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Crítica: O Plano de Maggie

Uma mulher e o desejo de ser mãe. Esse é o ponto de partida de O Plano de Maggie, filme mais recente de Rebecca Miller que promete, ao acompanhar a trajetória de sua personagem principal, contar a história de uma mulher que decide ter um filho de forma independente e todos os conflitos que surgem a partir de sua decisão – uma proposta que às vezes funciona, às vezes não.

Atenção: o texto contém spoilers!

Eu não quero que essa seja minha última opção. Eu quero que seja uma escolha porque estou pronta para ser mãe, diz Maggie (Greta Gerwig) quando questionada pelo seu amigo e ex-namorado sobre a decisão de ter um filho de maneira independente, ainda nos primeiros minutos de filme. Tony (Bill Harder), um homem branco, acredita que ter um filho sozinha é a saída encontrada por mulheres desesperadas de 49 anos para realizar o sonho da maternidade, uma ideia imediatamente rejeitada por Maggie que, por sua vez, vê na escolha a saída para tomar as rédeas da própria vida e realizar seu sonho sem depender do sucesso de seus relacionamentos – uma parte de sua vida que nunca a fez se sentir realizada.

A situação, no entanto, muda um pouco de figura quando Maggie conhece John (Ethan Hawke), um professor alguns anos mais velho e completamente perdido na vida, que está passando por uma crise em seu casamento. Assim, Maggie se transforma em uma amiga cujo principal papel é levantar a autoestima de John, minada por anos pelo sucesso profissional de sua esposa, Georgette (Julianne Moore). Não demora muito para que a história dos dois se transforme em um romance – reforçando, aliás, um clichê bastante comum na ficção de que mulheres e homens não podem construir amizades genuínas – que culmina no fim do casamento de John e, posteriormente, na realização do sonho de Maggie de se tornar mãe. Poderia ser o final de uma comédia romântica qualquer, mas esse é apenas o início da trajetória de Maggie – como mãe, como esposa, mas principalmente, como mulher.

Embora a paternidade de sua filha não seja questionada, o filme deixa no ar a possibilidade de que Lily não seja fruto da união de Maggie e John, mas sim da doação de Guy (Travis Fimmel), um antigo conhecido de Maggie que concorda em doar seu esperma para inseminação. A trama, no entanto, não usa a dúvida como base, mas se constrói a partir dos relacionamentos de duas personagens muito distintas e a relação dessas mulheres com os diferentes papéis que desempenham em suas vidas: Maggie e Georgette.

O Plano de Maggie 2

Ainda que Maggie seja, indiscutivelmente, a protagonista da história, a presença de Georgette assume um papel fundamental na narrativa e abre um leque de possibilidades que não ficam óbvias de imediato. Sua participação, construída inicialmente como uma presença do qual Maggie deve manter distância, se torna parte essencial do processo de amadurecimento e conhecimento próprio de ambas as personagens que encontram, juntas, uma saída para seus próprios problemas. Quando o casamento de Maggie começa a fracassar, se tornando um fardo com o qual ela precisa lidar sozinha já que, ironicamente, John se transforma em uma versão da mulher que demonizou durante anos, é justamente a presença – às vezes indesejável – de Georgette que indica que as coisas de fato estão indo mal e que ela precisa tomar uma atitude antes que se veja fingindo ter um casamento feliz, como ela mesma diz em determinado ponto do filme.

Nesse sentido, é interessante perceber como a maternidade surge como âncora de Maggie. Ainda que ela não fique alheia ao que acontece em seu casamento e saiba para onde ele caminha, e sofra por isso, é como mãe que ela finalmente exerce o papel que sempre acreditou ser seu e no qual se sente inteiramente confortável e realizada. Ao lado de Lily, ela protagoniza cenas completamente triviais, mas que se mostram de uma delicadeza tão profunda que, de repente, se tornam absolutamente essenciais. São elas a prova mais doce de que, para algumas mulheres, a maternidade não é um fardo, mas uma experiência única e especial. Talvez por isso, o fato de seu casamento estar desmoronando não exerça um papel maior do que o necessário em sua vida. O romance não é uma parte essencial da trajetória de Maggie e isso não a torna infeliz, muito pelo contrário – e aí é um alívio que, justamente um filme que se diz uma comédia romântica, apresente uma personagem que não coloca seus romances como uma prioridade em sua vida, capaz de validar ou não sua felicidade.

Ao mesmo tempo, Georgette mostra que o oposto também é possível, e que uma mulher pode muito bem se sentir realizada em sua carreira e, ainda assim, almejar por um relacionamento amoroso. Embora o fim de seu casamento com John seja motivado exclusivamente pela incapacidade dele em aceitar uma mulher mais bem sucedida profissionalmente, seu sentimento por ele continua intacto e o carinho entre os dois é perceptível a cada encontro ou conversa ao telefone, o suficiente para que Maggie perceba que a história dos dois ainda não acabou e bolar um plano para provar que John e Georgette nasceram para ficar juntos – daí o nome do filme.

Parece um desenrolar estranho de fatos e, de fato (!), é. Entretanto, a união pouco provável entre as duas mulheres – a ex-esposa e a “””outra””” – constrói uma dinâmica que, fora a relação de Maggie com sua filha, é o maior trunfo do filme. Ainda que os motivos por trás dessa união sejam bastante questionáveis, as duas conseguem, em meio ao caos em suas vidas e de forma bastante honesta, construir uma cumplicidade inesperada que se baseia exclusivamente na busca pela felicidade – onde quer que elas acreditem que essa felicidade está. Se por um lado, Maggie deseja apenas se ver livre do marido para viver sua vida em paz com a filha, Georgette deseja ter sua antiga vida – e seu marido – de volta.

O Plano de Maggie 3

O plano, claro, acaba dando muito errado e ambas se veem, mais uma vez, unidas – dessa vez, pelo fracasso. Entretanto, é a partir dessa história tão cabeluda que Miller constrói uma narrativa que subverte (às vezes de maneira delicada, às vezes nem tanto) a imagem de duas mulheres que, em determinado momento de suas vidas, se viram como parte de um triângulo amoroso. Enquanto John pinta Georgette como uma mulher fria, calculista e impiedosa, que nunca se importou com ninguém além de si mesma e nunca valorizou o casamento ou os filhos, Maggie é tida como a mulher boazinha, que está sempre disposta a se anular em função do marido, que cuida da casa de forma apropriada (o que quer que isso seja) e que chega a transmitir um certo ar de inocência que passa longe da imagem de Georgette. Chega a ser ridícula a forma como o filme, por vezes, força a barra ao traçar uma linha entre a personalidade de suas duas personagens, mas ao mesmo tempo é curioso ver como ambas possuem perfis muito diferentes daqueles que seriam óbvios em uma representação masculina da mulher traída e da “””outra”””, o que torna o filme, senão muito mais fiel à realidade, ao menos uma representação mais complexa dela.

O Plano de Maggie não é, de forma alguma, um filme perfeito. Ele falha em muitos aspectos e, por vezes, se apoia em discursos problemáticos que são incansavelmente difundidos em produções audiovisuais dos mais diferentes gêneros, além de apostar em saídas fáceis que nunca são capazes de convencer o espectador por completo e que, em suma, tornam o filme bastante esquecível. Entretanto, enquanto obra dirigida e roteirizada por uma mulher, O Plano de Maggie se torna um respiro de ar fresco ao mostrar que a independência da mulher é possível nos mais diferentes âmbitos de sua vida e que não é preciso estar em um relacionamento amoroso para encontrar a felicidade. Nós somos donas dos nossos narizes e podemos fazer o que bem entendermos, quando entendermos, e essa, talvez, seja a principal mensagem de Rebecca Miller no final das contas.

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