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A Hora das Bruxas e o legado feminino da família Mayfair

Comecei a ler Anne Rice por suas histórias de vampiros. Não por menos, a escritora ficou mundialmente famosa por contar as desventuras de Lestat e companhia, e eu adorei cada minuto em que passei ao lado de As Crônicas Vampirescas. São livros absurdamente bem elaborados, com narrativas estruturadas e tudo o que Anne sabe fazer de melhor, ou seja, explorar as facetas humanas de seus personagens mesmo que, em teoria, eles sejam mortos-vivos. Estava fascinada com essas histórias até começar a ler a saga da família Mayfair em A Hora das Bruxas, dois livros que roubaram de As Crônicas Vampirescas a posição de meus favoritos na lista de escritos de Anne Rice.

Atenção: este texto contém spoilers!

A princípio pode parecer que A Hora das Bruxas é só mais uma história sobre, obviamente, bruxas. Magia, encantamentos e toda sorte de coisas enfeitiçadas, mas a trama criada por Anne Rice vai muito além disso. Em A Hora das Bruxas, volumes I e II, mergulhamos na história da família Mayfair, uma linhagem repleta de mulheres poderosas, inteligentes e ambiciosas que não medem esforços para conseguir o que desejam — mesmo que isso signifique, por mais bizarro que pareça, se aliar a um espírito demoníaco que as persegue por centenas de anos, passando como um legado macabro de geração para geração. A família Mayfair se estende por mais de 400 anos e desde a primeira bruxa, o espírito demoníaco, Lasher, surge como um elo entre elas além de uma herança difícil de manejar.

A trama do livro se desenvolve entre idas e vindas, com capítulos de presente e passado, desvendando os meandros dessa família singular. Os Mayfair possuem uma relação estreita com magia e feitiçaria, além de alguns hábitos pouco ortodoxos como incesto (não disse que a leitura seria fácil), assassinatos e crianças predestinadas. Embora pareça um pouco difícil lidar com alguns temas, a trama é muito bem montada e amarrada — Anne Rice tem um talento imenso no que se refere a prender a atenção do leitor e ela o usa por completo nesses livros. Enquanto lia, não conseguia evitar criar minhas próprias teorias a respeito do que estava acontecendo com a família e qual era o mistério que os perseguia, estava sempre sedenta por mais.

É nesse sentido que embarcamos em uma história rica: os capítulos intercalados nos mostram os primórdios da família Mayfair, suas passagens por Nova Orleans e São Francisco, Haiti e França, os acordos que fizeram com Lasher e como o demônio foi responsável pelo enriquecimento da família com o passar dos séculos por meio do uso da magia. E assim, nesse contexto, encontramos Rowan Mayfair. Apesar de todos os personagens presentes nessa história serem riquíssimos e com muito para contar, Rowan acaba por tomar o protagonismo para si. É junto com ela, afinal, que o leitor descobre o que significa ser parte da família Mayfair e o peso do legado em forma de demônio que é Lasher. Rowan foi afastada do cerne familiar por muitos anos, vivendo do outro lado dos Estados Unidos, em São Francisco, enquanto a maior parte de seus familiares residia em Nova Orleans. Com a morte de sua mãe biológica, o legado da família recai sobre suas costas e ela precisa entender a dimensão desses novos fatos, como lidar com uma família secular cuja herança vem em forma de um poder sobrenatural como Lasher e o que fazer com tudo isso. Rowan é a décima terceira bruxa da linhagem Mayfair original e a mais poderosa, portanto Lasher faz o possível para seduzi-la de maneira a poder utiliza-la para seu propósito de se transformar em “carne”.

Além da trama rica e intricada, os livros são preenchidos com personagens femininas incríveis e muito bem desenvolvidas. Claro que eu não poderia esperar menos de Anne Rice. Mas o que me cativou mesmo, dentro de tudo isso, é a questão do legado feminino. Embora a família Mayfair não seja composta apenas por mulheres, é por elas e para elas que é transmitido todo o poder do clã além de, claro, Lasher. São as mulheres Mayfair que tomam as decisões, que realizam os rituais necessários e fazem o que é preciso para proteger a família. É uma boa virada se pararmos pra pensar que todo o legado familiar — seja a fortuna, seja o demônio de “estimação” — será passado apenas para uma mulher sendo que, por toda a história, somos lembradas de que qualquer posse de família sempre passa para o herdeiro homem. Claro que aqui estamos falando de ficção mas, de qualquer forma, novos ares sempre são bem-vindos, mesmo quando se trata de uma história inventada.

A trama da família Mayfair não é fácil de digerir. Não é um livro divertido no sentido literal da palavra, mas é um livro que vai te fazer sentir intensamente e vai te pedir paciência visto que a história se desenrola aos poucos, capítulo após capítulo, quase como se Anne Rice estivesse construindo sua narrativa tijolo por tijolo, colocando peça sobre peça e deixando que você observe, estupefato, o resultado final. Fico rasgando seda assim mesmo, descaradamente, porque A Hora das Bruxas é um livro intenso do começo ao fim. Por meio da narrativa de Anne eu pude praticamente enxergar Nova Orleans e seus casarões vitorianos, com seus quartos enormes, tacos de madeira, e buganvílias nas floreiras. Quase como se Lasher estivesse surrando maravilhas em meus ouvidos, pedindo que me juntasse a eles. Não é pra menos que Anne Rice se transformou na rainha da literatura gótica.

As bruxas dessa trama fogem totalmente dos estereótipos conhecidos: não há nada de verruga na ponta do nariz, chapéu ou vassoura voadora. As mulheres Mayfair se conectam com as forças da natureza de uma maneira muito simples e intuitiva, podem invocar entidades e são curandeiras. E dentro disso tudo, ainda são mulheres normais como eu e você. Amam, odeiam, se frustram, tropeçam. E aí está a riqueza da história. Nenhum dos personagens é totalmente bom ou totalmente ruim, as nuances, os tons de cinza que os fazem humanos estão todos lá. As bruxas foram repaginadas por Anne Rice e nesse mundo de demônios e legados, receberam um novo olhar. Aqui nenhuma bruxa é queimada na fogueira e, muito pelo contrário, possuem os poderes e os meios para serem o que quiserem.

Os livros das Bruxas Mayfair foram lançados no Brasil pela editora Rocco e, além dos volumes I e II de A Hora das Bruxas, a história continua com o terceiro livro, Lasher, e se encerra em Taltos. Se você procura por uma história intensa e intricada, vai se encontrar com o legado da família Mayfair e a narrativa envolvente de Anne Rice.


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1 comentário

  1. Legal seu texto Thay.
    Só precisa atualizar ele, já que a Anne Rice integrou o universo das bruxas Mayfair com o univero das crônicas vampirescas em A FAZENDA BLACKWOOD e CANTICO DE SANGUE.

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