uma carta de despedida, a ideia aqui é falar sobre o desenvolvimento desse personagem de Stranger Things, interpretado por Joe Keery — personagem que deixou de ser odiado por muitos na primeira temporada, para ser amado por todos a partir da segunda. Particularmente, gosto desses personagens que começam as séries, filmes ou livros, meio babacas, possivelmente com daddy issues, e mais para frente ganham arco de redenção e, por isso, sempre amei Steve. E só mesmo a ficção para nos entregar personagens masculinos que reconhecem suas falhas e aprendem com elas. Porque, sim, Steve Harrington errou bastante na primeira temporada, mas, correndo o risco de soar clichê, errou tentando acertar.

Atenção: este texto contém spoilers!

Acredito que, assim como Stranger Things é uma série que usa influências de produtos culturais dos anos 1980, seus personagens também estão dentro de tropos e clichês presentes nessas obras. Steve não foge dessa regra: ele é o típico atleta popular, que chama a atenção de todos, e por influência da rodinha de amigos é um babaca com pessoas “inferiores”, os losers tão representados na cultura pop dos anos 1980. E em uma análise mais pessoal do personagem, acredito que ele seja sozinho. Sim, o filho de pais ricos que não tem atenção nenhuma da família e, provavelmente, tem problemas com o pai. Então ele busca a atenção em outros lugares, como é o caso da escola de Hawkins, onde ele era o “King Steve”. E, então, ele se apaixona, e o arco amoroso é muito importante para Steve. O personagem, por ser interpretado por Joe Keery, um homem que nasceu para fazer comédias românticas (por favor, assistam Free Guy), tem aquele arco que muitas vezes é dado para personagens femininas: aquela que está em busca de sua cara metade. E apesar de ser um “galinha”, ele se apaixona por Nancy Wheeler (Nathalie Dyer), a típica mocinha (inicialmente) dos anos 1980, muito estudiosa, intocada, um mistério para Steve, que consegue todas as garotas. Ele realmente se apaixona por ela, e quer mais do que conseguir a levar para a cama.

Acontece que Nancy não é o que parece ser, mas mesmo a personagem só se descobre aos poucos. Nancy começa a se aproximar de Jonathan Byers (Charlie Heaton), o exemplo de loser sem amigos e bem diferente dos atletas populares da escola. Steve comete alguns erros a nível de bullying na primeira temporada, fala algumas coisas bem maldosas a respeito da família do Jonathan e acaba quebrando a máquina fotográfica do garoto. É importante reconhecer todas as babaquices cometidas por Steve para, na sequência, conseguirmos enxergar o quanto ele mudou e amadureceu, provando ser um bom homem e, claro, um bom namorado para seja lá quem for seu par no futuro.

Consumido pela culpa, Steve começa a rever com quem anda, seus atos e reflete a respeito de tudo em sua vida. Assim, ele vai atrás de Jonathan para pedir desculpas e se acertarem, mas acaba envolvido na armadilha para pegar o demogorgon. E foi nesse momento em que tudo mudou completamente para Steve, porque ele poderia pedir desculpas outro dia, quando — ou se —, Nancy e Jonathan tivessem lidado com a situação de vida ou morte em que estavam. Os dois exigem que ele vá embora, e assim ele o faz. Entretanto, ao chegar no carro, ele pensa duas vezes, e volta para onde tudo está um caos. Os Duffer Brothers (roteiristas responsáveis pela série) disseram recentemente, que os planos iniciais eram que Steve morresse na primeira temporada, e naquela cena não seria ele, e sim o odiável pai de Jonathan — ainda bem que Steve viveu para continuar sua jornada e conquistar o coração do público. A cena em que Steve pega o taco para atacar o demogorgon é uma das mais memoráveis da série, que chega em seu quarto ano repleta de momentos clássicos. Mas aqui quero focar especialmente em Steve “the hair” Harrington. Ele repara os danos que causou, continua o namoro com Nancy, e compra uma câmera nova para Jonathan.

Já na segunda temporada, Nancy continua se culpando por tudo o que aconteceu quando ela estava na casa de Steve, principalmente pela morte de Barb (Shannon Purser). Já Steve, quer seguir em frente, esquecer toda a bagunça envolvendo o mundo invertido e agir como um adolescente normal, o que irrita Nancy, mas ela decide tentar. Aqui, gosto de lembrar de uma cena lá na primeira temporada onde Nancy está com o taco, treinando para pegar os demogorgons e quase ataca o Steve sem querer. Nesse dia, ele ainda não sabia de nada do que estava acontecendo, e a chama para assistir Negócio Arriscado, enquanto cantarola “Old Time Rock & Roll”. Mesmo ele ainda sendo o Steve popular/ babaca, aqui já demonstrava todo o potencial de garoto apaixonado e fofinho que ele (e o ator) tem.

Voltando para a segunda temporada, Steve e Nancy vão para a festa estúpida da Tina, para fingir por uma noite que são adolescentes estúpidos — palavras do Steve e não minhas. E nessa festa, Nancy, que já tinha acumulado muita dor e culpa por todos os acontecimentos recentes, acaba bebendo muito como uma forma de, ironicamente, fazer o que ela e Steve decidiram fazer: agir como adolescentes idiotas. Ela acaba sendo sincera demais, devido ao teor do álcool, e desabafa que é tudo estúpido, inclusive o amor deles, quebrando o coração de Steve. No outro dia, os dois conversam a respeito e ela não nega ou afirma que o ama, então ali eles terminam.

Enquanto está acontecendo uma grande confusão com o núcleo principal da série, Steve se arrepende do término e vai atrás de Nancy para pedir desculpas. Quem o encontra é Dustin (Gaten Matarazzo), e aqui o destino dos dois é selado, transformando-os em uma das melhores, e mais improváveis, duplas da série. Lembro que na segunda temporada, começaram a surgir os muitos memes a respeito de Steve ser a babá/ mãe/ pai solteiro das crianças de Hawkins. E nesse viés, outra cena muito fofa e que desperta esse lado paternal de Steve é a que mostra o personagem com um pano de prato na mão e a típica pose de mãe consternada com suas crianças aprontando.

A transformação completa de Steve está em tomar conta dessas crianças que colocam a vida em risco a todo o momento sem que os pais tenham noção do que está acontecendo. E enquanto Nancy e Jonathan estão fora, Hooper (David Harbour) e Joyce (Winona Ryde) estão lidando com os problemas de Will (Noah Schnapp) no laboratório, e os outros pais estão completamente por fora dos perigos envolvidos, Steve é o único personagem mais velho capaz de olhar por aquelas crianças imprudentes. Não que eles levem o Steve muito a sério, mas é maravilhoso ver a interação de Steve com Dustin e, mais para frente, com Max, Lucas (Caleb McLaughlin), Mike (Finn Wolfhard) e cia.

Gosto de pensar que Steve é a figura paterna que não existia na vida de Dustin, e o irmão que Max deveria ter. Aqui não iremos comentar sobre o quão podre Billy (Dacre Montgomery) foi, além de dizer o óbvio, ele era racista e um péssimo irmão para Max. De uma hora para outra, Steve se viu envolvido no drama daquelas crianças com as quais não tinha nenhuma relação, passando a cuidar e proteger cada uma delas como somente um irmão mais velho amoroso seria capaz de fazer, criando uma ligação duradoura com todos. Por essas e outras, que faz completo sentido, na quarta temporada, Steve contar para Nancy, em um momento vulnerável e em que todos estão enfrentando mais uma situação de fim do mundo, que sonha em ter seis filhos e viajar com eles em um trailer. Não entendo porque as pessoas estão reclamando do que ele fala — sim, ele queria que a mãe dos filhos dele fosse a Nancy, e não há problema algum em nutrir esse sonho pela pessoa que se ama. Ela foi seu primeiro amor, que ainda não superou, e foi devido ao término — algo apontado por ele — que pode descobrir quem de fato era.

Ainda na segunda temporada, Steve diz para Nancy que pode ser um péssimo namorado, mas que se tornou uma ótima babá. Ao meu ver, é completamente compreensível que um filho único de pais ausentes com a constante necessidade de se provar, começa a desenvolver um senso de responsabilidade quando se vê rodeado de crianças, envolvendo-se em suas aventuras e preocupando-se com seu bem estar. Como apontei no início do texto, o arco amoroso é muito importante para o desenvolvimento de Steve, e, junto com ele, vai a noção de família e zelo, ajudando-o a se tornar uma pessoa melhor.

Quando Steve conta dos “seis pacotinhos de nugget” para Nancy, e mais para frente, admite que ela estava no sonho como a mãe desses pacotinhos, ele não a está colocando no papel obrigatório de mãe dessas crianças caso eles voltem a namorar e, um dia, cheguem a se casar. Nesse momento de vulnerabilidade, Steve está simplesmente desabafando sobre o desejo de ter uma família grande e sobre ter sido um bebê que engatinhou de costas e bateu a cabeça — onde estavam seus pais nesse momento? Não havia alguém responsável por perto para impedir que isso acontecesse? Não sou à favor de um retorno entre Steve e Nancy, visto que isso seria um tipo de retorno à estaca zero para os personagens, mas defendo todo o crescimento de Steve até esse discurso. É nessa mesma fala que Steve aponta que pode até começar errando, mas aprende a fazer as coisas direito. E como diz a Doutora Taylor Swift, ele também se pergunta se teria sido diferente, caso Nancy e ele tivessem se encontrado nesse momento, dele amadurecido.

Steve não está apontando um futuro que obrigatoriamente vai acontecer. É só um desejo, fruto do que ele vem construindo com as crianças de que ele cuida desde a segunda temporada. É muito bonitinho quando ele destaca “Se eu já não tivesse a experiência, não é?” apontando para o trailer cheio de crianças — o Eddie (Joseph Quinn) incluso. E isso é um reconhecimento de como o público o vê, como nas vezes em que ele menciona que sempre fica de babá, algo que a quarta temporada referencia isso muito bem, nos presenteando com cenas bem paternais do Steve, como o momento em que ele senta no sofá com o jornal na mão, na frente dos adolescentes.

De maneira geral, as tramas românticas continuam sendo diminuídas, como se fossem algo negativo para qualquer personagem — principalmente para mulheres. No caso de Steve, algumas críticas apontaram seu discurso e o desejo de ter uma família como uma regressão do desenvolvimento do personagem, o que não faz o menor sentido. É muito bonito ver um personagem masculino sonhar com uma família e reconhecer o poder da ligação que tem com Dustin, Max, Lucas, Erica (Priah Ferguson), Mike, Will e Eleven (Millie Bobby Brown).

Max, como uma forma de garantir uma despedida para as pessoas importantes depois que se vê como alvo do Vecna (Jamie Campbell Bower), escreve cartas para os familiares e amigos — e no meio dessas pessoas, está Steve. É um gesto bonito por parte da garota, mostrando que Max pensou em Steve como alguém de quem valia a pena se despedir, e espero que futuramente possamos saber o conteúdo das cartas. As interações entre Max e Steve são as típicas de irmãos mais velhos e irmãs mais novas, visto que Max ganha todas as discussões.

Na jornada de Steve, outra pessoa foi muito importante para sua evolução: Robin (Maya Hawke). Com um heterobaiting inicial, foi possível acompanhar uma amizade sincera nascendo entre os dois e a sequência de aventuras, cenas cômicas e desabafos entre eles na terceira temporada são essenciais para a jornada de amadurecimento de Steve. Robin mostrou para Steve, que ele não precisa se envolver romanticamente com toda garota da mesma idade que se aproxima dele, e ele pôde finalmente ser quem ele era ao lado dela, cultivando uma amizade muito bonita de acompanhar.

Os dois são parceiros de trabalho, de aventuras e de trocar confidências dos desastres de vida amorosa de ambos, se entendo de uma maneira única. E ela torce por ele, assim como ele quer a felicidade dela, e a apoia. Depois de Steve pensar que estava se apaixonando por Robin, e ela desabafar que é lésbica, é muito bonito ver a transformação dele, que um ano atrás poderia facilmente a tratar mal depois disso, mas escolhe a escutar, e até zoar a menina pela qual ela tinha uma crush. Os dois criam um laço, um amor platônico e uma ligação muito bonita. Mais para frente, Steve até mesmo faz com que Robin advogue em nome dele para conseguir emprego e para Nancy. O que eu não sou muito a favor, mas tudo bem.

Toda temporada ficamos com medo de que Steve finalmente morra, e isso ainda não aconteceu, para o alívio de todo mundo que se apaixonou e se apegou ao personagem. E toda temporada também queremos que ele encontre alguém legal para ser seu par, acredito que seria ótimo e uma boa oportunidade para Joe Keery usar todo o charme de homem romântico em cenas bonitinhas. Ele já entrega tanto com os olhares apaixonados — embora não tão correspondidos — para Nancy! Pessoalmente, não gosto muito da trama “de quem vai ficar com a Nancy”, se Jonathan ou Steve, e Stranger Things tem questões muito mais interessantes do que essa para abordar.

Steve era uma pessoa sozinha e egocêntrica antes, e agia assim até como um mecanismo de defesa, sendo a forma com a qual aprendeu a viver tendo pais ausentes. Mas quando Steve encontrou pessoas que o mostraram como é pertencer a algum lugar, e ter amigos pelos quais vale a pena lutar, ele aprendeu o que é ter uma família de fato. E mesmo não tendo motivo nenhum para continuar se envolvendo nas aventuras de Dustin e companhia, Steve sempre escolheu ficar e defender aquelas crianças, partindo para a linha de frente contra o Vecna algumas vezes, mostrando o quanto se importa e pretende proteger a todos.

A jornada de Steve o levou de um atleta popular, rico e babaca, para uma ótima babá, “pai solteiro”, alívio cômico, herói e também para um cara que quer ver as pessoas de que ele gosta bem. Ele é alguém que sabe que os finais felizes não acontecem para todo mundo, mas que deseja ter um final feliz para si. Gosto quando temos um personagem masculino que tem como uma de suas tramas principais a busca pelo amor. Por enquanto não é possível saber se esse amor será de fato Nacy, ou ninguém, mas a essa altura do campeonato, isso não importa tanto assim, não diante da primorosa construção e evolução do personagem. O que sabemos, no entanto, é que Steve Harrington evoluiu desde a primeira temporada, se tornando um exemplo de personagem masculino que aprende a lidar com seus erros e que merece, sim, ter os seis filhos, o trailer e uma família grande e feliz.

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