“E Dua Lipa faz tudo”. Foi assim que boa parte da internet recebeu o segundo álbum de inéditas da cantora, Future Nostalgia, lançado em todas as plataformas de streaming no dia 27 de março. Após o vazamento do álbum, sucessor de Dua Lipa, de 2017, ela anunciou, em meio às lágrimas em uma live em sua conta oficial no Instagram, que adiantaria o lançamento do trabalho: “Espero que isso traga alguma felicidade a vocês”, ela disse. “Espero que isso faça vocês sorrirem, espero que isso faça vocês dançarem”. E fez, Dua. E fez.
Nascida em Londres, em agosto de 1995, Dua Lipa cresceu ouvindo seu pai cantar e aos 14 anos, inspirada por ele, começou a publicar na internet vídeos com versões de suas músicas favoritas. Aos 15, Dua assinou seu primeiro contrato com uma grande gravadora, a Warner Music, e naquele ano de 2015 deu início aos trabalhos que resultaram em seu álbum de estreia onde apresentou sucessos como “New Rules”, “Blow Your Mind (Mwah)” e “Hotter than Hell”. Dua Lipa, o álbum, recebeu indicação a Melhor Álbum do Ano no BBC Music Awards de 2017, Melhor Álbum Britânico do Ano em 2018 pelo Brti Awards e recebeu o prêmio Álbum Internacional do Ano do LOS40 Music Awards, além de ter conquistado duas estatuetas do Grammy Awards daquele ano — Artista Revelação e Melhor Gravação Dance, em parceria com o duo Silk City.
Após tantos prêmios e indicações — foram 30 prêmios e 105 indicações até o momento — as expectativas geradas em torno do sucessor de Dua Lipa eram altas. Será que a jovem cantora conseguiria repetir o sucesso de seu primeiro trabalho, ainda mais em tempos de pandemia e covid-19? Muitos artistas têm decidido adiar os lançamentos de seus trabalhos devido ao coronavírus argumentando que o momento não é exatamente o melhor para pensar em música e cantar, mas do lado de cá já penso justamente o contrário: são em tempos como esses que precisamos da arte, da música, dos livros e dos filmes. Precisamos dançar e nos divertir de maneira a fazer com que os corações fiquem um pouco mais leves pelo menos pelo tempo de um álbum, e Future Nostalgia tem se mostrado a melhor pedida para o momento.
O álbum tem onze faixas que contam uma história de discotecas, cores fortes, amor, sexo e empoderamento — sim, essa palavra tão esvaziada de sentido nos dias de hoje, mas que não deixa de carregar um sentimento intrínseco às mulheres de maneira geral. Future Nostalgia é um álbum divertido, dançante e que bebe na fonte musical dos anos 1980 com sua temática pop e colorida que nos faz pensar em looks neon para treinar (em casa), discotecas e muito glitter. A faixa que abre o trabalho e carrega também o título do álbum, “Future Nostalgia”, vem logo dando o recado de Dua que reverberará em todas as canções:
“No matter what you do I’m gonna get it without ya
I know you ain’t used to a female alpha”
“Não importa o que você faça, vou conseguir sem você
Eu sei que você não está acostumado com uma mulher alfa”
Para Dua Lipa, “Future Nostalgia”, a canção, é sobre todas as “mulheres alfa” que vieram antes dela, permitindo que ela pudesse chegar onde está atualmente. É perfeita para abrir o álbum, de acordo com a cantora, por ser uma canção destemida e reunir o empoderamento e o atrevimento de que gosta tanto. A segunda faixa do disco, “Don’t Start Now”, é uma das melhores do novo trabalho de Dua Lipa e recebeu um vídeo clipe a altura. Com versos trabalhados na superação de um coração partido e um refrão que virou o bordão da quarentena — “Don’t show up, don’t come out/ Don’t start caring about me now/ Walk away, you know how/ Don’t start caring about me now” [“Não apareça, não saia/ Não comece a se importar comigo agora/ Vá embora, você é bom nisso/ Não comece a se importar comigo agora”] —, a cantora constrói um hino dos términos de relacionamentos que promete aparecer nas playlists de todo mundo que está tentando superar um ex.
Na sequência vem “Cool” que, embora seja tão boa quanto possível, aparece entre duas músicas excelentes e pode até passar desavisada pelo ritmo um pouco mais suave, visto que a faixa número quatro de Future Nostalgia é justamente “Physical”, canção que recebeu dois vídeos muito inspirados e divertidos: enquanto o primeiro conta com uma coreografia excelente, cores fortes e até interferências animadas em meio aos dançarinos, o segundo abusa da estética retrô dos anos 1980 e evoca os vídeos de exercícios de Jane Fonda com Dua Lipa e companhia usando maiôs, tênis e polainas. Mas não se engane, os exercícios físicos que Dua Lipa tem em mente não precisam de acessórios — a não ser que você seja adepto, é claro.
A faixa de número cinco, “Levitating”, é tão doce quanto “Physical” é sexual. Cantando sobre galáxias, Via Láctea, glitter no céu (!) e vários conceitos bonitinhos e brilhantes, Dua Lipa conta a história de um amor que é leve, doce e simples, fácil como tem que ser. “Glitter in the sky, glitter in your eyes/ Shining just the way we are/ I feell like we’re forever, every time we get together/ But whatever, let’s get lost on Mars” [“Glitter no céu, glitter em nossos olhos/ Brilhando do jeito que somos/ Eu sinto que é para sempre toda vez que estamos juntos/ Mas, seja o que for, vamos nos perder em Marte”] — não tem como ser mais fofo do que isso. Na sequência, “Pretty Please”, composta em parceria com Julia Michaels, Dua volta a cantar sobre a necessidade de estar o mais próxima possível do objeto de sua afeição e que não quer ser deixada esperando, tudo isso em um ritmo mais calmo que te prepara para as faixas finais.
“Hallucinate” retoma o tom dançante do disco com uma batida marcante que tem tudo para inspirar coreografias e se tornar mais um single de Future Nostalgia por contar com um refrão que é simples e vibrante; é fácil já sair cantarolando junto. “Love Again”, a próxima faixa do disco, não nega a inspiração das discotecas e faz isso encaixando uma sonoridade dramática em uma letra que, segundo Dua Lipa, é quase como um manifesto. Em live na Amazon Music, Dua disse que “Love Again” foi a faixa que mais demorou para compor a base da música, mas que a canção é divertida e honesta, uma de suas favoritas do novo trabalho. “Break My Heart”, faixa que se tornou o terceiro single de Future Nostalgia, tem por base o sample de “Need You Tonight”, do INXS, e, de acordo com a cantora, é a junção perfeita de músicas feitas para dançar e chorar. “Break My Heart” é sobre sentir medo de estar muito feliz, quase esperando que as coisas deem errado em um momento ou outro. Para Dua Lipa, em entrevista à Apple Music, uma romântica incorrigível, a canção é também sobre o que fazer para proteger esse relacionamento, “É um lugar vulnerável e doce para se estar, pois você vê o quanto se importa”.
“Good in Bed” e “Boys Will Be Boys” encerram Future Nostalgia de maneira excelente. Enquanto a primeira é uma canção divertida que entrega a que veio logo em seu título, cantando sobre um relacionamento que não tem qualquer possibilidade de dar certo para além do sexo, a segunda é a mensagem de Dua Lipa sobre empoderamento feminino. Novamente a palavra “do momento”, mas a cantora consegue ser certeira em sua crítica quando canta que “Boys will be boys, but girls will be women” [“Garotos serão garotos, mas garotas serão mulheres”] em uma canção que nada mais é do que uma sequência de momentos que toda mulher já viveu, seja ir para casa antes do sol se pôr ou andar com as chaves de casa entre os dedos para o caso de algum homem tentar atacá-las.
“It’s second nature to walk home before the sun goes downs
And put your keys between your knuckles when there’s boys around
Isn’t it funny how we laugh it off to hide our fear
When there’s nothing funny here?
Sick intuition that they taught us, so we won’t freak out”
“É natural voltar para casa antes do sol se pôr
E colocar suas chaves entre os dedos quando há garotos por perto
Não é engraçado como rimos para esconder nosso medo
Quando não tem nada de engraçado aqui?
A intuição doentia que nos ensinaram para não surtarmos”
Em questão de sonoridade, “Boys Will Be Boys” não é tão dançante ou carismática quanto as dez canções anteriores, mas possui uma letra coerente e uma mensagem assertiva. Dua Lipa disse para a Apple Music que desejava que essa música fosse entendida como um pontapé para uma conversa muito maior e que pudesse, à sua maneira, promover algum tipo de conforto para as meninas que passam por tudo aquilo que ela descreve tão bem. Todas nós já estivemos no lugar de nos esconder ou mascarar para não chamar a atenção, com medo de que a situação saísse do controle.
Com nove das onze canções de Future Nostalgia no Top 50 Global do Spotify, o álbum já quebrou recordes de vendas no Reino Unido e vem se firmando como o melhor lançamento do ano até o momento com um score de 88 — a título de comparação, Dua Lipa, de 2017, tem pontuação de 72 no site especializado.
Future Nostalgia mostra que Dua Lipa não precisa temer, de maneira alguma, o segundo álbum. No lugar de tentar recriar os sucessos que alavancaram sua carreira em âmbito mundial, a cantora tomou outra direção e decidiu criar algo novo e com embasamento. Seu segundo álbum de estúdio é uma coleção de hits dançantes que misturam as discotecas dos anos 1980, sons que relembram o melhor de Prince e Debbie Harry, embalados em uma estética nostálgica e divertida. Se por enquanto não podemos bater cabelo na boate ao som dessas canções, é certo que Future Nostalgia nos trará momentos leves enquanto vivemos um dia de cada vez (em quarentena).