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My Favorite Murder: por que mulheres são atraídas por true crime?

Chega época de Halloween e é hora de maratonar. Filmes nostálgicos, séries, filmes de terror ou… true crime.

O gênero true crime (o nome que vamos usar aqui), ou crimes reais, em tradução livre, está cada vez mais popular no Brasil e no mundo, e muito disso se deve a dois fatores: os podcasts e a grande audiência das mulheres. Por mais que existam muitas séries que reconstituem crimes (como American Crime Story) e documentários (como Making a Murderer), o podcast foi onde o true crime realmente começou a crescer e fez com que as outras mídias aproveitassem a onda.

Criado pela jornalista investigativa Sarah Koenig, o podcast Serial foi o que deu o primeiro passo. Datado de 2014, a primeira temporada falou sobre o caso do assassinato de Hae Min Lee, e foi um sucesso: sucesso não apenas por ser um precursor, mas por jogar uma luz nos podcasts em formato storytelling, ou seja, que contam uma só história ao longo de uma temporada toda, tendo espaço para contar todos os pormenores, explorar altos de processos (quando disponíveis) e conversar com pessoas envolvidas no caso.

Stay sexy and don’t get murdered

A partir de Serial, vários podcasts sobre o gênero surgiram (e que não necessariamente seguem o formato de storytelling). O principal deles, e ouso dizer herdeiro natural americano do Serial (se é que um dia vai acabar), é o My Favorite Murder, das comediantes Karen Kilgariff e Georgia Hardstark.

My Favorite Murder-1

No podcast, que é considerado de true crime e comédia, Karen e Georgia falam sobre histórias chocantes, esquisitas e misteriosas de assassinatos. Às vezes os programas têm um tema e às vezes não, e definitivamente não se limitam apenas a crimes americanos.

Em entrevista ao The Hollywood Reporter, elas falam um pouco mais sobre o que o MFM representa: “O podcast gira em torno da nossa ansiedade com relação a tudo de horrível que acontece no mundo e não em torno do que acontece com as vítimas dessas coisas horríveis,” explica Georgia.

Nós falamos com pessoas em encontros que mudaram suas especializações na faculdade [por causa do podcast] ou voltaram aos estudos, pessoas que começaram terapia ou voltaram para a terapia,” Karen ressalta uma das coisas mais importantes sobre o MFM para elas: que os programas cada vez mais encorajem as pessoas a falarem sobre o que elas têm medo que aconteça ou sobre experiências que elas passaram (talvez não tão graves quanto crimes de assassinato, mas ainda assim).

Para nenhuma surpresa, a base de fãs do podcast é composta em sua maioria por “mulheres incríveis das quais seríamos amigas com certeza,” diz Georgia, “com uma pitada de homens que são ‘extra-interessantes’,” completa Karen.

Enquanto falam dos crimes, elas ocasionalmente fazem algumas piadas auto-depreciativas sobre como é “incrível” (entre muitas aspas) que as versões mais novas de si mesmas nunca tenham sido vítimas de nenhum crime, mesmo sendo tão imprudentes. Esse tipo de piada que elas fazem talvez comece a explicar o fascínio das mulheres com o gênero.

O que leva mulheres a se interessarem por crimes reais?

Karen, Georgia e o My Favorite Murder fazem parte de uma estatística interessante do mundo dos podcasts: em maio de 2019, dos 20 podcasts mais ouvidos no iTunes, 11 podiam ser classificados como true crime, e sete deles eram comandados por mulheres.

Em 2018, a americana Kelli Boling estava fazendo seu PhD em Comunicação quando de repente se viu mergulhada em uma série de podcasts sobre true crime. Movida apenas pela curiosidade de saber se ela era a única mulher a estar tão investida nessas histórias, ela escreveu um estudo que, com base em uma pesquisa com usuários do Reddit, descobriu que 75% dos ouvintes de podcasts do gênero true crime são mulheres.

Muito embora a pesquisa “impulsiva” (mas não menos relevante) de Kelli considere o Reddit, que possui um público branco, jovem e bem seleto, o estudo vai de encontro a algumas razões psicológicas importantes que podem explicar porque estamos tão propensas a nos interessar por uma história de crime.

Mulheres têm mais medo que homens de serem vítimas de crimes,” diz Michael Mantell, chefe de psicologia do Departamento de Polícia de San Diego (Califórnia, Estados Unidos). Isso também significa que, vendo todos esses programas e sabendo de todas essas histórias, as mulheres conseguem saber como melhor se prevenir de possíveis ataques, ainda que na teoria. É como armar o cérebro com “olha, isso aqui pode dar errado, e se acontecer, eis o que você pode fazer.” Mesmo que na hora de um ataque tudo seja diferente, saber a teoria pode ser aliviador.

E não para nos podcasts: para mulheres, true crime é um interesse transmidiático: uma pesquisa realizada pela CivicScience em 2019 concluiu que mulheres são as que mais assistem documentários e séries true crime na TV e que mistério, thriller e crime são os gêneros de livros mais lidos por mulheres nos Estados Unidos.

Outro motivo que não necessariamente se limita a mulheres, mas que também é relevante, é que estudar histórias de crimes reais faz com que a gente possa entender melhor a nossa sociedade e onde estão os maiores problemas dela.

Em entrevista ao Nexo, o jornalista e professor curitibano Ivan Mizanzuk fala sobre isso: “Existe uma reflexão social de ‘ok, esse crime ocorreu, como é possível que ele tenha ocorrido?’ E daí temos duas questões. Primeiro, questionar ‘onde foi que nós falhamos enquanto sociedade para que isso acontecesse?’ nos casos que foram resolvidos sem sombra de dúvidas. E, nos casos em que há um mistério em torno, a gente tenta buscar formas de lidar com esse mistério, e como o sistema legal tem pesos e contrapesos para que coisas tão estranhas sejam abordadas da melhor forma.

Ainda que exista certa resistência para que histórias de crimes brasileiros (o imaginário ainda é muito sensível) sejam contadas, o Ivan é, hoje, o maior exemplo de que o fascínio por true crime no Brasil vem com tudo: ele é o idealizador do Projeto Humanos, podcast que conta histórias reais de pessoas reais e que na sua quarta temporada acompanha a história do Caso Evandro, um dos crimes mais horrendos da história brasileira e que, até hoje, não tem solução. O podcast já tem 4 milhões de downloads e vai virar série documental e livro.

Se identificou com esse artigo e quer ler mais sobre true crime? Então segura algumas indicações:

Podcasts:

  • My Favorite Murder with Karen Kilgariff and Georgia Hardstark
  • Projetos Humanos, 4ª temporada O Caso Evandro

Livros:

  • A Garota no Trem, de Ruth Ware
  • Mortos Não Contam Segredos, de Karen M. McManus
  • Sadie, de Courtney Summers
  • Casos de Família, de Ilana Casoy

Documentários:

  • Making a Murderer (Netflix)
  • Evil Genius: The True Story of America’s Most Diabolical Bank Heist (Netflix)

YouTube:

  • Bel Rodrigues (autora e pós-graduanda em Criminologia)
  • Bailey Sarian (que faz o Murder, Mystery & Makeup, quadro onde ela faz uma maquiagem enquanto narra uma história de crime)


** A arte em destaque e o banner são de autoria da colaboradora Duds Saldanha.

2 comentários

  1. Lembrei das amigas Carina e Gabriela e fazem o podcast Crime e Ansiedade, disponível no Spotify e outras plataformas. Elas falam de um crime/serial killer por episódio e sempre trazem fatos relacionados e comentam com referências o ocorrido. Elas são bem humoradas, tem várias brincadeiras internas, nunca com as vítimas, mas o fato de coisas bizarras acontecerem. Recomendo muito pra quem gosta!!

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