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MC Carol e Karol Conka: elas vieram para incomodar e nós as amamos por isso

Esse texto vai vir para tombar a cara da família tradicional brasileira. Sabe por quê? É muito chato para essa galera aceitar que a representação da música do país está mudando. Ela está ficando empoderada. Ela está vindo das camadas mais pobres do país. Ela está ficando negra. Ela está tendo cada vez mais discurso de representatividade. E tudo que incomoda machistas e opressores, nós feministas e toda a população que se importa com os avanços sociais amamos.

Não importa se é com “K” ou com “C”, o nome do momento no meio musical é Carol/Karol. Uma vem de Curitiba, a outra de Niterói. Uma é do gueto, a outra vem dos bailes da favela. Ambas são negras e tiveram que enfrentar o preconceito dos amigos e da família para seguir a carreira musical. Hoje vamos falar sobre Karol Conka e MC Carol, essa dupla de mulheres negras e poderosas que entenderam que a arte de nada vale se não transmitir uma mensagem reflexiva sobre os problemas da sociedade.

Karol Conka já rompe barreiras desde o início de sua carreira profissional, quando lançou, em 2011, a música “Boa Noite”. A rapper garantiu o seu espaço em um mercado musical predominantemente masculino e nunca mais saiu. Conka é estrategista em suas letras. Utiliza um som marcante, com uma voz diferente, e consegue reproduzir nas baladas da elite brasileira músicas que trazem nas entrelinhas ponderações sobre a realidade e a ascensão do povo negro.

Uma música recente da rapper chamada “É o Poder” é um exemplo perfeito disso. Karol é conhecida por ter um estilo extravagante. Roupas e maquiagem coloridas, com muito brilho, bem no estilo Lady Gaga no início da carreira. E por ter tantos pontos chamativos, a letra passa despercebida pelos ignorantes, como a própria Karol disse em uma recente entrevista para o site Papel Pop.

Karol Conka e Mc Carol 2

“Eu arranjei uma maneira de fazer, de falar sobre problemas sociais de uma maneira alegre, descontraída, a ponto de que os ignorantes não percebam que eu estou passando uma mensagem para aqueles que sabem absorver”, explica a rapper. “É uma coisa, tipo assim, além do que a vista alcança. Se você ouvir lá no fundo é outra parada”, complementa. Uma outra crítica que Conka enfatiza nesta entrevista é a questão da televisão não transmitir músicas de empoderamento negro e que façam críticas ao atual sistema político brasileiro.

Já MC Carol brinca de fugir dos padrões. É negra, de comunidade, gorda e feminista. Fala para quem quer ouvir e para quem não quer. É sem dúvida uma das maiores letristas do Brasil.  MC Carol sabe o verdadeiro significado do funk, o estilo musical que surgiu nas comunidades e conquistou o mundo. Dificilmente suas músicas não trazem reflexões sobre problemas sociais.

Eu sinceramente não me recordo de quase nenhuma música da Carol Bandida, como também é conhecida, que não tenha cunho social. “Vou Largar de Barriga” fala sobre a gravidez na adolescência, muito comum nas regiões mais pobres do Brasil, “Tô usando Crack”, traz a problematização dos usuários de drogas, “Não foi Cabral”, que faz uma crítica ao Descobrimento do Brasil, destacando a quantidade de mortes e problemas que os portugueses trouxeram para a população indígena do país, e tantas outras.

A última música lançada por MC Carol veio como um tiro: “Delação Premiada” é a canção que o Brasil estava precisando. Ela reflete a necessidade urgente que uma reformulação no sistema de Direito Penal brasileiro. Onde já se viu o julgamento do bandido branco e que veste gravata ter foro privilegiado e delação premiada, cela separada e prisão domiciliar, enquanto o bandido da favela é torturado e jogado nesse sistema presidiário grotesco do Brasil pela milícia da Polícia Militar? Já diz a letra da música: “Não existe justiça se o assassino tá fardado”.

Delação Premiada” é uma canção complicada de ser lançada. Embora MC Carol já tenha estabelecido certo poder no mundo musical, como ela própria disse na entrevista ao Papel Pop, é perigoso falar sobre a atuação da polícia nas favelas. Elas, Carol Bandida e Karol Conka, têm medo de serem perseguidas. Elas ainda correm esse risco. A liberdade de expressão, no caso dessas duas mulheres, pode custar caro.

Se já não bastasse músicas solos incríveis, eis que este mês, no dia do aniversário da MC Carol, essas duas maravilhosas nos presentearam com o TÃO esperado dueto, e claro, a letra veio para causar. O título não podia ser diferente: a nova canção se chama 100% feminista, e traz a dupla, como de costume, falando sobre os desafios das mulheres de se imporem e conquistarem seus espaços em uma sociedade machista, onde encontramos a misoginia em cada equina. Enfatizando a questão da opressão às mulheres, Carol Bandida e Conka falam sobre suas experiências e o que ambas acham do feminismo.

Recentemente, MC Carol foi alvo de uma manifestação racista em sua página do Facebook, daqueles tipos de comentários de não precisam nem ser mencionados. Mas felizmente, Carol Bandida é super bem resolvida consigo mesma, e respondeu uma maneira…. bem Carol Bandida.

Como boas feministas, elas não desistem de seus direitos, e engana-se quem acha que a representatividade e o empoderamento de Mc Carol e Karol Conka acabam no meio musical. Recentemente, ambas estrelaram uma campanha da Avon, falando sobre beleza para TODAS as mulheres. Normalmente, quando temos uma propaganda com protagonistas negras, é uma campanha focada apenas na beleza negra. Mas neste caso foi diferente. Elas foram convidadas para representar todas as mulheres, sem separação de cores. Já estava mais do que na hora.

É de suma importância que as linhas de cosméticos propaguem esse tipo de mensagem. Infelizmente, é muito comum vermos mulheres negras que não encontram maquiagens que regulem com o tom de pele mais escuro. Inaceitável. Não é cabível que em pleno século XXI o mundo da moda não tenha passado uma reformulação de conceitos e estereótipos. Já passou da hora de termos maquiagens para todos os tons de pele. Já passou da hora de termos todos os modelos de roupas até os tamanhos especiais, e não uma seção específica para quem veste mais de 48. Já passou da hora de tanta coisa.

Mas infelizmente, esse pensamento só alcança a galera de mente aberta, e é por isso que precisamos cada vez mais da ascensão de artistas como Karol Conka e MC Carol. Portanto, queridas artistas, continuem lutando, continuem incomodando e fazendo apresentações lacradoras como vocês fizeram este ano no Lollapalooza, continuem produzindo a arte reflexiva, porque o movimento feminista e o negro precisam muito de vocês.

3 comentários

  1. matéria incrível, esse ano conheci a Iza uma artista como a tempos não via, até achei que ela era gringa acredita ? Isso nos mostra como a falta de representatividade de artistas, cantoras negras no país é tão grave, que quando olho alguém com essas características penso que são internacionais, não por mal, mas sim por essa cultura que nos foi implantada. Enfim, no final queria te agradecer por me apresentar essas novas artistas, é maravilhoso saber que o país está em revolução no meio musical, a elite queira ou não, já tava passando da hora.

    <3

    1. Pois é Ingrid! Já passou da hora do ambiente artístico brasileiro ser representado pela maioria da população, não é mesmo? Fico feliz que tenha gostado do texto e de te apresentar essas artistas incríveis!

      Beijos!

  2. Preciso falar sobre a MC Carol. Eu fui a um show dela e resolvi ir embora quando ela cantou uma música na qual humilhava outra mulher. O contexto da música era: ela ficava com um cara que tinha namorada e dizia “enquanto eu gozo com ele, ela chora”, além de muitas outras coisas. Isso me causou um desconforto enorme, principalmente por saber que as pessoas consideram a MC Carol feminista. Pra mim, o que eu percebi naquele momento, é que o feminismo que ela defende gira em torno dela: pra ter o corpo que quiser, pra vestir o que quiser, pra falar o que quiser. Não estou entrando no mérito de uma música que fala sobre traição, minha crítica não é uma questão moral. Meu problema é com o fato de ela se exaltar enquanto humilha outra mulher.

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