Categorias: HISTÓRIA, LITERATURA

Mulheres na Segunda Guerra Mundial: perspectivas na ficção

Dentre as muitas guerras que constituem a história humana, a Segunda Guerra Mundial é, muito provavelmente, aquela sobre a qual a ficção se debruçou com a maior frequência. A ficção histórica, no entanto, tende a ser um campo extremamente amplo; amplo o suficiente para comprovar sua inesgotabilidade, sobretudo quando observado através de novos primas. As vivências femininas durante a guerra, por exemplo, só muito recentemente passaram a receber maior atenção, ganhando espaço entre relatos de experiências que sempre pareceram exclusivamente masculinas.

Ainda que fictícias, as histórias abaixo jogam luz sobre as vivências femininas dentro e fora do front, e recordam não apenas um período histórico essencial para entender os caminhos percorridos pelo ser humano, mas que muitas vezes também recorrem a acontecimentos e personagens reais, levando suas histórias o mais longe possível.

As Agentes Secretas de Paris, Pam Jenoff

segunda guerra

Em 1946, Grace Healey encontra uma mala abandonada na Grand Central Station, em Nova York; dentro dela, uma única pista: fotos de várias mulheres com seus nomes escritos do verso. Para descobrir quem elas são (e a quem pertence a mala), Grace pega as fotos e inicia uma busca que, eventualmente, a leva ao nome de Eleanor Trigg, uma antiga  dirigente de uma rede de agentes secretas que, durante a Segunda Guerra, enviara as 12 mulheres das fotos para a França ocupada por nazistas, onde as mulheres atuaram como mensageiras e operadoras de rádio.

Não é preciso dizer que, entre as 12 enviadas, poucas são as que voltam para casa. Para as que conseguem retornar, as feridas físicas e psicológicas são uma realidade. Marie, aquela com quem Grace se vê mais fortemente envolvida, demonstra o quanto isso é verdadeiro: sua história revela o companheirismo e a coragem que existe entre as mulheres, mas também o quanto uma guerra pode mudar para sempre a vida de uma pessoa. Pam Jeoff utiliza como base as histórias reais de agentes mulheres que serviram a Executiva de Operações Especiais (SOE) durante a Segunda Guerra, cujo objetivo era realizar serviços de espionagem, sabotagem e reconhecimento na Europa ocupada por nazistas. Estima-se que três mil mulheres serviram a SOE durante a guerra. — Compre! 

A Caçadora, Kate Quinn

segunda guerra

Nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, como outros países das Américas, tais quais o Brasil e a Argentina, tornaram-se o lar de inúmeros nazistas que, fugindo da Europa para não responderem por seus crimes, encontraram no país um refúgio. Conforme explica Kate Quinn, durante suas pesquisas, ela descobriu que não havia recursos disponíveis, tampouco organizações responsáveis pela investigação de criminosos nos EUA, o que tornava o país um destino bastante atrativo para os foragidos. Assim, em A Caçadora, a autora escreve die Jägerin, uma nazista que toma os EUA como lar e que, entre outros crimes, foi responsável pelo assassinato de seis crianças judias, e de um prisioneiro inglês que conseguira fugir de um campo.

Embora seja uma personagem fictícia, die Jägerin foi baseada na ex-guarda de campo Hermine Braunsteiner, que atuou no campo de Ravensbrück e cumpriu uma breve sentença antes de se casar com um estadunidense e se mudar para os Estados Unidos; e Erna Petri, esposa de um oficial da SS que, durante a guerra, encontrou um grupo de seis crianças judias próximo de sua casa e, após alimentá-las, matou todas a tiros. Braunsteiner foi rastreada somente na década de 60, quando se tornou a primeira criminosa de guerra nazista a ser extraditada dos Estados Unidos. Petri também encontrou a justiça apenas nos anos 60, tendo sido julgada e condenada à prisão perpétua em 1962.

Além de die Jägerin, A Caçadora apresenta outras duas mulheres: Jordan McBride, uma jovem estadunidense que eventualmente se vê envolvida na caçada pela nazista, e Nina Markova, um ex-combatente da União Soviética que serviu ao 46° Regimento de Aviação de Bombardeiros Noturnos da Guarda Taman — as Bruxas da Noite. Nina tem o seu caminho cruzado com o de die Jägerin ainda durante a guerra e o que acontece entre elas a impulsiona a buscar vingança. Sua trajetória, no entanto, começa muito antes, e é um perfeito vislumbre da contribuição feminina durante a guerra. Conforme explica a autora, Nina foi baseada em mulheres como a tenente Serafina Amosova-Taranenko, a tenente sênior Yevgeniya Zhigulenko, a navegadora Irina Kashirina e a capitã Larisa Litvinova-Rozanova e seus feitos reúnem os feitos dessas e outras tantas mulheres que fizeram parte do 46° Regimento. Além disso, personagens reais como Marina Raskova e Yevdokiya Bershanskaya surgem como personagens, o que nos permite conhecer nomes e histórias que, para muitos, permaneceram nas sombras até então. — Compre! 

A Intérprete, Annette Hess

Ainda que tenha vivido na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, Eva era apenas uma criança durante o conflito, o que fez com que suas lembranças fossem bastante vagas. É somente anos mais tarde, e já uma mulher adulta, quando é designada para trabalhar como intérprete nos julgamentos sobre Auschwitz, traduzindo os relatos dos sobreviventes dos campos, que Eva tem maior contato com os horrores da guerra, o que a leva a um processo de iluminação — a um nível histórico, mas também pessoal. A presença constante nos julgamentos a leva a entender (não sem alguma surpresa) que, para cometer atrocidades não é preciso ser um monstro, apenas uma pessoa comum, discussão que permanece bastante complexa — não porque culpados não devam ser julgados, mas pela capacidade do ser humano médio em agir com tamanha barbaridade. A experiência também joga luz sobre o passado da família de Eva, que se revela muito mais sombrio do que ela, sendo apenas uma criança à época do conflito, poderia imaginar.

Ao contrário do que se possa imaginar, A Intérprete não é um livro rápido: suas pouco mais de 200 páginas passam com alguma dificuldade e mesmo o tema que aborda não é suficiente para fazê-lo correr com mais fluidez. Ainda assim, Annette Hess, a autora, levanta questões essenciais e faz um aceno óbvio, mas contundente, a Hannah Arendt e ao conceito de banalidade do mal. Conforme explica Arendt em Eichman em Jerusalém: “O problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terríveis e assustadoramente normais.” Ao seu próprio modo, A Intérprete reforça essa ideia, utilizando a ficção como sua ferramenta. — Compre!

As Mulheres do Castelo, Jessica Shattuck

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Viúva de um líder da resistência alemã assassinado por conspirar contra o führer, Marianne é deixada com uma missão pelos companheiros de seu marido: encontrar e proteger suas esposas caso os planos do movimento não fossem bem-sucedidos. Assim, após a guerra, ela retorna ao seu castelo, agora em ruínas, na região da Bavária, herança da família do marido e outrora cenário de festas e encontros da alta sociedade alemã, para iniciar as buscar pelas viúvas da resistência. Duas são as mulheres encontradas por ela: Ania e seus dois filhos, localizada em um campo de trabalhos forçados, e Benita, esposa de um amigo de infância de Marianne, encontrada em situação de prostituição (seu filho é encontrado por Marianne algum tempo antes).

Embora a resistência e a perda sejam denominadores comuns entre as três mulheres, elas não são suficientes para torná-las mais próximas. Marianne, por vezes incluída em reuniões do movimento e, por isso, mais próxima de seus membros, se esforça para construir uma nova família a partir de um passado comum, esquecendo-se que o movimento é apenas uma parcela da vida de Benita e Ania, cujas vivências são tão distintas quanto foram suas experiências na guerra. A maneira como lidam com a vida após o conflito é uma consequência direta de quem elas se tornaram, algo que Marianne não pode controlar. São mulheres assombradas pelas lembranças da vida que tinham antes da guerra, de uma vida durante o conflito e, finalmente, por aquela que lhes resta construir para garantir a própria sobrevivência. Diferente de romances sobre mulheres que atuaram em combate ou como agentes secretas, As Mulheres do Castelo não se vale de histórias reais ou de pessoas específicas como base, mas não deixa de expor a realidade de muitas mulheres que sobreviveram ao conflito e se viram sozinhas em meio aos destroços.  — Compre!

Codinome Verity, Elizabeth Wein

segunda guerra

Em 1943, um avião britânico sofre uma pane e cai em plena França ocupada por nazistas. Nele, estão presentes apenas duas pessoas: Margarett Brodatt, então piloto da Air Transport Auxiliary (ATA), e sua melhor amiga, Julie Beaufort-Stuart, agente secreta da Executiva de Operações Especiais (SOE). Impedidas de voltar para casa, Maddie e Queenie, como são mais conhecidas, tentam sobreviver em território inimigo, mas o acidente é apenas o primeiro de uma sucessão infeliz de eventos que culmina na captura de uma delas pela Gestapo — um lembrete de que, em meio à guerra, a sorte também é um fator determinante entre a vida e a morte.

Mais do que uma excelente obra de ficção, Codinome Verity lança luz sobre dois trabalhos distintos realizados por mulheres durante a Segunda Guerra: o de agentes secretas e de pilotos de transporte aéreo. Ela mesma uma piloto, Elizabeth Wein conta, na primeira edição do livro, publicada no Brasil pela Editora iD em 2013, que sua ideia inicial era escrever um livro apenas sobre uma piloto, mas que, durante suas pesquisas, decidiu acrescentar uma agente da SOE. Wein destaca ainda que, embora não houvessem tantas mulheres quanto homens nessas tarefas, elas eram reais e trabalharam tanto quanto o sexo oposto. Muitas foram mortas em suas posições.

Ainda que seja uma obra de ficção, alguns episódios e personagens do livro também são baseados em pessoas e eventos reais. Nem todos são especificados, mas outros sim, como é o caso do espião preso ao olhar para o lado errado da rua. São anedotas que, no fim das contas, comprovam que este ainda é um campo extenso e que existem muitas histórias a serem contadas — e a ficção, apenas uma forma delas. — Compre! 


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