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Matrix Resurrections: quando viver na Matrix é uma escolha

Em 1999 foi lançado o primeiro filme da série Matrix. Naquela época, os computadores começavam a fazer parte da vida das pessoas e a internet era um conceito um pouco confuso na cabeça do cidadão médio. Lembro de usar um computador enorme, que ia ficando amarelado com o tempo e precisava de uma escrivaninha inteira para seus vários componentes. O computador, que era do meu pai, tinha um incrível Windows 98 instalado e era preciso colocar uma capa transparente em cima de tudo quando desligasse para não pegar pó. No final daquele ano, um temor geral de que o Bug do Milênio ia gerar um caos generalizado (eu tinha só cinco anos e me lembro com pavor das notícias no Jornal Nacional), demonstrava o quanto a internet parecia ameaçadora.

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Matrix mexeu com a cabeça das pessoas porque tratava de questões filosóficas profundas, inerentes à condição humana: o que somos? Para onde vamos? A vida é realmente só isso? Mas juntava a isso a tecnologia, um novo componente que gerava dúvidas tão profundas quanto as de origem filosófica. O segundo e o terceiro filmes da franquia aprofundam essas questões. Com base em diversas teorias filosóficas e uma estética anos 2000, Matrix conquistou uma geração que usava descanso de tela com números verdes brilhantes falando sobre angústias do momento em que tudo parecia mudar rápido demais.

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Quase 20 anos depois, o mundo é muito diferente. O lançamento de Matrix Resurrections, o quarto filme da franquia, veio num momento ainda mais peculiar da nossa história. No meio de uma pandemia, quando a maioria das pessoas passou a se apoiar ainda mais nas tecnologias e a internet invadiu abruptamente diversas áreas da vida de todos. Pessoas que não estavam acostumadas a ligações por vídeo, tiveram que se acostumar. Reuniões com amigos, trabalho, shows, tudo acontecia on-line. No meio de tudo isso, solidão, desespero, medo do desconhecido em proporções que a maioria nunca havia experimentado.

Os questionamentos de Matrix voltam ainda mais intensos nesse período em que a tecnologia e a internet permeiam toda a nossa vida. No início do filme, The Matrix é apresentado como um jogo de videogame de muito sucesso nos anos 2000. Um jogo desenvolvido por Thomas Anderson (Keanu Reeves), com um personagem chamado Neo e com diversas cenas que já sabemos de cor: Neo desviando de balas vestindo um sobretudo preto, Trinity (Carrie Ann Moss) correndo na motocicleta. Um jogo que todo mundo conhece e jogou na infância, fazendo com que Anderson seja reverenciado no mundo dos games, enquanto luta contra o que parece ser uma esquizofrenia tomando grandes e brilhantes pílulas azuis diariamente. Enquanto assisti aos primeiros minutos, me questionei se a narrativa realmente ia tomar esse rumo, se a Matrix seria uma mentira muito bem contada a partir dali.

A utilização dessa metahistória no enredo é feita de maneira genial numa narrativa que trata, desde o início, de uma realidade virtual elaborada para parecer real, que engana as pessoas ao longo de todas as suas vidas. A diretora Lana Wachowski utiliza o recurso para tentar explicar algumas coisas a um público mais jovem e que não conhecia os filmes anteriores, o que deixa algumas partes da história um pouco arrastadas para quem já sabe do que se trata.

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Com o encontro de Thomas Anderson e Trinity, o espectador descobre que a Matrix continua sendo real e a história The Matrix realmente aconteceu. O reencontro de Neo e Trinity é um dos pontos altos no filme, pois trata do envelhecimento, da passagem do tempo e das escolhas que fazemos ao longo da vida. O filme respeita a história original, com personagens muito bem construídos, dando aos fãs aquele gostinho de que estamos de fato assistindo a uma continuação de algo que gostamos muito.

Os seres humanos buscam formas de compreender a realidade desde que o mundo é mundo. Vejo que o principal questionamento que Matrix Resurrection traz continua sendo o mesmo: essa é a realidade? A vida é isso? A tecnologia, que pode ser uma ferramenta útil para nos ajudar a responder essa pergunta, parece até agora nos trazer mais angústias e dúvidas. Se o primeiro Matrix apontava que talvez estivéssemos vivendo numa simulação tão bem feita que parecia a realidade, hoje em dia os jogos em realidade aumentada fazem isso descaradamente. Existe tanta diferença assim entre a Matrix e o metaverso? Estamos todos os dias tomando a pílula azul e fim da história: nos anestesiando na internet?