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As mulheres de Agents of Shield e o que o MCU pode aprender com elas

O inegável e estrondoso sucesso de Mulher-Maravilha nas bilheterias — são mais de R$ 387 bilhões contabilizados desde a estreia até o fechamento desse texto — e nas críticas — o filme possui 92% de aprovação no Rotten Tomatoes — confirmou aquilo que, nós, mulheres já sabíamos: filmes, séries, livros e qualquer produto cultural centrado na figura feminina vendem e muito. Os números do filme da amazona trazem um significado ainda maior do que apenas a rentabilidade: mostram para as empresas que o argumento, utilizado de forma recorrente, de que super-heroínas não vendem não é mais válido.

Apesar dos pesares, a Warner Bros., responsável por dar vida ao Universo Estendido da DC (DCEU), mesmo falhando em contar uma história consistente de herói no cinema, apresenta uma estatística até positiva quanto a representatividade feminina nas telonas. Foram necessário três longas para a empresa incluir um filme solo de uma super-heroína em seu universo cinematográfico, mas a DC também demonstrou uma vontade cada vez maior em representar mulheres em seus filmes como iguais e investir em produtos nesse segmento — especialmente com o anúncio de Gotham City Sirens. Em contrapartida, a sua rival, Marvel, já contabiliza 16 filmes lançados e, nessa conta, cada vez mais reclamações, já que nenhuma das produções leva uma personagem feminina como protagonista. O que não é surpresa, considerando que o CEO da Marvel, Ike Perlmutter, já deixou claro que não acredita na rentabilidade desse tipo de filme. Sendo assim, a estreia da Casa das Ideias neste segmento está prevista apenas para 2019, com a produção do filme Capitã Marvel, personagem que será trazida à vida pela ganhadora do Oscar de Melhor Atriz em 2016, e ativista feminista, Brie Larson.

Mas se por um lado os filmes da Marvel, maiores alvos da atenção dos consumidores de cultura nerd e que mais agitam os ânimos dos apaixonados pelas adaptações de HQs, deixam a desejar no quesito representatividade feminina, por outro, as séries que integram o MCU e fazem o papel de primas distantes e menos famosas, pintam um cenário um pouco mais otimista e complexo.

Demolidor e Jessica Jones, graças à parceria com a Netflix, figuram entre as mais conhecidas e comentadas, enquanto produções como Agent Carter (cancelada após sua segunda temporada) e Agents of Shield (atualmente com quatro temporadas) enfrentam uma realidade diferente ao serem exibidas em canais abertos (ambas pela ABC) e possuírem tramas, que por ‘n’ motivos, não caíram totalmente nas graças do público. O que resulta em uma participação unilateral no universo cinematográfico, fazendo-as serem ignoradas até mesmo pelos roteiristas responsáveis pelo universo integrado. O descaso e desinteresse em interligar, efetivamente, as séries aos filmes é tão proeminente que até a estrela de Agents of Shield, Chloe Bennet, chamou a atenção para diversas situações em que eventos dos filmes afetam a série, mas o caminho inverso não se concretiza.

agents of shield

O que é uma pena, já que os longas teriam muito a aprender com a história produzida por Joss Whedon e Maurissa Tancharoen (que é asiática-americana) e não faria mal nenhum, para dizer o mínimo, se apenas uma pequena parcela do que é apresentado, em questão de representatividade feminina em Agents of Shield, fosse repassado para as telas do cinema e se refletisse nos filmes do MCU.

Começando pela personagem principal da série, Skye (Chloe Bennet) que, atualmente, responde pelo nome de Daisy Johnson (aka Quake, ou Tremor, em tradução livre). E sim, personagem principal. Porque, apesar de a série se propor a contar a história de Phil Coulson (Clark Gregg) e sua trupe de agentes, é Daisy quem impulsiona a história com a busca pela identidade dos seus pais e, consequentemente, pela sua própria. Em um primeiro momento, somos apresentados a uma hacker badass, que consegue quebrar os protocolos da Shield como tirar doce de criança e que, no primeiro episódio, já manipula e demonstra capacidade de raciocínio e inteligência tão apurado quanto o de Grant Ward (Brett Dalton), considerado um dos melhor agentes da Shield.

Mas o brilhantismo da personagem de Bennet não está apenas em ser retratada por uma atriz que foge ao padrão eurocêntrico (Chloe tem descendência chinesa), mas por apresentar uma profundidade, complexidade e multidimensionalidade pouca vezes presenciadas por quem consome este tipo de produção. Os traços de personalidade de Daisy não ficam restritos e engessados em ser hacker, ou no clichê “quem eu sou?”, ou, ainda, sequer em sua vulnerabilidade emocional do início. A evolução é tanta que ela se tornou a super heroína, trazendo a mitologia dos Inumanos para a TV com uma jornada consistente, brilhante e empoderadora ao longo das quatro temporadas da série. Desde o momento em que finalmente descobre quem é, a moldar seus princípios, ocupar seu lugar na Shield, desenvolver amizades e viver romances, e até lidar com seus poderes e aprender a usá-los, todos os passos de Daisy são desenvolvidos em boas tramas, permitindo que a personagem tenha seus momentos de fraqueza, de desesperança — de rebeldia até —, mas nunca deixe de lado ou apague a inteligência e a força (mesmo antes de descobrir-se detentora de um poder incrível) e liderar com ou sem Coulson, presente na tela.

Agents of Shield

Jemma Simmons (Elizabeth Henstridge), por sua vez, demonstra que personagens não precisam ficar presas em uma única característica e que o bom desenvolvimento só vem a favorecer a história e o público espectador. Interpretada com maestria por Elizabeth Henstridge, Simmons é uma bioquímica, com dois PhDs, formada pela academia da Shield como uma das alunas mais brilhantes. No início, ela não escapa da representação de cientista atrapalhada, medrosa e que pouco sabe da vida real, mas que domina de forma engenhosa os assuntos pelos quais dedicou uma vida de estudos. O roteiro acerta ao acrescentar camadas à personagem ao longo das temporadas, mantendo sua inteligência, que ajuda a salvar a vida do time de agentes e a resolver os casos mais espinhosos, como um forte traço da personalidade, mas também mostrando aos poucos que a garota que não sabia segurar uma arma consegue se infiltrar na Hydra, trabalhar como agente dupla, sobreviver durante seis meses e meio sozinha em um planeta deserto e praticamente inabitável.

Afinal, existem dias em que armas e lutas podem salvar o dia, mas, em outros momentos, o pensamento analítico e lógico é mais eficiente e estratégico. E um conhecimento não exclui o outro, como a trama da série gosta de deixar claro: mulheres podem ser badass e gênios ao mesmo tempo, demonstrar fraqueza e chorar, serem determinadas e corajosas, duras em suas decisões e amorosas ao mesmo tempo. Quanto mais nuances são acrescentadas, mais verossimilhança é vista na tela. Superpoderes não precisam ser, exclusivamente, de origem sobrenatural, e Jemma Simmons é a prova disso.

Já dizer que Melinda May (Ming-Na Wen, também de origem sino-americana) é a funcionária mais exemplar da Shield, com a carreira mais brilhante, invejável e utilizada como modelo a ser seguido pelos novos agentes é subestimar o seu papel na série, mas ainda assim vislumbrar uma pequena faceta da sua intrigante e obscura personalidade e trajetória. A Cavalaria, ao contrário do que se deduziria, não é formada por centenas de agentes, mas composta por apenas uma figura solitária, nesse caso representada por May, que carrega nos punhos, responsáveis por golpes precisos, uma saída para trazer um pouco de justiça para o mundo e lidar com traumas do passado.

Em um primeiro olhar, Melinda pode enganar com sua inexpressividade e dureza; sua raiva, eficiência nos trabalhos de campo e estratégias certeiras para as missões são uma válvula de escape que expressam, sem palavras, a sua personalidade. Toda a segurança e sucesso de uma missão, quando é preciso se infiltrar e derrubar os vilões de forma física, recaem sobre seus ombros. Não é até serem revelados detalhes trágicos de seu passado que a figura da agente durona é humanizada. Nesse momento, Agents of Shield traz outro debate para o público: o modo com que cada um lida com traumas emocionais, especialmente no ambiente de trabalho. No momento em que assistimos os sentimentos de May serem desconstruídos diante de nossos olhos, vemos a personagem ganhar profundidade e uma motivação que, anteriormente, não era clara. Para May, salvar o dia significa diminuir uma parcela de sua dor e continuar lutando por aquilo que acredita ser certo.

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Elena “Yo-yo” Rodriguez (Natalia Cordova-Buckley), interpretada por uma atriz mexicana, e Barbara “Bobbi” Morse (Adrianne Palicki), aka Harpia, são outros nomes que se destacam no quesito de representação feminina de Agents of Shield. Bobbi é uma mistura de Melinda com Jemma, de botar medo até nos chefões da Hydra com seu estilo de luta, além de também salvar o dia dentro do laboratório, ao exercer o conhecimento obtido com seu PhD em Biologia. Já Yo-yo é uma inumana com o poder da velocidade, que faz aparições rápidas, mas marcantes, na trama, deixando seus ideais de moral, amizade e generosidade amostra desde o primeiro momento. Um toque especial que Elena adiciona à série é seu sotaque em espanhol, em conjunto com a utilização de palavras no idioma, acrescidas de maneira natural e fluída aos diálogos, demonstrando que sua força reside em sua nacionalidade, em seu bom coração — cheio de coragem e determinação — e no exemplo positivo para os latinos que assistem a série.

Os acertos de Agents of Shield, porém, não param por aí. Além das personagens femininas serem escritas de forma a escaparem de representações rasas e previsíveis, tendo nuances de emoções e diversificação de papéis, demonstrando que heroínas não precisam se encaixar em apenas uma categoria e, muito menos, trazer uma peculiaridade não-humana para terem posições válidas, a série também inclui representações saudáveis e bem escritas de amizades entre mulheres, fugindo do estereótipo de arqui-inimigas que parece permear esse tipo de relação na ficção.

Dito tudo isso, é imprescindível que uma mudança ocorre na Casa das Ideias, sobretudo no que diz respeito aos filmes, uma vez que, em outros âmbitos, a transformação — mesmo que lenta — está em curso. Com a crescente conquista de espaço do gênero feminino no cinema e na televisão, bem como a ampliação do debate feminista na cultura pop e nerd, os papéis de objeto de cena e de plot device para homens atribuídos, de forma recorrente, às mulheres não terão mais o privilégio de serem tolerados pelo público consumidor. Enquanto alguns afirmam que não acreditam em filmes protagonizados por heroínas, Mulher-Maravilha, junto com o papel significativo desempenhado pelas personagens femininas de Agents of Shield, estão aí para provar que mulheres não obtém sucesso apenas no dia a dia, mas também podem fazê-lo nas telas.

1 comentário

  1. Estava conversando com meu irmão menor e enquanto eu falava de minhas heroínas prediletas, ele questionava porque sempre que as agentes (mulheres) enfrentavam vilões homens, facilmente os derrotava (exceto quando tinham alguma vantagem genética (inumano), mas quando enfrentavam mulheres, mesmo que não tivessem poderes (desde que lutassem), davam muito mais trabalho que 10 homens juntos. Eu fiquei pensando e cheguei a conclusão de que não faz sentido. No mundo real, até encontramos mulheres capazes de enfrentar e até de vencer homens em combate, mas isso é coisa rara… Mas em Agentes da Shield, raro é haver um homem capaz de vencer mulheres… Isso é o que parece. Não quero ir contra as mulheres, até mesmo por eu ser uma, mas lógica é lógica…

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