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Bunheads: Gilmore Girls no paraíso

Se os personagens de Gilmore Girls fossem todos das artes, morassem em uma cidadezinha mais pacata, menos entrosada e a Sutton Foster aparecesse por lá, o que aconteceria? Bunheads, é o que aconteceria.

A série, infelizmente curta demais e cancelada após apenas uma temporada, é cria de Amy Sherman-Palladino, idealizada após a criadora de Gilmore Girls deixar sua produção principal. Centrada em Michelle (Sutton Foster), uma show girl de Las Vegas que se casa em busca de amor e estabilidade, Bunheads explora o que acontece quando ela se muda para Paradise, a pequena cidade californiana onde mora o marido. Depois de um acidente que causa a morte dele pouco tempo após a união, Michelle precisa aprender a conviver com a sogra, com os julgamentos e a dinâmica muito diferente da qual estava acostumada.

Primeiro porque Michelle era uma show girl, e sua sogra, Fanny (Kelly Bishop, a eterna Emily Gilmore), é dona de um estúdio de balé localizado nos fundos da propriedade da família. As diferenças entre os métodos das duas dançarinas logo ficam evidentes: Fanny é uma professora rígida em suas regras e na valorização do balé. Michelle, por sua vez, tem cerno cinismo em torno da carreira como dançarina, encarando-a com menos preciosismo.

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Fanny em si é uma personagem fascinante. Ela é mãe, mas sua existência não se limita a isso. Como frequentemente ocorre aos personagens de Amy Sherman-Palladino, ela é uma personagem de múltiplas facetas e cumpre o papel de amiga, amante e profissional. Acima de tudo, ela é uma figura de autoridade e respeito. Algumas das melhores cenas em Bunheads são protagonizadas por ela e suas bailarinas, porque é quando a dinâmica da relação de mentor e aprendizes fica mais clara. Mas o relacionamento entre Fanny e Michelle, conforme a série progride, também se estabiliza, e ainda que elas tenham suas diferenças, conseguem construir uma amizade singular.

Fanny, no entanto, não é a única a possuir conflitos com Michelle; para muitos dos moradores da cidade de Paradise, Michelle é, afinal, um grande choque. Truly (Stacey Oristano), por exemplo, ex-namorada do seu marido e uma mulher incapaz de gerenciar o próprio negócio, é uma das pessoas que têm dificuldade em aceitar sua presença na cidade. Assim como o barista renomado e excêntrico (interpretado por Sean Gunn, o Kirk de Gilmore Girls), que se recusa a servir um café sem floreios; ou mesmo o conselho da cidade, que não está aberto a qualquer tipo de mudança.

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Além dos arcos relacionados a Michelle, há também o núcleo das bailarinas, as bunheads que dão nome à série (em inglês, bunheads é um gíria para bailarinas). As meninas, Ginny (Bailey De Young), Boo (Kaitlyn Jenkins), Melanie (Emma Dumont) e Sasha (Julia Goldani Telles) também possuem suas questões. Crescer em uma cidade pacata pode ser difícil para uma garota em idade de formação e, assim como em Stars Hollow, todos estão envolvidos nas vidas uns dos outros. As jovens bailarinas lidam com relacionamentos conturbados, problemas familiares, além da transição para a vida adulta, tudo isso enquanto treinam todos os dias sob as regras de Fanny.

Sasha e Boo, no entanto, se destacada por terem os melhores arcos narrativos. Boo por ser a menos magra em relação a suas colegas (mas que dificilmente poderia ser considerada gorda), se sente menos bonita por isso, em muito pelos estritos padrões de beleza impostos às bailarinas, o que faz com que ela evite se colocar em posições de destaque. Em casa, ela também precisa cuidar dos irmãos, uma vez que a mãe, por conta de uma gravidez delicada, precisa ficar na cama a todo o tempo. Isso faz com que Boo se sinta desconectada da realidade das amigas — o que, em última instância, também proporciona uma reflexão sobre seus sentimentos, que, embora nasçam e se desenvolvam em uma realidade específica, podem ser experienciados em diferentes cenários.

Sasha, por sua vez, possui problemas com os quais é muito nova para lidar: depois do divórcio dos pais, ela se vê obrigada a mudar de cidade, mas, sem querer deixar as amigas e a dança, ela acaba ficando em Paradise sozinha. A partir de então, Sasha precisa assumir o papel de adulta — muitas vezes a vemos organizando a casa ou pagando contas — enquanto também vive questões típicas da adolescência, como a escola e relacionamentos. É um paradoxo, porque ela de repente se torna responsável por cuidar de si mesma, mas ainda fica insegura ao flertar com um garoto.

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Bunheads é o tipo de série que causa sentimentos mistos. Se, de certa forma, ela coloca vários personagens interessantes, também cria histórias desconexas. Muitas narrativas começam — por exemplo, a questão de Boo com a autoimagem — e nunca são aprofundadas. Outras são dignas de fanfic, como é o caso de Sasha, aos 16 anos, tendo que morar sozinha sem ninguém dizer nada. No fim, parece que o cancelamento precoce da série a prejudicou nisso também: muito continuou em aberto. É difícil dizer se a própria série não se prejudica colocando coisas demais em cena ao mesmo tempo, porque nada passa da superfície. Quem sabe com mais temporadas, teríamos a chance de ver essas histórias se desenvolverem.

O fato de Bunheads ser uma série da Freeform (antiga ABC Family), emissora americana conhecida por seriados que tratam de questões adolescentes e familiares, faz com que arcos narrativos sobre angústias adolescentes ganhem destaque. Mas apesar de seus ótimos momentos, parecia certo o fato de a série não poder durar — é um fato recorrente na Freeform, onde as séries parecem não ter uma vida tão longeva.

Um fator muito legal sobre Bunheads é a relação com a dança e a música. Ainda que seja esperada, considerando a proposta da série, é interessante notar que a dança não é deixada de lado para priorizar outros assuntos, coisa que poderia ter acontecido. Pelo contrário, a maioria dos enredos é trazida para a dança, há discussão das personagens sobre as dificuldades e há tempo de tela dedicado à prática, aos ensaios e apresentações. E nem sempre é um clichê de balé: minha favorita é uma performance de Sasha ao som de “They Might Be Giants”.

Bunheads é uma série que só pode ser descrita como adorável. Brigas entre mulheres que não envolvem homens, personagens interessantes, empoderamento feminino, questões familiares e diálogos rápidos: as marcas de Palladino estão lá, ambientadas perfeitamente em Paradise. Alguns rostos familiares surgem — em especial, Liza Weil fazendo uma versão investidora rica de Paris Geller brigando com a versão artista de Emily Gilmore — e não dá para não ficar com saudades de Gilmore Girls. Para quem busca uma série gostosinha de ver, com a sensação de familiaridade e números de dança incríveis, fica a recomendação.

1 comentário

  1. Queria só deixar a dica de outra série que se passa com essa temática da dança, que é Dance Academy. Se passa na Austrália, são 3 temporadas (com final!) e tem todas na Netflix. Delícia de assistir <3

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