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Romances eróticos contemporâneos: por mulheres e para mulheres

Quando Cinquenta Tons de Cinza, de E. L. James, foi lançado, em 2011, o livro ganhou evidência mundialmente ao descrever, com muitos detalhes, o sexo entre Anastasia Steele e Christian Grey. Ela, uma jovem universitária, ele, um CEO (Chief Executive Officer) bilionário adepto das práticas BDSM — sigla para bondage (ou amarração), disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo. Ao vender milhões de cópias ao redor do mundo, Cinquenta Tons acabou abrindo caminho para que outros romances eróticos chegassem às livrarias (tradicionais ou digitais) e conquistassem leitoras fiéis.

No Brasil, catapultada pela obra de E.L. James, autoras nacionais não demoraram em começar a explorar esse meio editorial, principalmente por meio da prática de autopublicação em plataformas digitais, como o Wattpad, site bastante usado por escritores de fanfic, e o Kindle Direct Publishing (KDP), plataforma de autopublicação da Amazon que chegou ao Brasil em 2012. Nesse contexto,  escrito por mulheres e para mulheres, os livros eróticos são presença certa na lista de e-books mais vendidos da Amazon Brasil. Ademais, destaca-se que as editoras costumam entrar na jogada depois das autoras já terem conquistado leitoras nessas plataformas.

Uma das maiores autoras de romances eróticos do país é a carioca Nana Pauvolih. Publicada por editoras como Rocco e Planeta, Pauvolih acumula mais de 250 mil livros físicos vendidos e 218 mil e-books, além de mais de 200 milhões de páginas lidas no Kindle Unlimited — serviço de assinatura da Amazon que oferece acesso a vários livros. Ex-professora da rede estadual, ela começou a escrever aos 11 anos e publicou pela primeira vez em 2011, em uma plataforma de autopublicação. “Escrevia livros que somente eu lia e depois guardava. Em 2011, resolvi mostrar um deles na internet, para saber como seria a reação de algum leitor. Felizmente várias pessoas gostaram, postei o livro todo de graça e não parei mais. Em 2012 lancei meu primeiro romance com uma editora pequena no Rio de Janeiro, continuei mostrando meu trabalho de graça na internet e vendendo também por meio digital, na Amazon, a partir de 2013”, conta a escritora.

Com leitoras fiéis, que aguardam ansiosamente uma nova publicação, e mais de 35 obras publicadas, Nana é uma escritora prolífica: “Eu planejo o livro, penso nele até o sentir, depois sento e escrevo praticamente todo dia. Não espero a inspiração chegar, pois vivo inspirada. Já escrevi sete livros em um ano, em geral agora escrevo de três em três meses um livro novo. Com exceções, claro. Já aconteceu de ter mais compromissos em um ano e escrever apenas dois livros para venda. Como também agora: tenho algumas encomendas, então já escrevi dois livros e quatro contos. Espero escrever mais dois livros até o fim do ano e mais alguns contos”, comenta a autora sobre seu processo de criação e de escrita.

No mundo da literatura erótica, Nana é conhecida por apresentar em seus livros narrativas que exploram a sexualidade a partir de várias perspectivas, por meio de uma escrita fluida e ambientada no Brasil. Destaca-se que alguns de seus livros tiveram os direitos de adaptação comprados, como Pecadora e Além do Olhar pela Galeria Distribuidora, e a série Redenção e os livros Ferida e Duplamente Ferida pela Rede Globo.

Meu primeiro contato com a escrita da autora foi com Pecadora e confesso que não imaginava que ficaria tão envolvida com os personagens. Simplesmente não consegui parar de ler. O livro conta a história de Isabel, uma jovem silenciada pela rigidez de uma família extremamente religiosa. O pai é pastor e a mãe é uma mulher dedicada à Igreja, assim, a Isabel só resta acatar os desejos dos pais.

Nesse contexto, Isabel é reprimida de todas as formas, principalmente no que se relaciona a questões sexuais, uma vez que, de acordo com a religião que seguem, sentir prazer durante o sexo é pecado. Dito isto, quando completa dezoito anos, ela tem seu casamento arranjado com Isaque, que frequenta a igreja na qual o pai de Isabel é pastor e, por causa disso, é o “escolhido” para o enlace. Depois de quatro anos de um casamento sem graça, onde todas suas vontades e desejos são reprimidos, Isabel vai começando a perceber que está vivendo uma vida que não desejou, que não é feliz. Deste modo, quando entra em cena Enrico, um homem solteiro, bonito e bem-sucedido, todos os questionamentos que rodeiam a cabeça de Isabel tomam uma dimensão que ela não imaginava.

“Eu queria sentir. Na pele, no corpo, na alma. Ansiava por sensações só minhas, experiências que ficassem na lembrança, algo que suprisse aquela falta de vida que me sufocava cada vez mais”.

Depois dessa leitura, entrei no “Nanaverso” e li outras obras da autora, como Além do Olhar, O Dia em Que Você Chegou e Dentro de Mim. No entanto, preciso destacar que outras histórias da autora contém cenas fortes e questões controversas, então é bom ficar atenta a possíveis gatilhos.

Quando estamos falando de romances eróticos há sempre um elefante na sala: a romantização de situações de violência que, no ponto de vista desta autora, ajuda a sustentar uma lógica patriarcal que naturaliza certa imagem de parceiro ou relacionamento ideal. São alguns mocinhos extremamente ciumentos, que agem de forma controladora, que tem rompantes de agressividade, mas são vistos como príncipes encantados. Entretanto, é preciso destacar que, cada vez mais, esse modelo de representação vem sendo discutido pelas leitoras e escritoras de ficção erótica em, por exemplo, espaços reservados a comentários nas redes sociais.

“A importância de reconhecer abusos nos livros”, “Clichê que odiamos na literatura: rivalidade feminina” e “A mocinha Centro de Reabilitação do mocinho”, são títulos de posts publicados pela catarinense Maria Eduarda, de 22 anos, mais conhecida como Duda, em seu perfil no Instagram, o @dudagabooks. Com uma comunidade de milhares de seguidores, ela indica romances hot e discute as problemáticas que esse subgênero carrega. No IGTV, plataforma para publicações de vídeos longos do Instagram, Duda produz o quadro “Chernovlog de Leitura”, onde ela lê livros considerados problemáticos para ver se as críticas procedem, gravando suas reações durante a leitura.

“Lembro que li uma resenha falando que Belo Desastre era problemático e, a partir daí, decidi que não iria apenas ler, mas iria criar um quadro onde eu leio os clássicos dos subgêneros do romance que são considerados problemáticos em diferentes graus”, conta Duda sobre como surgiu a ideia de criar o primeiro “Chernovlog”, que foi a respeito do livro Belo Desastre, da autora americana Jamie McGuire, tido com um clássico dos new adult — subgênero do romance que baseia-se, geralmente, na passagem da adolescência para a vida adulta. Nos comentários deste vlog, muitas mulheres contam que hoje percebem o quanto a história é questionável e tóxica, mas na época em que leram, quando eram mais jovens, não enxergaram o livro desse modo. Considero que esse reconhecimento indica o quanto avançamos na discussão do que é um relacionamento amoroso tóxico e o que é aceitável ou não em uma relação, o que é ótimo. Além de Belo Desastre, tem “Chernovlog” das obras: Inferno de Gabriel, After e Cinquenta Tons de Cinza.

Outra questão que não dá para negar é que grande parte dos romances eróticos trazem um homem de sucesso, podre de rico e em posição de poder (geralmente, um CEO), relacionando-se com uma mulher, geralmente, mais mais jovem, desajeitada, com pouca ou nenhuma experiência sexual e em posição financeiramente inferior em comparação a ele, quando não em posição de funcionária e chefe. Neste contexto, muito se discute em como esses enredos acabam por reforçar estereótipos referentes à representação feminina, uma vez que colocam a mulher em uma posição que a sociedade machista gosta: subordinada ao homem, virgem, casta, influenciável e, em algumas obras, impressionadas pela riqueza e poder do parceiro. Ademais, é preciso destacar que o sexo descrito nos romances eróticos continua sendo, na grande maioria das vezes, entre protagonistas brancos, magros, heterossexuais e monogâmico, e acaba resultando em casamento. Esses pilares, de acordo com o trabalho de conclusão do curso da comunicóloga e editora Paula Drummond, também ajudam a segurar a “permissão” dada às mulheres para gostar desse tipo de sexo, que é baseado no amor romântico.

Entretanto, apesar das questões aqui abordadas, não podemos ignorar que este subgênero literário leva muitas leitoras a pensarem mais no próprio prazer e abrir a mente a respeito da própria sexualidade — o que, por si só, é muito significativo e importante. Todavia, acredito que seja possível fazer histórias com muitas cenas de sexo, muito romance, protagonistas apaixonantes, sem as problemáticas que a gente discutiu até aqui.

“Eu sei, eu sei, você não aguenta mais homem branco vestindo terno na capa de um romance em que o nome “CEO” está em letras garrafais. Confesso que também não. Por isso te digo que essa história não é diferente de nada do que já tenha lido. Aqui temos aquele homem poderoso, controlador e meio escroto, que antes dos trinta anos já é dono de dezenas de empresas e nunca na vida precisou lavar um banheiro. Além de tudo ele parece ser adorado pelos deuses, porque é lindo num nível inacreditável e ainda é bom de cama. Temos também uma mocinha que, apesar de bem-resolvida, obviamente, vai cair nas garras do cara”.

Essa é a sinopse de Ninguém Aguenta Mais CEO, da autora pernambucana Mila Wander, 33 anos, que nos apresenta diversos clichês da ficção erótica e os trabalha com muito bom humor e, obviamente, sensualidade. Em conversa sobre este romance, Mila comentou que a ideia de escrevê-lo surgiu em um bate-papo com um grupo de leitoras. “Eu estava conversando com leitoras betas [pessoas que leem obras em primeira mão] sobre livros de CEOs. Em um momento, soltei a frase: ‘ninguém aguenta mais CEO’. Depois que disse isso, comecei a pensar em um livro onde tudo que acontece nos clichês acontecesse na narrativa”. Assim, a referida obra narra o envolvimento de Bruna, uma mulher independente e muito gente como a gente, com o seu chefe Thomas Orsini.

Típico CEO podre de rico dos romances eróticos, Thomas imediatamente se interessa por Bruna, uma mulher independente que, ao invés da maioria das protagonistas de livros hot, não é uma moça magra e virginal. Ela, como todas nós, tem dilemas e questões, mas sabe muito bem o que pode oferecer em uma relação. Confesso que me acabei de rir com as tiradas da personagem, como “o maior erro do jovem contemporâneo é dormir com o ficante”, e com situações clássicas dos romances com CEOs, como um inusitado passeio de helicóptero, contadas de uma maneira diferente. Além de fazer uma sátira do clássico dos romances hot, Wander aborda assuntos sérios, como a violência contra mulher e aborto, de maneira muito sensível.

Entre publicações solo ou em parceria, Mila Wander tem mais de 30 projetos publicados, como O Safado do 105, O Canalha do 610, Dominados e a trilogia Despedida de Solteira. Entretanto, ela conta que, inicialmente, teve dificuldade em colocar erotismo em suas obras. “No começo eu tinha muita vergonha, nunca fui de falar abertamente sobre sexo por causa da minha criação, que foi mais rígida, então tive muita dificuldade. Mas eu queria muito escrever, isso foi na época do boom de Cinquenta Tons de Cinza. Também tinha os livros da  Sylvia Day e começaram a surgir outros livros eróticos, que gostei e me identifiquei. Assim, acabei colocando o erótico nas minhas histórias, porém, no inicio, foi bem difícil internamente para mim. Mas depois que eu fiz o primeiro, fiz o segundo, fiz o terceiro, o processo ficou mais fácil”.

Sejamos sinceras, a sexualidade feminina ainda é tratada como tabu. O diálogo sobre sexo e sexualidade, infelizmente, costuma ser deixado de lado durante a nossa educação ou, quando abordada, vem carregada de um clima de proibição. Neste contexto, a literatura erótica contemporânea parece ser um grande passo para nós falarmos de sexo abertamente, visto que apresenta o ponto de vista feminino, ou seja, a mulher é tratada como um ser que deseja, não só como objeto de desejo. Isso se deve principalmente pelo fato dos livros serem escritos, majoritariamente, por mulheres, para mulheres. No entanto, não podemos deixar de lado que, por vezes, a estrutura patriarcal da nossa sociedade acaba sendo internalizada nesses produtos culturais.

Desta forma, como você já deve ter percebido, não é o intuito desse texto “demonizar” os romances eróticos contemporâneos, mas sim argumentar que, apesar de todas as problemáticas, esse subgênero literário aproxima mulheres em torno de uma temática sexual e incentiva discussão pública desses livros, como em redes sociais. Afinal, ler é algo maravilhoso e qualquer estilo de leitura é válido.

5 comentários

  1. São livros escritos por mulheres e “para mulheres”, mas que para mim são livros, em sua maioria, ruins e medíocres. Quer dizer, só porque a sexualidade feminina e os seus desejos sexuais são considerados tabus, apesar de que nos dias de hoje nem tanto(ainda bem) não quer dizer que todas as mulheres gostem. Claro que é minha opinião, sei que muitas gostam de serem submissas sexuais e no âmbito geral da vida as vezes, tais quais as personagens de seus livros. Porém, essa temática nunca me apeteceu e por isso não me representa. Já li outros livros de romance erótico de que gostei, como os livros da Elle Kennedy, e entre outros.

    1. Oi, entendo seu comentário, apesar de achar ele confuso. Fazer a relação literatura erótica = mocinhas submissas é um tanto quanto complicado… Não gostar de um gênero literário é normal mas tratar todos os livros como medíocres é uó né.

  2. Eu gosto do gênero erótico, eu falei que não gostava da temática que os livros da sua postagem apresentam, que são mulheres submissas e sempre em uma posição de poder inferior ao homem, homens dominadores e controladores que são tratados como deuses. Claro que achar eles medíocres é minha opinião, mas dizer que os tipos de livros citados acima são para mulheres é generalizar. Existem diversos tipos de livros eróticos, e são pouquíssimos os que me agradam. Acredito ser uma pena existirem poucos livros onde a protagonista tem poder e é confiante, e o mocinho foge dos padrões dos livros acima.

  3. ok, entendi seu ponto :), porém há diversas autoras que estão tentando entender esses clichês e trabalha-los, de uma outra maneira, em suas histórias. Mermã, esse texto não é meu :/

    1. Eu pesquisei sobre os livros das autoras e blogueiras acima, e não vi nenhum progresso ou algo minimamente feminista. Continua sendo mulheres perseguindo cenários e fantasias “eróticas” onde o homem é um deus e a mulher uma insípida. Cara, agora que você falou que percebi que não era seu texto. My bad ‘_’

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