Categorias: LITERATURA

O Fantasma de Anya: o coming-of-age sobrenatural de Vera Brosgol

O Fantasma de Anya, graphic novel de Vera Brosgol vencedora dos prêmios Eisner, Harvey e Cybils, foi lançada no Brasil pelo selo de quadrinhos da DarkSide Books com tradução de Dandara Palankof, em uma edição super caprichada, no tão conhecido padrão de qualidade da editora. Em pouco mais de 200 páginas, o leitor é conduzido no universo de Anya, uma adolescente nascida na Rússia que emigrou com a mãe para os Estados Unidos quando ainda era criança.

Anya já está relativamente adaptada à sua vida nos Estados Unidos: não tem mais sotaque russo quando fala, se veste como suas colegas e tem aquele ar de que nada nunca está bom para ela, uma atitude revoltada que parece cultivar com receio de não conseguir se estabelecer de fato entre aqueles de sua idade e em um mundo em que tudo é medido pela régua da popularidade. Anya sente vergonha de sua ascendência russa e da família, deslocada nos Estados Unidos devido a sua cultura, não consegue aceitar a própria aparência, tão diferente das meninas estadunidenses, e não sente que se encaixa na escola, o que a faz carregar um peso muito grande nas costas ao não entender quem verdadeiramente é e qual é o seu lugar no mundo.

Exasperada após discutir com sua única amiga e ver o crush com a namorada, Anya decide matar aula e se encaminha para uma trilha vazia perto da escola, que atravessa um parque. Distraída e com pena de si mesma, Anya cai em um poço e se vê sem meios de sair dali sozinha. No lugar isolado em que se encontra, ninguém parece ouvir seus pedidos de socorro, até que Anya percebe que não está de todo sozinha dentro do poço. Ali há, também, um esqueleto. E com o esqueleto, o espírito de Emily.

Após o primeiro susto e grito de pavor ao se deparar com Emily e seus restos mortais, Anya fica com pena do espírito da menina que parece ser gentil e inocente, esquecida naquele poço há décadas. Emily conta a Anya que foi brutalmente assassinada, mas não sabe quem a matou e a colocou naquele poço. Quando Anya é, enfim, resgatada por uma dupla de rapazes que escuta seus pedidos de socorro, Emily vai junto com ela a fim de que possam elucidar juntas o mistério que permeia seu assassinato.

O Fantasma de Anya

Em um primeiro momento, a presença de Emily junto à Anya parece um acidente fortuito, visto que o espírito consegue ajudar a adolescente em suas provas, passeando pela sala de aula e vendo as respostas dos colegas, e até dando conselhos amorosos para ela quando o crush aparece. Mas o que parecia uma união perfeita começa a tomar ares sinistros quando a personalidade da doce e gentil de Emily parece mudar assim que Anya dá início à sua investigação para descobrir como a menina foi assassinada. A história contada por Emily não parece bater com as informações que Anya encontra, o que deixa a adolescente tensa com o que pode vir a descobrir.

Assim a narrativa da graphic novel é desenvolvida em um misto de coming-of-age com pitadas de sobrenatural, falando também sobre família e amizade de uma forma muito sensível e sincera. Vera Brosgol, que nasceu na Rússia assim como sua protagonista, coloca muito de sua própria história e família na narrativa de Anya, deixando a trama ainda mais verossímil para o leitor. As questões de Anya quanto à sua herança cultural, quanto sua aparência e lugar no mundo, são questões intrínsecas a qualquer jovem, e de qualquer lugar do mundo. A adolescência é um momento de muitas dúvidas, e O Fantasma de Anya desenvolve esse viés muito bem ao mostrar os rompantes de Anya, sua insatisfação e revolta com tudo reflexos dos sentimentos que ela, ainda muito imatura para compreender, não consegue analisar e lidar muito bem.

O ritmo da graphic novel faz com que seja impossível parar a leitura, sempre recheada de diálogos bem escritos, arte admirável e uma ótima virada de roteiro. As interações de Anya com sua família a mãe e o irmãozinho caçula funcionam como um ponto de descontração em meio à trama mais densa da protagonista. Além de Anya e sua família, Dima é outro personagem russo que aparece na graphic novel e sofre muito bullying por não se adequar ao padrão estadunidense de como ser e agir. Até mesmo Anya age de maneira cruel com Dima em alguns momentos, mas isso muda de figura quando ela começa a perceber melhor o que significa seu comportamento.

O desenvolvimento pessoal de Anya é fascinante de acompanhar. Se ela começa a narrativa como uma típica adolescente rabugenta, ao final ainda estamos como uma adolescente rabugenta, porém muito mais consciente de seu lugar no mundo e de quem verdadeiramente é. O Fantasma de Anya é uma graphic novel de leitura rápida e fácil, mas que surpreende pelos tópicos tratados e a forma como o são. A mensagem que fica ao final é que não devemos ter medo de ser quem somos, principalmente se isso significa usar sua voz como seu maior poder.

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a DarkSide Books.


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