Categorias: LITERATURA

Troféu Valkirias de Melhores do Ano: Literatura – Parte 2

A escritora espanhola Rosa Montero disse que o atual papel da mulher na literatura é nomear o mundo a partir de suas vivências, contribuindo para a construção de um universo simbólico que passou vários séculos enviesado por uma perspectiva confinada ao masculino. É isso que as mulheres listadas aqui estão fazendo, nomeando o mundo a partir de seus mundos particulares, seja imaginando mundos distantes, refletindo sobre a própria identidade ou explorado sem medo ou pudor a própria sexualidade.

Com vocês, a segunda parte da nossa lista de melhores leituras do ano!

A Hora da Estrela, Clarice Lispector

Por Laura Lima

“Talvez a nordestina já tivesse chegado à conclusão de que vida incomoda bastante, alma que não cabe bem no corpo, mesmo alma rala como a sua. Imaginavazinha, toda supersticiosa, que se por acaso viesse a sentir um gosto bem bom de viver — se desencantaria de súbito de princesa que era e se transformaria em bicho rasteiro. Porque, por pior que fosse sua situação, não queria ser privada de si, ela queria ser ela mesma.”

O último livro publicado de Clarice Lispector, A Hora da Estrela, completou 40 anos em 2017 e ganhou edição comemorativa pela Rocco. Clarice Lispector, uma das autoras brasileiras de maior sucesso, adiciona na obra detalhes autobiográficos e muito do fazer do escritor. Ao longo das poucas páginas em que conhecemos Macabéa e o narrador Rodrigo S.M., vários temas importantes são levantados: desde a crítica social muito presente no texto (preconceito sofrido pela protagonista que é nordestina, desigualdade social e pobreza), até questões extremamente abstratas: de onde viemos, o que é a vida e a existência, qual a razão de escrever. A narrativa é delicada e incômoda, assim como Macabéa, personagem que desperta pena e repulsa, ao mesmo tempo em que nos cativa e nos leva a torcer pela sua superação. — Compre!

A Longa Viagem a Um Pequeno Planeta Hostil, Becky Chambers

Por Thay

“Ele falou: ‘Isso significa que nós temos valor, que não somos irrelevantes.’ E eu respondi: ‘É claro que vocês têm valor. Toda vida tem valor.’ E ele me disse: ‘Mas agora eu sei que o restante da galáxia também pensa assim’.”

A Longa Viagem a Um Pequeno Planeta Hostil, escrito pela norte-americana Becky Chambers, é o primeiro título de ficção científica lançado pela DarkSide Books dentro do selo DarkLove. A trama do livro consegue unir uma viagem espacial e desenvolvimento de personagens em uma jornada rumo ao desconhecido, onde Becky constrói um enredo que nos faz passear em meio às estrelas enquanto narra a importância de se aprender a viver com as diferenças. A bordo da nave Andarilha está uma tripulação composta pelos mais diversos tipos, mas que tem em comum a amizade que nutrem uns pelos outros, transformando uma jornada pelo espaço também em uma jornada de conhecimento. A trama de A Longa Viagem a Um Pequeno Planeta Hostil não trata tanto da viagem intergaláctica em si, mas muito sobre as jornadas particulares de cada um dos tripulantes da nave Andarilha enquanto se movimentam pelo espaço. — Compre!

Para saber mais: A Longa Viagem a Um Planeta Hostil — um ninho de penas entre as estrelas

Ao Vivo em Goiânia: quatro contos de patroa, Seane Melo

Por Anna Vitória

“22h — O celular piscou indicando uma nova notificação e minha cabeça já me traía. E se fosse ele? E se quisesse explicar o sumiço? E se achasse normal não ter falado antes? E se quisesse realmente me falar que tinha outra? E se fingisse que nada aconteceu? Será que marcaria outro encontro? Ou me manteria como uma opção reserva? Seria sempre daquele jeito? Aquela demora e todas as questões em aberto? Respirei fundo e desbloqueei o aparelho desanimada. Naquela altura, João já tinha complicado tudo que nós dois poderíamos ter sido. Não vai passar de um amor de motel, constatei, ele só ia me querer na geladeira pra sair de vez em quando.  

22h05 — Ainda sorria pra tela do celular. ‘Como está sendo esse domingo depois de um oral dos céus?'”

A maranhense Seane Melo publica contos eróticos no Medium e esse ano lançou sua primeira coletânea, com quatro contos inspirados em letras do feminejo. O subgênero musical chamou atenção (e incomodou) por dar voz às mulheres que antes eram apenas musas e vilãs de músicas cantadas por homens, e agora dão as suas versões da história e assumem a posição de sujeito, se inserindo em espaços e temas antes restritos; elas são mulheres que bebem, traem, desejam, fazem farra e, claro, sofrem — mas se recusam a mudar. Seane leva essa ruptura além ao escrever sem pudores sobre mulheres viris, agentes de seus próprios desejos, que gostam, pensam e fantasiam sobre sexo com naturalidade, humor e sensualidade.

Mesmo em histórias tão curtas há espaço para nuances, o que dá às suas personagens espaço para viver suas sexualidades com confiança, mas também se permitir pirar um pouco por conta de alguma mensagem que não chega. Outra grande qualidade dos textos é como eles são contemporâneos e integram de forma orgânica elementos como webflertes e sexting, tão difíceis de se escrever com naturalidade assim como uma boa cena de sexo, e Seane Melo navega bem nas duas áreas, como se fosse simples trazer o leitor para tão perto. As referências ao sertanejo remetem a sucessos consagrados e exaustivamente tocados nas rádios, mas sua leitura das letras é pouco óbvia, e a autora lança mão delas como se piscasse para quem lê do outro lado, mostrando que está se divertindo com aquilo também. — Compre!

Chronos: Viajantes do Tempo, Rysa Walker

Por Thay

“Deixe apenas suas pegadas, carregue apenas suas lembranças.”

O primeiro volume da trilogia Chronos: Viajantes do Tempo, foi lançado este ano pela DarkSide Books. Escrito por Rysa Walker, o livro é uma aventura que consegue reunir viagem no tempo, ficção científica, relatos históricos e amor adolescente de uma maneira criativa e verossímil. Kate era uma adolescente comum até que sua avó retorna com uma missão que apenas ela poderá desempenhar e, de quebra, salvar o mundo e a História como conhecemos. A narrativa de Rysa é fácil e as pouco mais de 300 páginas são lidas rapidamente — o que tem o lado negativo, visto que ainda não há previsão para a chegada do segundo volume dessa história por aqui. Se eu tivesse uma chave Chronos, sei bem o que procuraria! — Compre!

Estamos Bem, Nina LaCour

Por Ana Luíza

“Acreditava que era mais o contrário. Eu tinha afastado a dor. E a encontrara nos livros. Chorava pela ficção em vez de chorar pela verdade. A verdade era irrestrita, sem enfeites. Não havia linguagem poética nela, nem borboletas amarelas, nem inundações épicas. Não havia uma cidade presa embaixo d’água nem gerações de homens com o mesmo nome, destinador a repetir os mesmos erros. A verdade era ampla o bastante para se afogar nela.”

Autora dos aclamados Hold Still, The Disenchantments e Everything Leads to You, Nina LaCour conta em Estamos Bem a história da jovem Marin, uma adolescente que sente-se obrigada a deixar sua vida inteira para trás e desaparecer após a morte do avô, por quem fora criada desde a morte da mãe, ainda na infância. Conforme a história avança, é revelado o motivo real da fuga de Marin, por que ela fora para tão longe e com tão pouco — apenas o celular, a carteira e uma foto da mãe —, quais são os fantasmas que a assombram.

Todo o livro é ambientado no curto período de tempo em que Mabel, a melhor amiga com quem Marin se envolvera romanticamente no passado, vai passar alguns dias em Nova York na tentativa de trazê-la de volta para a Califórnia durante as festas de fim de ano. A presença de Mabel faz com que a protagonista seja obrigada a revisitar lembranças que preferia esquecer, mas pouco a pouco ela se torna mais confortável em expor seus pensamentos, suas dores, seus traumas. Nina LaCour é não apenas eficiente em trabalhar as diferentes nuances dos sentimentos — muitas vezes conflitantes — da protagonista, mas é, ainda, muito sensível e delicada ao fazê-lo. Estamos Bem não é apenas uma história sobre um grande segredo, nem sobre raiva e ressentimento, tampouco sobre duas jovens descobrindo a própria sexualidade e o amor romântico uma na outra, mas sobre todas essas coisas e a autora as trata com a naturalidade que deveria ser regra, não exceção, construindo uma narrativa que não hesita em ser gentil — e nós nunca precisamos tanto dessa gentileza. — Compre!

O Ódio que Você Semeia, Angie Thomas

Por Vanessa Bittencourt

“Já vi acontecer um monte de vezes: uma pessoa negra é morta só por ser negra e o mundo vira um inferno. Já usei hashtags de luto no Twitter, repostei fotos no Tumblr e assinei todos os abaixo-assinados que vi por aí. Sempre disse que, se visse acontecer com alguém, minha voz seria a mais alta e garantiria que o mundo soubesse o que aconteceu.

Agora, sou essa pessoa, e estou morrendo de medo de falar”

Starr Carter é uma adolescente negra que testemunha o assassinato de seu melhor amigo de infância. Khalil, também negro, é morto por um policial branco. O Ódio que Você Semeia, livro de estreia de Angie Thomas, incendeia o debate sobre racismo e violência policial na sociedade americana. Mas esse bem que poderia ser um livro ambientado no Brasil. Entre 2015 e 2016, a polícia brasileira matou três vezes mais negros do que brancos. Entre janeiro de 2016 e março de 2017, nove entre dez dos mortos pela polícia do Rio de Janeiro foram identificados como negros ou pardos.

O assassinato de Khalil gera uma grande mobilização e Starr precisa descobrir qual é o seu lugar na luta por justiça. Ela deveria ser uma amiga em luto e também uma ativista? Ao mesmo tempo, Starr enfrenta o choque entre dois mundos: a garota vive num bairro dividido por gangues, mas estuda numa escola de brancos privilegiados. O racismo fragiliza suas relações de amor e amizade. O que fazer quando uma pessoa querida apresenta um comportamento racista? O ódio tem várias facetas e o racismo certamente é uma delas. É doloroso arrancar a máscara amigável de alguém que amamos e encontrar no lugar um par de olhos cheio de ódio e uma boca pronta para desferir tiradas racistas. Além do campo das relações pessoais, é necessário entender o racismo como uma opressão estrutural, como um mecanismo destrutivo que trabalha sem pausas. O título do livro em inglês, The Hate U Give, é uma referência ao falecido rapper Tupac, para quem o lema Thug Life (“vida bandida”) significava “The hate u give little infants fucks everybody” ou “o ódio que você passa pras criancinhas fode com todo mundo”. Num ano marcado por assassinatos de tantos jovens negros, por ataques racistas nas redes sociais (inclusive contra crianças) e por marchas de supremacistas brancos, Tupac e o livro de Angie Thomas fazem mais sentido do que nunca. Inclusive, já está sendo produzida uma adaptação para os cinemas com Amandla Stenberg e Issa Rae. — Compre!

One Day We’ll All Be Dead And None of This Will Matter, Scaachi Koul

Por Anna Vitória

“Among the many unfair stereotypes lodged against women — small hands, delicate fingers, weak arms, poisonous kness — is the belief that we all love shopping. There is nothing all women like, except maybe television shows where other women scream at each other or have long discussions promoting the demise of the modern man so that we can all live in some utopian future where we can procreate on our own and can finally stop pretending that any of us appreciate having thin, eerily soft skin of a testicle in our mouths.”

Quando vi o título desse livro, primeiro senti raiva, porque ele é perfeito e alguém teve essa ideia antes de mim; depois tive certeza que ele se tornaria um favorito instantâneo, a alternativa que resta quando não é possível roubar o título e fingir que fui eu que escrevi. One Day We’ll All Be Dead and None of This Will Matter é o primeiro livro de Scaachi Koul, uma coletânea de ensaios pessoais no qual a escritora, canadense filha de pais indianos, trata de temas como relações familiares, raça, ataques virtuais, machismo e xenofobia. Koul navega por esses assuntos enquanto compartilha suas histórias e experiências, num formato semelhante ao que Aziz Ansari constrói em Master of None, mas com uma voz tão única e especial que já me arrependi de ter tentado compará-la com a de outra pessoa.

Por meio da coletânea, a autora alcança o Santo Graal dos ensaios pessoais, uma mistura perfeita entre análise social, intimidade e humor. O livro trata de questões sociais de forma profunda e cheia de nuances: em “Fair and Lovely” ela constrói de forma didática um panorama complexo sobre colorismo e as diferentes percepções de raça quando se é imigrante; “Aus-piss-ee-ous” oferece um retrato da cultura indiana que é honesto (ela fala que só é possível achar um casamento indiano divertido quando se é uma pessoa branca ou alguém que nunca foi a um casamento indiano) e carregado de ternura. Essa mistura é temperada por tiradas provocativas e hilárias que você não vê chegar e que vão te fazer rir sozinha por dias. One Day We’ll All Be Dead and None of This Will Matter conseguiu a proeza de me fazer chorar de rir e de emoção no intervalo de um único texto, a única credencial mais importante que um título perfeito para sacramentá-lo como novo favorito. — Compre!

Os Homens Explicam Tudo Para Mim, Rebecca Solnit

Por Stephanie Borges

“Sim, é verdade que pessoas de ambos os sexos aparecem em eventos para conversar sobre coisas irrelevantes e teorias conspiratórias, mas esse tipo de confrontação, com a confiança total e absoluta dos totalmente ignorantes é, pela minha experiência, típica de um gênero. Os homens explicam tudo para mim, e para outras mulheres, quer saibam ou não do que estão falando. Alguns homens.”

O termo mansplaining se popularizou nos últimos anos com os debates sobre feminismo nas redes sociais. Reza a lenda que o neologismo surgiu a partir de um artigo de Rebecca Solnit publicado em 2008 na internet, atualizado na coletânea de ensaios finalmente lançada no Brasil em 2017. A edição reúne nove ensaios perpassados por questões como silenciamento, credibilidade, violências físicas e simbólicas, autonomia intelectual, tudo isso associado às mulheres. Com inteligência e fluidez, Solnit examina como a mídia naturaliza feminicídios, estupros nos campus universitários e desacredita vítimas que denunciam assédio e violência sexual. No entanto, a autora equilibra temas duros com alguns motivos para quem trabalha pela igualdade entre os gêneros não desanimar e seguir em frente.

Solnit fala sobre arte, crítica e espaço para a imprecisão a partir de leituras Susan Sontag e Virginia Wolf. Analisa quadros de Ana Teresa Fernandez e aborda como  mulheres foram desconsideradas ao longo da história, com sobrenomes omitidos e potenciais soterrados entre trabalhos domésticos. Observa o verdadeiro risco que o casamento entre homossexuais representa para o status quo, uma vez que dois cônjuges do mesmo sexo, com direitos civis garantidos e dividindo responsabilidades, mostram o quanto o casamento entre héteros mantêm uma série de privilégios para os homens, uma vez que boa parte da responsabilidade sobre a casa ainda recai sobre as mulheres. Traçando relações entre notícias, arte, mitologia, Solnit nos mostra a importância de não nos calarmos, especialmente quando sabemos bem do que estamos falando. — Compre!

Pelas Paredes, Marina Abramovic

Por Júlia Medina

“[…] Essa é uma regra da performance: uma vez que você entra nesse jogo físico-mental que engendrou, as regras estão estabelecidas, e ponto final. Você é a última pessoa que pode mudá-las. […]

Mas, agora, tudo era como tinha sido em performances passadas. Eu sentia mais dor do que parecia que o corpo humano poderia suportar. No entanto, no momento em que dizia a mim mesma: Ok, vou perder a consciência — não consigo aguentar mais, era nesse momento que a dor desaparecia por completo.”

Se Kylie Jenner havia afirmado que 2016 ia ser o ano de realizing stuff, 2017 foi com certeza, o ano de sentir coisas. Artistas abriram seus coraçõezinhos e nunca foram tão abertos para o público sobre seus erros, saúde física e mental, sentimentos, etc. No final, todos somos humanos e estamos sempre sujeitos ao sofrimento, não é mesmo?

Marina Abramovic parecia, para mim, inalcançável e incapaz de sentir as mesmas dores que eu, uma mera humana. Mas foi nesse ano que definitivamente percebi meu grande erro. Na sua autobiografia, Marina conta sobre sua infância, sua relação complicada com a mãe, seus primeiros trabalhos e como se descobriu artista, seus relacionamentos longos e complicados e como tudo isso refletiu e ainda reflete em suas performances. No final, Marina Abramovic é humana que nem eu, você e todos nós, e prova que o grande ponto forte de seu trabalho, afinal, são suas emoções. — Compre!

Quando Tudo Faz Sentido, Amy Zhang

Por Ana Luíza

“Eu a vi gravar seus erros em pedras, que se arranjaram ao redor dela e se tornaram um labirinto que ia até o céu. Como aprendeu com tão poucos dos erros, ela estava perdida. Como não tinha fé em nada, não tentava encontrar uma saída.

Eu a vi enfrentar seus medos sozinha, orgulhosa demais para pedir ajuda, teimosa demais para admitir que estava com medo, pequena demais para combatê-los, cansada demais para escapar.”

Histórias sobre adolescentes, bullying e depressão não são uma novidade, mas, de forma brilhante, Amy Zhang amplia os horizontes e consegue explorar aspectos ainda pouco recorrentes no que diz respeito às narrativas sobre adolescentes e transtornos mentais. Assim, somos convidadas a entender os motivos que fizeram com que Elizabeth Emerson, protagonista de Quando Tudo Faz Sentido, decidira tirar a própria vida — de todas as pessoas, justamente ela, a garota rica e bonita, com a vida aparentemente perfeita e no lugar. Pouco a pouco, a autora desconstrói a imagem de garota popular para dar lugar a uma jovem que é vulnerável, que sente medo, que sofre para se manter dentro dos padrões impostos socialmente e se culpa massivamente por todas as vezes que humilhou outra pessoa, de modo a manter sua posição de privilégio.

A história, no entanto, vai além: se a narrativa de Liz Emerson é, por si só, tão complexa e cheia de nuances, Zhang não ignora outros personagens, que, mais do que coadjuvantes na história da protagonista, são pessoas tão complexas quanto ela, e possuem a chance de contar sua própria história no que poderia ser apenas a história de outra pessoa. Temas como a maternidade e a dificuldade em exercê-la, gravidez na adolescência, drogas e pressão social são temas recorrentes, que existem dentro do microcosmo escolar e, em maior escala, também na sociedade em que vivemos. — Compre!

Para saber mais: Quando Tudo Faz Sentido: muito além das leis da física

Tudo o que Nunca Contei, Celeste Ng

Por Fernanda

“E a própria Lydia — o centro relutante daquele universo — todos os dias mantinha o mundo estável. Absorvia os sonhos dos pais, silenciando a relutância que fervilhava por dentro.”

Recentemente circulou nas redes sociais um post do Buzzfeed sobre o momento em que 15 asiáticos brasileiros perceberam que não eram brancos, o que me levou a pensar mais uma vez em Tudo o que Nunca Contei, livro de estreia da americana Celeste Ng, publicado no começo do ano no Brasil — e uma das leituras mais impactantes do meu ano. Ng narra a história devastadora de uma família que perde a filha do meio de maneira misteriosa e aos poucos começa a descobrir todos os segredos que a menina guardava, em especial sua solidão e seu receio em desapontar as expectativas conflitantes dos pais. O pai, filho de imigrantes chineses, acostumado com a exclusão e o preconceito, desejava que os filhos tivessem amigos e se sentissem parte de uma comunidade maior do que a família mais próxima. A mãe, branca, queria que a filha trilhasse o caminho que ela nunca pudera concluir — o da medicina — porque se sentiu pressionada a abdicar de seus sonhos para ser mãe e esposa em tempo integral.

Esses ideais conflitantes confundem e desestabilizam Lydia, a filha, que é incapaz de agir porque não quer desapontar nenhum dos dois. Na escola e na cidade, sua identidade torna impossível para ela encontrar um lugar de pertencimento. Tudo o que Nunca Contei é um retrato muito sensível das experiências dolorosas que são o racismo e o machismo, do luto e das dificuldades da vida familiar, da dor de não pertencer e de não conseguir ser quem gostariam — ou gostaríamos — que fôssemos. Seus personagens cheios de camadas e o mergulho profundo da narrativa em suas vidas internas fazem do livro uma experiência forte, comovente e extremamente relevante. — Compre!

2 comentários

  1. Ótimas escolhas! Alguns da lista eu li esse ano também. Os que ainda não li já estou adicionando na lista de desejos da Amazon.
    🙂

Fechado para novos comentários.