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Crítica: Um Pequeno Favor

Stephanie Smothers (Anna Kendrick) se apaixona por Emily Nelson (Blake Lively) à primeira vista. Quando Emily sai do carro em frente à escola do seu filho, o coração de Stephanie acelera e tudo que ela consegue ver é Emily: os pés calçados em sapatos de salto pisando no chão molhado, o terno elegante e elaborado, o guarda-chuva que ergue com tranquilidade, a firmeza dos seus movimentos, o cabelo loiro esvoaçante e, finalmente, seu rosto radiante mesmo que emocionalmente distante. Stephanie vê em Emily alguém que ela quer ser e quer ter. É no espaço ambíguo entre esses dois desejos que se passa Um Pequeno Favor, baseado no romance de mesmo nome escrito por Darcey Bell.

Atenção: este texto contém spoilers!

A primeira parte do filme é uma história de sedução: martínis gelados, peças de roupa cuidadosamente escolhidas e retiradas, danças desajeitadas ao som de música francesa, casas vazias, confissões sussurradas, gargalhadas altas. Emily e Stephanie, Stephanie e Emily, circulando e se aproximando, atraídas uma pela outra por razões óbvias — o magnetismo natural da sofisticada Emily, a conveniência da perfeccionista Stephanie — e por razões mais complicadas — a proximidade com o luto, as relações familiares violentas, os segredos profundamente enterrados sob máscaras cuidadosamente construídas.

Um Pequeno Favor

No entanto, essa sedução é interrompida quando, poucas semanas depois, Emily desaparece, sem deixar rastros. Stephanie, sempre dedicada ao máximo, decide usar sua pequena plataforma, um vlog voltado para outras mães, para divulgar o sumiço da melhor amiga e pedir ajuda. É então que a narrativa muda de tom, de um romance (apesar de — quase — sempre platônico) para um thriller policial, enquanto Stephanie investiga o que aconteceu com Emily: será que ela está morta? Será que foi sequestrada? Será que fugiu? Quem é responsável? O que Emily esconde?

Logo na introdução do filme, em seu vlog, Stephanie diz que talvez não conhecesse Emily tão bem quanto imaginava. Mais à frente, Sean (Henry Golding), o marido lindo, mas sem graça de Emily, diz que sua mulher sempre foi um enigma. Mas é Diana (Linda Cardellini), uma ex-namorada de Emily que a conheceu em outra época e por outro nome, quem chega ao cerne da questão ao declarar que nunca entendeu uma mulher tão linda querer ser tão invisível. O problema, claro, é que Stephanie viu Emily — a profundidade de sua conexão, os segredos que as duas escondem, faz com que Stephanie entenda partes de Emily que Sean e Diana não conseguem acessar. Apesar das superfícies tão distintas que são quase opostas, Emily e Stephanie são fundamentalmente semelhantes, incapazes de escapar ou se esconder uma da outra.

É com essa constatação que o filme muda de tom mais uma vez, se aproximando mais da obra do diretor Paul Feig — conhecido por filmes cômicos como Bridesmaids, Spy e Ghostbusters), com contornos farsescos que delineiam a perseguição e as manipulações de Stephanie e Emily. A trama revelada, envolvendo incesto, assassinato, mentiras, segredos, frustrações e rivalidades suburbanas, se desenrola em uma reta final que poderia ser incompreensível de tão cheia de reviravoltas, mas que, executada com maestria e o equilíbrio perfeito entre seriedade e humor, leva a surpresas e gargalhadas em igual medida.

Uma parte aparentemente fundamental do filme, mas propositalmente pouco memorável, é o triângulo amoroso que se estabelece entre Emily, Sean e Stephanie. Após o desaparecimento de Emily, Stephanie e Sean se apaixonam e começam a se relacionar, criando um conflito moral e emocional conforme a trama se torna mais e mais elaborada. No entanto, apesar do livro no qual o filme é baseado dar mais peso para Sean, que é um dos três pontos de vista que nos apresentam à história, a adaptação faz questão de colocar Sean em segundo plano: suas motivações são pouco claras, sua personalidade é superficial, sua própria existência é puramente em função de Emily e, depois, de Stephanie. É uma subversão interessante da dinâmica cinematográfica do triângulo amoroso, em que o homem é a razão e o fim do conflito entre duas mulheres; no caso de Um Pequeno Favor, ele é uma consequência.

Um Pequeno Favor foi comparado a livros/filmes como Garota Exemplar e A Garota no Trem. Entretanto, essa comparação faz um desserviço ao aspecto mais interessante do filme escrito por Jessica Sharzer — roteirista também de outra narrativa que transita entre gêneros, American Horror Story: seu amor pela ambiguidade e pelos espaços e sobreposições entre amores, desejos, tons e estilos. É nisso que Um Pequeno Favor realmente se destaca, na incerteza constante e no desconforto triunfante de quando se mergulha no desconhecido.