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O final de Grace and Frankie e a imortalidade de sua história

Em 2015, Grace and Frankie chegou a uma plataforma que hoje é bastante conhecida por suas produções voltadas ao público adolescente, com elencos igualmente jovens. A série, no entanto, seguiu o caminho contrário e exibiu uma história com quatro atores principais já na terceira idade, os protagonistas de uma jornada com o intuito de celebrar a velhice e mostrar para o mundo que a juventude pode ser sentida em qualquer momento da vida.

Atenção: este texto contém spoilers!

Com uma pegada à la Golden Girls do século XXI, Jane Fonda, Lily Tomlin, Sam Waterston e Martin Sheen, junto com os criadores Marta Kauffman e Howard J. Morris, entregaram a série mais longeva da Netflix, com 94 episódios distribuídos em sete temporadas. A vida longa da produção, felizmente, nunca amargou e foi construída de maneira eficiente o bastante para que os personagens sofressem mudanças profundas (e críveis), permitindo a evolução para que se tornassem pessoas melhores do que eram no começo.

grace and frankie

A produção tem um quê de coming-of-age, mesmo que não seja da maneira tradicional — da transição da adolescência para a fase adulta. Mais velhos, os protagonistas devem aceitar as mudanças que a idade traz para suas vidas. As crises existenciais se mostram parte natural da construção humana até o último suspiro, e cabe a cada um assumir a postura de se deixar dominar pela construção social de que o ingresso à terceira idade é o início do fim ou criar novos recomeços. Como os personagens bem demonstram, isso pode ser feito de diversas maneiras: abrir um novo negócio, viver um amor ou fazer novos amigos.

Obviamente, o ponto mais marcante é a bela amizade de Grace e Frankie. Na primeira temporada, mesmo que já se conhecessem há muitos anos, as duas não suportavam uma à outra. Mas descobrir que seus respectivos maridos as traíam e decidiram se casar foi o evento que desencadeou o afeto entre as duas. Mesmo muito diferentes, elas entenderam que eram exatamente essas discrepâncias que fortaleciam a relação tão única e profunda. Grace precisava do espírito livre e descontraído de Frankie, enquanto Frankie precisava da ordem e do ceticismo de Grace.

Todas as temporadas lidam com aspectos da velhice, mas a sétima traz um ar mais absolutista a essa noção, ressaltando que as limitações da idade estão cada vez mais sólidas. Robert começa a apresentar sinais de Alzheimer e passa a se esquecer de várias coisas, das mais banais às mais importantes — como o surgimento de seu relacionamento com Sol, que tenta navegar pela nova condição do marido com o máximo de cuidado e delicadeza.

Grace abandona a tintura de cabelo e assume os fios brancos, enquanto Frankie tenta aceitar que a artrite em suas mãos está cada vez mais agressiva e que ela não consegue mais fazer as coisas que ama, como pintar seus quadros e segurar os hashis para comer comida chinesa. A morte parece mais próxima quando a cartomante de Frankie diz que ela tem apenas três meses de vida, o que a deixa em um estado de paranoia constante até o momento em que se conforma com seu suposto destino.

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Quem sofre mais, no entanto, é Grace. No começo, ela não acredita na previsão, mas acaba sofrendo ataques de pânico toda vez que o assunto é abordado, assustada demais com a possibilidade de perder a melhor amiga. É uma evolução e tanto da personagem da primeira temporada que mal conseguia ficar no mesmo ambiente que Frankie. Ao fim da história, Grace não pode mais se ver sem ela.

No último episódio, depois de uma briga que termina em um abraço, a série se permite explorar um pouco de misticismo e fantasia. Grace e Frankie são eletrocutadas ao mesmo tempo, o que faz com que elas morram por alguns segundos. Numa espécie de limbo entre a vida e a morte — composto por uma sala branca e infinita e uma porta no meio do nada —, elas encontram Agnes, um anjo interpretado por ninguém mais, ninguém menos que Dolly Parton, cuja presença caricata, leve e brilhante parece se encaixar perfeitamente no universo de Grace and Frankie.

Grace não aceita a morte das duas e, como de costume, tenta argumentar para sair de uma situação em que Frankie a envolveu. Agnes confirma que Grace não deveria estar ali, mas que Frankie está no lugar certo. As duas então se despedem em uma cena emocionada, demonstrando o quanto amam uma à outra e como desperdiçaram tempo ao não terem se tornando amigas desde o começo. O anjo se compadece e permite que elas retornem ao mundo terreno juntas — como sempre devem estar.

Robert e Sol têm a última cena no mesmo hotel em que começaram seu relacionamento. Por mais que o amor dos dois não tenha sido formado da melhor maneira, visto que os dois eram casados com Grace e Frankie, isso foi forte e verdadeiro o suficiente para que se assumissem. Desde o começo, os personagens trouxeram uma representação à comunidade LGBTQIA+ que é difícil de se ver em outras produções, com dois homens já idosos vivendo um sentimento que desafia todos os padrões, mas que sempre foi puro, respeitoso e genuíno.

As lembranças do passado estão sendo apagadas da memória de Robert, mas Sol o ama o suficiente para continuar ao seu lado e construir novas memórias. Este é, sem dúvida, um belo final para um dos casais fictícios mais bonitos dos últimos tempos.

Os coadjuvantes também têm bons desfechos. Bud (Baron Vaughn) abandona a carreira de advogado de divórcio por não se sentir confortável com o efeito que suas ações provocam na vida das pessoas. Assim como seu intérprete, é possível que ele se aventure como comediante. Coyote (Ethan Embry) consegue se manter sóbrio e se casa com Jessica (Christine Woods).

O destaque desta parte do elenco continua com as irmãs Hanson. Brianna (June Diane Raphael) cai de seu pedestal e perde o emprego e o relacionamento com Barry (Peter Cambor), fazendo com que ela se veja em uma posição de total desamparo, algo que nunca antes experienciou. A impressão que dá é que isso desperta algo nela, que percebe que sua atitude em relação a todos os aspectos de sua vida sempre foi muito severa e impessoal.

Isso não significa, no entanto, que ela não se importe com os outros ao redor. Sem o noivo, ela se volta à Mallory (Brooklyn Decker) e até assume uma culpa que não é dela para proteger os sentimentos da irmã mais nova, que perde o cargo de CEO da empresa fundada por Grace. Com as duas no mesmo barco, Brianna sugere que elas abram um novo negócio juntas, o que é um bom gancho para um possível spin-off da série. Caso isso não aconteça, o final das duas parece bom o suficiente, já que termina com uma imensidão de possibilidades e permite que o público imagine o que pode acontecer.

Ao som de “You’re All I Need to Get By”, de Marvin Gaye e Tammi Terrell, Grace ajuda Frankie a segurar o pincel para que ela não tenha que parar de pintar. Frankie, por sua vez, acompanha Grace até o mar, onde ela molha os pés na água pela primeira vez em anos, já que nunca tinha conseguido superar a perda do pai por um afogamento. No final, elas caminham juntas pela praia, felizes e em paz.

Apesar de ser o último da série, o episódio 16 da sétima temporada se chama “O Começo”, afirmando como o legado de amizade, autoaceitação, empoderamento e amor de Grace and Frankie vai viver para sempre.