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Bruxas: a relação entre a mulher e a jovialidade imposta pela sociedade

Uma coisa é certa: é impossível pensar no mês de outubro e não lembrar de abóboras, morcegos, chapéus pontudos e todo o misticismo que o Dia das Bruxas carrega. Bruxas são figuras do imaginário popular que podem ser interpretadas de maneiras diferentes conforme a cultura e as referências que se têm de sua figura. Em algumas culturas, elas são apontadas como mulheres sábias, com conhecimentos sobre a natureza, o funcionamento de ervas e a cura de doenças — conhecimento transmitido de geração em geração para outras mulheres. Não à toa, muitas dessas mulheres foram condenadas à morte por pregarem um conhecimento contrário ao professado pela fé católica — basta lembrar do período sombrio da Inquisição e as provações pelas quais essas mulheres tiveram que passar.

A literatura também dá conta de bruxas que usaram seus poderes para se vingar de quem ia contra elas, o que apenas serviu para solidificar o mito que as demonizavam. O fato de terem coragem de usar seus conhecimentos para ajudarem pessoas necessitadas chamou a atenção para essas mulheres e suas práticas: como sabemos, tratavam-se de mulheres que sabiam ler e escrever, e praticavam a medicina. Como tudo o que é diferente causa estranhamento, a forma de intimidar essas mulheres foi fazê-las passar pela Inquisição e outros modos de tortura para confessarem sua relação com a magia negra e o diabo.

Muitas mulheres sobreviveram escondidas, não revelando seus conhecimentos medicinais, de línguas estrangeiras, vivendo nos arredores de aldeias. Assim nascia o estereótipo da bruxa como uma mulher fora dos padrões, que vivia em meio à natureza e comiam crianças, nas quais se baseiam muitas lendas e contos de fadas. Como era comum que crianças se perdessem nas florestas e não encontrassem o caminho de volta para casa, a culpa era atribuída às bruxas, que viviam nesses lugares e, supostamente, seriam responsáveis pelo desaparecimento — mais um motivo para que as pessoas “de bem” expurgassem esse mal.

A busca pela jovialidade eterna, desejo também presente no mito da bruxaria, é outro ponto construído socialmente. A busca pela beleza e juventude eternas servem de mote para inúmeras histórias transmitidas pela cultura popular — seja a Madrasta de Branca de Neve, que teme ser subjugada pela princesa mais jovem, ou a trama de American Horror Story envolvendo a Suprema (interpretada por Jessica Lange) e suas jovens bruxas tuteladas; Fiona, a citada bruxa Suprema, é obcecada pela juventude e ignora todos os sinais de envelhecimento do seu corpo. Um dos seus poderes mais usados é a drenagem da vida de suas vítimas, em que ela literalmente absorve a juventude, jovialidade e vitalidade dessas pessoas. Fiona é muito vaidosa e encontrou no elixir da vida uma maneira de ser eternamente jovem — matando suas vítimas para manter a juventude, a Suprema assegura que ninguém tome seu posto como bruxa mais poderosa do coven, posição que ela mantém há 300 anos.

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A busca pela juventude transcende o desejo pela beleza. O pensamento de que todas as mulheres devem ser as mais bonitas e sensuais gera a crença de que, dessa forma, será possível se destacada em meio a outras mulheres. Esse tipo de pensamento é o gatilho que faz girar todo um mercado capitalista focado em vender mais cremes, em comercializar milagres de beleza, roupas que te deixam mais nova, e assim por diante. Notamos que cada dia mais o relógio está contra a mulher: as mais novas querem acelerar seus dias de menina para se tornarem mulheres mais cedo, enquanto as mais experientes querem que o relógio pare para que possam continuar jovens. A publicidade reforça que, para chamar a atenção, a falta de rugas e um corpo sem flacidez são mais importantes do que o intelecto, fazendo a mulher refém de um pensamento retrógrado.

São várias as tramas que se desenvolvem ao redor das brigas entre mulheres em torno do posto de mais bela. No caso das bruxas, muitos são os filmes, livros e histórias em que elas precisam da alma de crianças para se manterem jovens. Dentre eles, Abracadabra é meu favorito. Lançado em 1993, a história do filme possui dois momentos: quando conhecemos as Irmãs Sanderson, três bruxas muito peculiares que foram condenadas pelo assassinato de Emily (Amanda Shepherd) e pelo desaparecimento de Binx (Jason Marsden); e 300 anos mais tarde, quando são chamadas da morte por meio de um feitiço no Dia das Bruxas.

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Winnie (Bette Midler), Mary (Kathy Najimy) e Sarah (Sarah Jessica Parker) são as típicas bruxas dos contos de fadas, donas de uma casa cheia de rabos de lagartixas pendurados, pelos de rato e um livro com um olho que tudo vê. Como toda mulher que sabe demais, elas não eram bem vistas no povoado de Salém e foram acusadas pelo desaparecimento de uma jovem da aldeia. Condenadas à forca, elas lançam um feitiço que faz com que a vela da chama negra que está em sua casa seja o portal de volta delas, independente de quando isso acontecer. Nesse meio tempo, o irmão da jovem assassinada, Binx, foi transformado em um gato preto por ter atrapalhado os planos das bruxas. No entanto, 300 anos mais tarde, um rapaz chamado Max (Omri Katz) encontra a casa das bruxas junto com a irmã, Dani (Thora Birch), e sua colega, Allison (Vinessa Shaw), e acendem a vela que trará as irmãs Sanderson de volta. Ao voltar à vida, as irmãs não entendem que o tempo passou e, portanto, acreditam que ainda têm poderes e que todos os personagens de Dia das Bruxas são reais (em uma das melhores cenas, elas encontram um homem vestido de Diabo e o chama de Mestre, acreditando que ele seja o verdadeiro demônio).

Uma vez vivas e sedentas por jovialidade, as bruxas usam sua voz feminina e sedutora para atrair crianças até sua casa. Lá, elas usam suas almas para se tornarem imortais. Para as três mulheres, sugar uma jovem alma as faz se sentir mais ativas, poderosas e, consequentemente, mais bonitas. A juventude em Abracadabra traz diferentes significações para as bruxas: é a chave para uma vida eterna de muito poder, conhecimento e práticas de feitiçaria; é uma armadilha em formato de sedução para se infiltrar em famílias com crianças que garantem vitalidade à elas; é através de sua beleza que conseguem a confiança dos pequenos e jovens da aldeia. O belo não lhes pode trazer mal — o que leva ao pensamento incutido socialmente de que o feio é maléfico, ruim.

A relação que se constrói desde a criação da menina até tornar-se mulher, de ser sedutora, conquistar, não falar demais, de não ser você mesma, está inserida na sociedade desde muito antes das histórias infantis e da publicidade. A palavra “bruxa” continua, ainda hoje, a ser utilizada de forma pejorativa. Mas o que dizer das bruxas boas? As Hermiones, Minervas, Tonks, Sabrinas, Samanthas, Wiccas, Winks? Qual o papel delas nessa relação? Sabe-se que a busca por conhecimento está no cerne de suas trajetórias, que elas batem os pés para serem elas mesmas sempre — e se isso significa ser uma bruxa, então que sejamos todas bruxas.