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De Dolly Parton a June Carter: as precursoras de Taylor Swift e Shania Twain

Quando se houve falar na sonoridade country, é inevitável não pensar em nomes como Johnny Cash, Alan Jackson, Garth Brooks e, mais contemporaneamente, Tim McGraw (aquele homenageado por Taylor Swift), Blake Shelton, o anfitrião no The Voice estadunidense, e Billy Ray Cyrus, conhecido pelo hit “Achy Breaky Heart” (1992).

Não muito diferente do sertanejo no Brasil, que tem suas raízes fincadas nos interiores do país e fora dos grandes centros exatamente como o country norte-americano, foi difícil para que nomes femininos se firmassem e fossem reconhecidos em uma indústria predominantemente masculina. Apesar disso, Shania Twain tem com “Come on Over” (1997) o álbum solo feminino, independente de gêneros musicais, mais vendido de todos os tempos, em uma lista que seria predominantemente masculina caso Whitney Houston não estivesse na trilha sonora de O Guarda-Costas e Stevie Nicks não pertencesse ao Fleetwood Mac.

Porém, não é comum se pensar em nomes femininos que tenham ajudado a expandir a influência da música country norte-americana. Com exceção de Dolly Parton, considerada por muitos a Rainha do Country, que se destaca mundialmente pela carreira que já alcança mais de 50 anos, contabilizando mais de 40 álbuns lançados, e por estar sempre presente na cena musical em nichos, no Brasil não se ouve com frequência outras de suas talentosas colegas: Linda Ronstadt, Emmylou Harris e June Carter Cash. Conhece-se seus nomes, ouve-se esporadicamente uma canção ou outra que tenha se destacado no país (às vezes, sequer nas vozes delas), mas não se conhece seus feitos e a influência sobre muitas outras cantoras ao redor do mundo, devido ao constante apagamento histórico dos trabalhos femininos.

Totalizando 17 indicações e 11 Grammys em sua estante, Linda Ronstadt talvez seja a que mais se aventurou em outros gêneros musicais, como rock, blues (“Tumbling Dice”, cover dos Rolling Stones a colocou na parada principal da Billboard) e até mesmo operetta. É mais conhecida pelas canções “Blue Bayou” (1977) e “You’re no Good” (1974), embora tenha debutado pela primeira vez em 1969 com o álbum Hand Sown… Home Grown e colaborado com artistas como The Eagles e Aaron Neville na balada romântica “Don’t Know Much”. Com mais de 40 álbuns lançados até 2007, Linda não tem um favorito, mas cita sua dupla parceria com Dolly Parton e Emmylou Harris nos discos “Trio I” e “Trio II” entre as gravações que a deixaram mais satisfeita.

Já Emmylou Harris, com 30 álbuns lançados, de 1969 a 2011, destacou-se primeiramente na cena folk antes de alcançar o sucesso sendo mãe solo e filha de militares conservadores. Durante sua longa carreira transitando entre o country, o rock e o pop, colaborou com Bob Dylan, um de seus grandes influenciadores, e a histórica dupla John Lennon e Paul McCartney, dentre outros. Seu último álbum reconhecido pelo Grammy, Red Dirt Girl (2002), foi pela categoria de Melhor Disco de Folk Contemporâneo, e continha apenas composições próprias da artista.

Dolly Parton, por sua vez, é considerada a grande estrela da cena. Ela se manteve com êxito na mídia durante a longa carreira se sobressaindo pelo estilo considerado por muitos escandaloso para a cena country, além do inegável talento. Antes de debutar na carreira solo com “Jolene” (EP de 1974) — apresentada às novas gerações pelo cover de 300 milhões de views de sua afilhada Miley Cyrus — Dolly fez parte de uma dupla (com Porter Wagoner), onde arrebatou o prêmio de Melhor Dueto do Ano pela Academia de Música Country.

Dolly Parton

Após o sucesso de “Jolene”, ela foi imparável. Em 1978, arrecadou o primeiro disco de ouro com “Here You Come Again”, além de se sobressair também como compositora, desde “Coat of Many Colors” (do disco homônimo de 1971), canção elencada como uma de suas favoritas, a “9 to 5” escrita para a trilha sonora do filme de mesmo nome, onde atuou ao lado de Jane Fonda e Lily Tomlin em 1980, arrebatando dois Grammys e uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Canção Original.

Além disso, “I Will Always Love You”, mundialmente conhecida na voz de Whitney Houston por O Guarda-Costas (1992), tem a composição e os direitos de publicação inteiramente creditados a ela, que, nos anos 1970, não autorizou a gravação de uma versão de Elvis Presley para a canção em uma dessas histórias emblemáticas de Hollywood, que dessa vez só ficou no “e se?”, como contou ao The Big Interview:

“Naquela época, não foi culpa de Elvis. Sabe… Ele amou a música. Mas Tom Parker [o Agente de Elvis]… Bem, ele tomou algumas decisões sábias, evidentemente. Então, sabia o que estava fazendo. Mas voltando ao assunto, Elvis estava pronto para gravar. Eu disse às pessoas e aos meus amigos que ele iria gravar a música, eles estavam na cidade pra fazer a gravação, me convidaram para a sessão… E Colonel Tom Parker me ligou no dia anterior e disse ‘Você sabe que Elvis está gravando sua música. E sabe que Elvis não grava nada que ele não tenha a ‘publicação’ ou ao menos metade das ‘publicações’.’ […] Ele teria os direitos, ao menos metade dos direitos da canção. E eu disse ‘Não posso fazer isso. Essa música já é um hit comigo. […] Obviamente será um dos meus direitos autorais mais importantes e não posso te dar metade da publicação […] Ele disse ‘Bem, então não podemos gravar a canção’ e eu estava de coração de partido, mas disse ‘Eu realmente sinto muito, mas não posso fazer isso.’ Então não fiz. […] Eu não poderia ceder a alguém metade de uma canção que já era um #1.”

O sucesso e a estabilidade de suas carreiras proporcionaram às três artistas enfrentar as gravadoras diferentes e as agendas cheias para gravar um álbum em colaboração, conhecido como Trio I e lançado em 1987. Com sonoridade mais acústica, o disco contém uma versão de Phil Spector (“To Know Him is To Love Him”) e “Wildflowers”, escrita pela própria Dolly Parton, sendo consagrado por dois Grammys. O feito histórico se repetiu dez anos depois, onde Linda, Dolly e Emmylou reuniram suas vozes novamente para Trio II, que arrecadou outro Grammy por “After the Gold Rush”, uma versão de Neil Young de 1970, e trouxe uma releitura de “Feels Like Home”, originalmente pertencente ao álbum de mesmo nome de Ronstadt (1995).

À exemplo do que os cantores country de seu tempo haviam feito com parcerias exclusivamente masculinas (como o grupo The Highwaymen formado por Johnny Cash, Willie Nelson, Waylon Jennings e Kristofferson), Dolly continuou a se juntar a colegas do gênero, lançando o álbum Honky Tonky Angels com Loretta Lynn e Tammy Wynette em 1993, o qual passou 24 semanas nas paradas country, após estrear em 6º lugar, e debutou na 42° posição na Billboard 200, nos Estados Unidos.

Enquanto isso, Emmylou e Linda se juntaram em Western Wall: The Tucson Sessions de 1999, para regravar versões de cantores famosos como Leonard Cohen e Bruce Springsteen, com foco voltado para a folk music. No mesmo ano, June Carter Cash, constantemente colocada de lado pela história devido ao sucesso estrondoso de seu marido, Johnny Cash, também ganhava um Grammy por seu álbum de 1999, Press On.

Embora de família de músicos (The Carter Family) e dona de uma vasta discografia solo desde 1974 — quando lançou carreira solo após fazer turnês com Elvis Presley — até 2003, o ano de sua morte, foi mais conhecida justamente pelas parcerias com Johnny e pela composição de uma de suas canções mais famosas “Ring of Fire” (1963). A história de de June e Johnny Cash pode ser conferida no cinebiografia de 2006, Johnny e June (em inglês, Walk the Line), drama musical que concedeu a Reese Whiterspoon o Oscar, o Globo de Ouro e o BAFTA de Melhor Atriz pela interpretação da cantora.

Em 2019, Dolly Parton foi a homenageada do ano no Grammy, tendo levado o gramofone dourado 10 vezes durante a carreira, e também nomeada a Pessoa do Ano pela Instituição MusicCares, gerida pela Academia, que “honra aqueles que têm contribuído significativamente com a comunidade musical através da música e da filantropia”. O tributo, disponível na Netflix (Dolly Parton: A MusicCares Tribute, de 2021), contou com a presença de Linda Ronstadt e Emmylou Harris, além de apresentações de artistas de diversos gêneros, que reconhecem a importância da cantora no cenário, como já havia havia acontecido em 2003, quando Just Becase I’m a Woman: Song’s of Dolly Parton foi lançado com participações de Norah Jones e Sinèad O’Connor. Ainda, mesmo o duo feminino de folk First Aid Kit, de origem sueca, demonstram no single “Emmylou” (2012), a relevância sonora e o inegável impacto que as vozes e genialidade dessas artistas tiveram na música, se unindo uma época que nem se falava em sororidade.

Em 2020, sob a responsabilidade “orgânica” que elas tiveram por pavimentar o caminho para aquelas que vieram depois, Maren Morris, Brandi Carlile, Amanda Shires e Natalie Hemby se uniram para formar o grupo The Highwomen após Shires perceber quão poucas mulheres ouvia no rádio.

Apesar do nome ser uma referência/cutucada ao The Highwayman, as canções do grupo (formado após Shires notar quão poucas cantoras country ouvia no rádio) conciliam letras modernas, ácidas e provocativas sobre os estereótipos femininos, combinando a realidade de histórias e prioridades diversas — família, amores, maternidade, negócios —, e valorizando a individualidade da mulher sob o olhar de um mundo que exige tudo isso quando se é uma, como cantam na letra de “Highwomen”:

“Nós somos grandes mulheres 
Cantando as histórias ainda não contada
Nós carregamos os filhos que vocês só podem segurar
Nós somos as filhas das gerações silenciosas
Vocês enviaram nossos corações para morrerem sozinhos em nações estrangeiras
Mas eles voltaram para nós como pequenas gotas de chuva
E nós permaneceremos”

O grupo se posiciona mais abertamente como uma resposta artística à falta de espaço feminino no country, bem como um desafio aos estereótipos que as mulheres dessa indústria tiveram e têm de, constantemente, enfrentar, uma vez que representam apenas 10% dos músicos tocados nas rádios americanas.

Seja Dolly Parton por sua vaidade e identidade visual supostamente exagerada fincada nos anos 1970, Marren em defesa da própria liberdade sexual — especialmente após ser criticada por “fãs” conservadores por posar à Revista Playboy em 2019 — e o trio feminino The Chicks (antigo Dixie Chicks), que, em 2003, foi banido de diversas rádios americanas após a vocalista, Natalie Maines, se posicionar contra o presidente George W. Bush na liderança estadunidense que levou à Guerra do Iraque, é latente como basta uma fagulha para que seus espaços sejam questionados e colocados na berlinda.

Em 2022, Kacey Musgraves, vencedora de quatro categorias do Grammy em 2019, inclusive Álbum do Ano com o aclamado Golden Hour, foi retirada de parte das categorias country por seu álbum Star-Crossed “não soar country o suficiente” — a mesma razão que motivou o boicote a Lil Nas X com “Old Town Road” (2019), removida das paradas do gênero após começar a se destacar em números, sendo necessário que Billy Ray Cyrus fosse incluso na canção em remix para retornar aos medidores country. Neste ano, todas as categorias do Grammy foram vencidas por homens, reforçando a falta de representatividade e reconhecimento às mulheres do gênero.

Cada uma à sua maneira, as precursoras do gênero tomaram espaço, sem alimentar aparente rivalidade. Ao contrário, utilizando os nomes umas das outras para se posicionarem de maneira relevante num mercado, que, ainda, valoriza muito mais os cantores, invés das talentosas artistas do gênero.

Elas — Dolly, Emmylou, Linda, Tammy, June —, sem qualquer consciência de tanto, construíram um legado que as ultrapassou, respingando nas trajetórias das demais que, como visto, até dias atuais, seguem precisando lutar para se manterem na indústria que as escolheu por vocação, embora não as tenha acolhido. Apesar de tudo, como Kacey já afirmou: “você pode tirar a garota do country, mas não pode tirar o country da garota”.


** A arte em destaque é de autoria da editora Thayrine Gualberto.

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