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Por que gostamos tanto de acompanhar a vida das Helenas?

Novelas solares. É assim que já definiram várias novelas de Manoel Carlos. Mas, com personagens que só vão à praia de calça jeans e sapato social, podem ser consideradas realmente solares? Personagens que passam mais tempo em Petrópolis usando blusas de lã, envolvidos em cobertas macias, com fogo na lareira, do que em Angra num barco, mergulhando de biquíni.

Já que não há praia envolvida, as novelas de Maneco têm outro tipo de solaridade. Leves, na maioria das vezes recheadas de acontecimentos chocantes numa roupagem simples, do dia a dia; que, ao mesmo tempo em que nos chocam, também nos fazem dar de ombros exclamando “ah, mas é claro que isso iria acontecer!” para a tela da TV. Novelas que foram feitas para serem assistidas tomando um café da tarde cheio de bolo e bolachinhas, biscoitinhos, suco, na companhia da visita de uma amiga íntima com aquele sol de 16 horas entrando pela janela e deixando tudo meio preguiçoso.

A primeira novela original do autor na Rede Globo — que não foi baseada em algum livro como Helena (1952), Maria, Maria (1978) ou A Sucessora (1978) — foi Baila Comigo, de 1981. Um ano antes, Manoel Carlos havia colaborado com Gilberto Braga em Água Viva (1980), escrevendo o núcleo do casal Márcia (Natália do Vale) e Edir (Cláudio Cavalcanti). Embora nos apresentando sua primeira Helena (Lilian Lemmertz) e já tendo muitas das tramas e núcleos que o autor usaria incessantemente ao longo de sua carreira, Baila Comigo é uma novela fortemente influenciada pelo estilo de Gilberto Braga. A finesse pela qual Maneco seria conhecido ainda não se faz tão presente no folhetim.

Depois de Sol de Verão (1982), marcada pela tragédia da morte do ator protagonista (Jardel Filho) e finalizada por Lauro César Muniz e Gianfranscesco Guarnieri, veio a segunda Helena de Maneco: Maitê Proença em Felicidade (1991). Suburbana, sofredora, batalhadora, lembrava uma versão mais jovem da Helena de Baila Comigo, ainda não bem o perfil das Helenas que viriam depois: cariocas de classe alta, refinadas, decididas, já estabelecidas em seus lugares no mundo e na sociedade.

Esse tipo de Helena é apresentado pela primeira vez em História de Amor (1995), coincidindo também com a primeira Helena de Regina Duarte. A atriz interpretou versões de Helenas em três novelas de Maneco: História de Amor, Por Amor (1997) e Páginas da Vida (2006). Além dela, Helenas tiveram como intérpretes Vera Fischer em Laços de Família (2000), Christiane Torloni em Mulheres Apaixonadas (2003), Taís Araújo em Viver a Vida (2009) e Júlia Lemmertz em Em Família (2014). Tirando a última — Em Família foi uma novela soturna com grande rejeição —, todas as outras Helenas e suas tramas caíram na graça do público e fizeram um sucesso enorme. Exceto talvez pela Helena de Taís Araújo, que acabou perdendo espaço em Viver a Vida para o núcleo de Luciana (Alinne Moraes), que continha uma trama de superação após a mimada modelo sofrer um acidente e ficar paraplégica. O sucesso dos folhetins não se deu apenas em suas exibições originais, mas em todas as reprises que o conglomerado Globo se propôs a apresentá-las, tanto na íntegra no Canal Viva, quanto editadas no Vale a Pena Ver de Novo.

Vera Fischer e Reynaldo Gianecchini como Helena e Edu em Laços de Família

As Helenas de Maneco têm vidas sonorizadas pela Bossa Nova de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Suas filhas são um grande problema em suas vidas, é verdade, mas que elas acabam tirando de letra. Elas têm rivais amorosas muitas vezes “histéricas”, que fazem loucuras pelos homens que não as querem mais, mas as Helenas também as superam com falas marcantes. As Helenas raramente saem no tapa com alguém, embora suas filhas vivam dando e levando bofetadas.

Frequentam restaurantes e bares caros, pedindo comidas finas, que anos depois talvez se popularizarão na mesa do brasileiro médio. Elas dançam com seus interesses amorosos ao som de Sinatra, viajam para a Europa e EUA, e chegam no trabalho às dez da manhã após esnobar um café da manhã de hotel que suas empregadas negras prepararam enquanto dizem “não vou comer nada, Cida/ Maria/ Neuza, estou atrasada”. Donelena é rica. Classe alta, A, 2%. Passa seus dias nas coberturas do Leblon sem precisar pensar em muita coisa além de suas mazelas amorosas.

E mesmo assim, sem representar muito como a maioria dos brasileiros vive, acompanhamos capítulo após capítulo de monólogos e diálogos que apresentam falas em que nos vemos nos personagens. Na própria Helena, em suas filhas, em suas rivais, em seus interesses amorosos, nas rivais de suas filhas; cada um desses tipos tem momentos em que o público sente uma empatia e conexão. Manoel Carlos é, sem pretextos, um cronista do cotidiano. Apresenta as pequenas conversas que temos diariamente com quem nos cerca em roupagem casual, sem muitos dramas, de forma afiada e natural. Até mesmo seus personagens mais expansivos são contidos se comparados ao estilo de outros autores.

Só se aproxima de Lícia Manzo, que tem a mesma finesse de colocar seus personagens para perguntar se os outros “podem conversar” naquele momento. Uma frase usada no convívio familiar e pouco vista em folhetins, mas que figura frequentemente nas obras da autora. Apesar disso, suas novelas são muito mais psicológicas se comparadas ao cotidiano de Maneco. Lícia usa e abusa dos traumas de criação e geracionais para introduzir conflitos em suas tramas; já o autor prefere usar as relações de querer e não querer para gerar embates entre seus personagens.

Lícia Manzo

Nesse ponto, lembra a “californiana” Nancy Meyers, roteirista americana de comédias românticas de sucesso (Alguém Tem Que Ceder, de 2003, e Simplesmente Complicado, de 2009). Nem tanto pela comédia, embora as Helenas às vezes se encontrem em situações um tanto ridículas, mas que logo são cortadas por momentos de seriedade. Nancy Meyers e Manoel Carlos têm em comum o uso da figura da mulher sofisticada de meia idade como personagem principal. Os ambientes pelos quais essas mulheres maduras transitam são requintados, ensolarados, decorados em madeira e tons de bege; oferecendo aos nossos olhos o desejo de passar temporadas relaxantes no Leblon ou no Sul da Califórnia, caminhando pelas praias de calça capri e cardigã com a brisa do mar batendo em nossos rostos.

Ocorre o mesmo ao lermos ou assistirmos romances de ficção históricas como Jane Austen, Julia Quinn, Tessa Dare, Nora Roberts, José de Alencar, entre outros. No filme Austenland (2013), a protagonista Jane (Keri Russell) tem a oportunidade de frequentar uma experiência temática em que se insere por um tempo na época de Jane Austen. Mas por pagar menos descobre que seu pacote a faz ser da “classe média baixa” da época. As Helenas são nossas contemporâneas, mas equivalem às protagonistas burgo-aristocratas desses romances: como moças de uma classe abastada, não trabalham nem estudam, mas passam horas pensando em situações que envolvem seus interesses amorosos ou as pessoas ao seu redor. Experiências fora das vivências da maior parte dos habitantes do mundo passado ou atual (desconsiderando, talvez, influencers do Instagram).

Quando assistimos às vidas das Helenas — ou comédias românticas e romances de ficção histórica —, usamos esses personagens que transitam entre Leblon e Barra como expiação para não termos que encarar a realidade de nossa própria existência. A vida de Brancas, Almas e Lorenas não se afetam pela inflação, pela falta de saúde pública ou pelos cortes de Ministérios governamentais.

As Helenas vivem nesse mundo cor de rosa onde poucos problemas as atingem, embora elas achem que a vida delas é cheia deles. E durante os meses em que suas vidas são apresentadas em nossa TV, também podemos fazer parte desse mundo leve e tranquilo, mesmo que de forma distante. O mundo que Maneco criou em suas novelas é um escape válido para as dificuldades de nossas vidas, até mesmo porque acontece apenas 1 hora por dia, seis a cinco dias por semana, durante alguns meses. Após o final do capítulo, desligamos a TV e voltamos à realidade, até ser o momento de acompanhar mais uma vez Helena ser convidada para um almoço de domingo à beira da piscina.

1 comentário

  1. Poderia fazer uma publicação sobre isto em relação a novela Salve Jorge, por exemplo a filha da delegada Helo, uma garota mimada que não trabalha, acha que os pais devem fazer tudo por ela e não tem respeito pelos costumes e regras da Turquia. Essa novela tinha tanto potencial mas deixou a desejar em relação ao desenvolvimento dos personagens e educação do filho.

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