Muito se discute sobre a falta de representatividade no mundo audiovisual. Protagonistas predominantemente brancos, personagens negros estereotipados, mulheres submissas e a ausência LGBTQIA+: embora tenhamos séries como Sense 8 e Orange is the New Black, que produzem um conteúdo direcionado a essas minorias, elas ainda são uma pequena parcela. E, nesse sentido, Shonda Rhimes foi uma pioneira na quebra de estereótipos, com uma brilhante visão de representatividade.
A roteirista lançou sua primeira série em 2005. Já em sua primeira temporada, Grey’s Anatomy trouxe para o ambiente hospitalar mulheres e pessoas de diferentes etnias em cargos de chefia e em profissões predominantemente brancas. Para Rhimes, esses seriam os objetivos de suas produções: igualdade de cores e gênero. Não é à toa que a série já foi renovada para sua 13ª temporada.
Saindo do cenário cirúrgico e migrando para o ambiente político, Scandal foi mais uma produção empoderadora. Protagonizada por Kerry Washington, a série fala sobre uma ex-funcionária da Casa Branca, que largou o cargo e abriu a própria empresa, focada em gestão de crise. Novamente, Rhimes quebra estereótipos ao escalar uma personagem negra dona do próprio negócio. Nada de submissão e papéis pré-rotulados, apenas a história de uma mulher que lutou para conquistar seus direitos no mercado de trabalho. Mas a genialidade de Shonda Rhimes veio com sua mais nova produção, How to Get Away With Murder.
Em uma única personagem, a escritora consegue representar a comunidade negra, o empoderamento feminino e a causa LGBTQIA+. Protagonizada pela icônica Viola Davis, a série traz a história de uma advogada que utiliza de toda a sua inteligência e capacidade profissional para se safar de assassinatos e casos em que ela defende os verdadeiros culpados. Quando duas mulheres como Rhimes e Davis se juntam para falar de representatividade através de um mecanismo tecnicamente imaginário, a inteligência se mostra cada vez mais evidente.
Nenhuma outra atriz poderia viver Annalise Keating. Viola Davis dá aulas de atuação ao trazer os conflitos psicológicos de uma personagem que precisa lidar com as barreiras de ser uma mulher negra com destaque no mercado. Para completar, a vida pessoal da Annalise é um quebra cabeça e traz o ápice da dramatização da série.
Uma negra que foi casada com um branco e que mantinha um caso com outro homem. Conflitos internos ao ter uma mulher com quem se relacionou no passado reaparecendo nessa sua teia amorosa. Desafios impostos pela sociedade de ser sempre uma mulher forte e com uma aparência exemplar. Alcoolismo como válvula de escape. Viola dá vida a uma das personagens mais complexas da teledramaturgia atual, e seu brilhantismo não poderia passar despercebido.
No ano passado, Viola Davis foi a primeira negra a vencer a categoria de Melhor Atriz Drama na premiação mais importante dos programas de TV dos Estados Unidos, o Emmy. Ao receber o prêmio, a atriz fez jus à todas as pessoas que ela representa, fazendo um discurso reflexivo, que enaltecia a importância da representatividade da comunidade negra na TV: “A única coisa que separa as mulheres negras das outras é a oportunidade”.
O brilhantismo de Shonda, evidenciado pela quantidade de fãs que ela possui e também pelos críticos, só enaltece a necessidade de termos cada vez mais escritores e roteiristas que façam parte dos principais movimentos sociais. Rhimes é uma mulher negra e por isso consegue trazer com naturalidade uma protagonista mulher e negra. Ela sabe como transmitir os desafios que os negros e as mulheres têm de enfrentar todos os dias para serem reconhecidos perante a sociedade conservadora que, infelizmente, está voltando com toda a força. Por mais que tenhamos escritores simpatizantes das causas, somente aqueles que sentem na pele todos os dias os desafios da sociedade é que podem falar de forma aberta e esclarecedora sobre suas lutas e conquistas.
Sempre digo que, apesar das séries televisivas terem um enredo fictício, de nada adianta elas estarem no ar se não representarem a sociedade como um todo. O entretenimento engloba muito mais do que entreter, no sentido de diversão. Precisamos cada vez mais de conteúdos reflexivos, educativos e principalmente, representativos. Cansamos dos estereótipos. Somos a geração da problematização, usando aqui o termo não no sentido negativo, como muitas pessoas adoram reproduzir por aí, mas no sentido de que levantamos questões para aquilo que nos incomoda. Somos a geração do debate, e como tal, vamos continuar enfatizando a questão da representatividade, até que tenhamos muitas “Shondas Rhimes” em Hollywood e no mundo.