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Penny Dreadful: um final digno para Vanessa Ives

A série Penny Dreadful já terminou há alguns meses, mas o gostinho de quero mais permanece. A terceira temporada teve apenas nove episódios, e o canal Showtime só anunciou que aquela seria a última temporada na semana antes do episódio final, que teve duas partes. A especulação é de que teria havido problemas no elenco e equipe. Outros se contentam em dizer que aquilo era o fim programado, e que a série teve seu final bem fechadinho. Mas nem todos concordam, e essa é a parcela que pretendo representar aqui: as pessoas que não gostaram do fim de Penny Dreadful e de sua protagonista, Vanessa Ives, vivida de forma magistral por Eva Green.

Ao longo de três temporadas, fizemos um verdadeiro passeio por toda a história da vida de Vanessa, uma mulher que sempre esteve fora dos padrões de sua época. Na Inglaterra vitoriana, ela só se vestia com cores escuras, não era casada apesar da idade e suas companhias habituais eram compostas majoritariamente por homens. Um verdadeiro escândalo para a sociedade. Aos poucos vamos percebendo que Ives não é diferente por opção: o demônio sempre a perseguiu, desde jovem, fazendo-a arruinar o casamento de sua melhor amiga de infância, Mina Murray(Olivia Llewellyn), filha de Sir Malcolm (Timothy Dalton), sendo possuída por ele diversas vezes, recitando o famoso verbis diablo, passando por uma deterioração física e mental, com cenas de tirar o fôlego, em demonstrações de atuação dignas de um Emmy ou Golden Globes — uma pena que nunca tenha sido indicada.

Vale lembrar que Vanessa Ives nunca esteve sozinha. Ela tem sua própria rede de segurança, composta por Sir Malcolm, Ethan (Josh Hartnett), Sembene (Danny Sapani) e, às vezes, até Victor Frankestein (Harry Treadaway). Juntos, eles se tornam uma verdadeira família. Apesar de ser protegida por homens, ela nunca se colocou no papel de donzela em perigo. Pelo contrário: muitas vezes, quando os recursos deles já estavam esgotados, era ela quem salvava a si própria e a eles, em uma demonstração de força feminina excepcional — tudo isso em uma época onde as mulheres mal eram reconhecidas na sociedade, como bem mostraram as cenas de Lily (Billie Piper) no casarão de Dorian Gray (Reeve Carney) na terceira temporada.

Vanessa Ives

Na segunda temporada, presenciamos o que houve com Vanessa após sair do sanatório: sua iniciação com uma velha bruxa que vivia em uma casa afastada no meio do nada, onde ela aprende os segredos da arte arcana, a leitura do tarô, os ciclos da natureza: Vanessa já não é mais vítima de uma força que não conhece. Ela agora é uma mulher madura, longe de ser indefesa, e começa a se munir de conhecimento para lidar com o mal que a assola. Ela se torna independente, forte, e tem domínio sobre si. É também nessa temporada que um coven de bruxas decide atacá-la, mas é claro que nossa heroína consegue se livrar das garras delas, usando a sabedoria que adquiriu ao longo de todos esses anos e contando com a ajuda de seu amante, Ethan, e de Sir Malcolm. Apesar disso, nem tudo são flores, e ela se vê abandonada pelo amor de sua vida. É como a encontramos no início na terceira temporada: totalmente desolada, sem comer, com a casa de cabeça para baixo, e totalmente sozinha.

Quem a tira do estado de desânimo total é o Sr. Lyle (Simon Russell Beale), que recomenda uma psicóloga, a Dra. Seward (Patti LuPone), para ela. As cenas entre as duas exploram o período em que Vanessa ficou em um hospício e são fortíssimas do ponto de vista psicológico, colocando a personagem Vanessa Ives em um outro patamar. O destaque maior fica por conta do episódio “A Blade of Grass”, que se passa inteiro dentro do quarto do hospício onde Vanessa passou seus dias de juventude, na presença de um dos funcionários do local: ninguém menos que Clare (Rory Kinnear), antes de sua morte prematura. O show de atuação dos dois atores, mais uma vez, merecia todos os prêmios possíveis. Tudo é perfeito e meticulosamente articulado: a estética das cenas, os diálogos, a fotografia, o posicionamento dos atores, o jogo de ilusão que mostra a revelação de Drácula (Christian Camargo).

Vanessa Ives

Quando o mal parecer ter deixado Vanessa para trás, ele retorna. A princípio, ela não desconfia de nada e se entrega totalmente ao homem que conheceu em um museu de história natural. Sua desconfiança, porém, aumenta ao longo dos episódios. A expectativa é que, apesar dos pesares, Ives irá se livrar desse monstro, afinal, durante todo o tempo, a série deu sinal de que ela agora está mais do que preparada para lidar com qualquer coisa, tendo enfrentando demônios internos e externos. 

No episódio que antecede imediatamente o two-parter finale, Vanessa descobre que o homem a quem se entregou é, de fato, o Drácula. Ele não quer que ela mude: ele a aceita incondicionalmente, do jeito que ela é. Vanessa pode escolher entre enfrentá-lo e vencer, ou se render. Mas por que ela se renderia? Ela parece ainda amar Ethan, que nessa altura do campeonato já está voltando para a Inglaterra para salvá-la. Porém, em vez de se decepcionar com a revelação, Vanessa se entrega, e deixa o vampiro morder seu pescoço.

Como ela reverteria o processo de se tornar vampira? E por que ela se deixou levar por Drácula? Na mesma semana, ficamos sabendo que a série terminaria. Com apenas mais dois episódios para concluir a saga da personagem, o medo era que as coisas não fossem resolvidas da melhor forma possível.

penny dreadful

E não foram. Os episódios finais pouco mostram Vanessa. O foco passa a ser o retorno de Ethan e Sir Malcolm, e seu enfrentamento contra o Drácula. Mas mesmo o enfrentamento é em vão, pois Vanessa já decidiu se sacrificar. Ora, mas por que ela se sacrificaria? Depois de tudo o que passou, Vanessa pode finalmente superar esse novo mal e livrar-se dele para sempre (ou até aparecer outro e ela derrotá-lo novamente). Como ela desistiria depois do que passou? De todo o sofrimento ao longo dos anos e, principalmente, da superação do mal a partir da independência e autonomia que adquiriu ao longo do tempo em que a vimos derrotar cada um dos obstáculos que se interpuseram em seu caminho? 

O final não é coerente com o resto da série, que mostra uma personagem resiliente, determinada e ousada, sempre disposta a enfrentar o que viesse em seu caminho. Entregar-se ao vampiro e se matar em seguida não parece a solução adequada para ela. O que parte do público esperava era a redenção final. O mal afastando-se para sempre dela, por meio do amor e da união dela com sua família, os homens que sempre a acompanharam, além do autoconhecimento adquirido ao longo de uma trajetória absolutamente heroica e valente.

Então não, Vanessa Ives não teve o final que merecia. Ela deveria ter enfrentado Drácula de frente, como o fez com todos os outros inimigos. E sairia vitoriosa, pois completaria um ciclo e sabe exatamente o que é necessário para vencer esse mal, dominando-o por completo. Um sacrifício representa a ruína de toda uma trajetória de lutas internas que acabaram vencendo a personagem.

Além de Vanessa, outras personagens também não tiveram exatamente o melhor final. O que dizer, por exemplo, do Dr. Jekyll (Shazad Latif), que chegou nessa temporada e nem teve a oportunidade de mostrar seu lado Mr. Hyde? A amizade dele com Victor Frankestein foi explorada de forma superficial, sendo que a maior parte do tempo eles estavam focados em transformar pessoas más em boas com seus experimentos científicos. Essa seria uma boa dica do que poderia vir a acontecer com Hyde, que na série teve origem indiana. Mas nada aconteceu, exceto por uma breve dica no final.

Outro desperdício é a personagem de Catriona Hartdegen (Perdita Weeks), praticamente uma precursora de Buffy, a Caça-Vampiros. De onde ela veio? Como aprendeu tudo o que sabe? Por que ela conhece a lenda de Drácula? Nunca saberemos.

Por fim, Clare, o monstro de Victor, também teve um final sofrido, vendo o filho morrer e jogando-o ao mar. Ele continuou sendo uma pária na sociedade, como mostra a cena que fecha a série: ele, sozinho, esperando para que todos saiam do túmulo de Vanessa para que ele possa prestar suas homenagens em paz.

O que aconteceu nos bastidores? Jamais saberemos. Fica a sensação de algo que não foi devidamente finalizado, meio que feito às pressas, apesar de ter sido dito que esse era mesmo o plano o tempo todo. Penny Dreadful deixa uma legião de fãs órfãos, que guardarão em seus corações uma série espetacular, com diálogos ousados, estética original e personagens inesquecíveis.

4 comentários

  1. Vendo Penny Dreadful em 2019, e sou da mesma opinião que vc: ficou faltando um final verdadeiro. Eu achava que Vanessa ia se entregar pra descobrir como derrotar o Drácula, que foi a sugestão de Catriona. Se entendi direito, Catriona sugeriu que Vanessa fosse uma espiã para descobrir os pontos fracos do vampiro, mas ela se entrega à morte e sequer é mencionado o que acontece com Drácula. Achava que Ethan se transformaria em lobisomen pra batalha final, mas nada também. No mínimo tinha que aparecer o espírito da Vanessa e dar um thcauzinho pra família, como acontece no filme do Van Helsing (que foi outro que saiu prematuramente). Seu texto revela td a insatisfação pelo final dessa série tão marcante

  2. Na verdade a continuação deveria ser uma série ainda gótica, sendo chamada de a liga extraordinária ou extraordinários. Uma pena ninguém ter pensado nisso.

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