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Crítica: Em Pedaços

Muitas vezes, temas que são polêmicos e muito abordados nas grandes mídias, quando vistos sob uma ótica mais próxima, ficam nebulosos, inexatos e difíceis de entender. No fim, o caminho mais fácil (e talvez o certo) é o de entender que muitas coisas funcionam como um espectro, e que a cor predominante é o cinza. Muitos temas estão nessa área cinza.

Em diversos momentos, o problema é cultural e institucional, como o racismo, o machismo e a xenofobia. Mas quando olhamos de perto, vemos que são as pessoas que estão reproduzindo padrões e discursos de ódio que muitas vezes foram ditos e repetidos gerações antes delas. Nada disso é para ser usado como desculpa para passar a mão na cabeça de quem é racista, machista ou xenófobo. Tais comportamentos são errados e precisam ser combatidos. Mas como combater anos e anos de história? Como combater o mal que está incrustado na nossa sociedade?

São questões como essas que povoaram minha mente depois de ver Em Pedaços, filme dirigido por Fatih Akin e protagonizado por Diane Kruger. O filme se passa em Hamburgo, na Alemanha, e acompanha Katjia Sekerci (Kruger), uma mulher casada com um homem turco-alemão, Nuri Sekerci (Numan Acar), que trabalha como tradutor e, anteriormente, cumpriu pena por tráfico de drogas. O casal tem um filho de seis anos, Rocco.

Em Pedaços

Atenção: este texto contém spoilers!

Em Pedaços começa com imagens caseiras do casamento de Katja e Nuri, que aconteceu quando Nuri ainda cumpria pena na prisão. São várias as parcelas da vida do casal a que temos acesso durante o filme, sempre na forma de imagens caseiras, filmadas por eles mesmos pelo celular ou por uma câmera amadora; pedaços de uma família feliz e saudável, quase o oposto do resto do filme. A vida família se altera quando um atentado na frente do escritório de Nuri — a explosão de uma bomba — mata pai e filho. Katja havia saído com a amiga, Brigit (Samia Chancrin), e recebe a notícia quando está indo buscar o marido e o filho na volta para casa. O trauma de perder a família de uma hora para outra e sem qualquer motivo aparente a faz se despedaçar.

A investigação, num primeiro momento, tenta achar alguma conexão entre Nuri e o crime organizado, já que ele havia sido condenado e preso no passado. Mas a verdade é que Nuri não lidava mais com drogas e era um exemplo de reinserção social. A polícia passa a acreditar, então, em Katja, quando ela afirma que a bomba fora plantada por uma organização neo-nazista. Katja tem várias tatuagens e a última delas ainda não havia sido terminada quando aconteceu o atentado. Em pedaços, ela vive o luto e, ao mesmo tempo, sente a responsabilidade de vingar o crime que matou sua família. Ela acompanha de perto — como co-autora do processo e também como testemunha — o julgamento do casal culpado.

Crimes, mesmo aqueles chamados de “ódio”, ou “passionais”, são julgados como qualquer outro: através de provas e evidências, testemunhos claros, argumentos convincentes, sempre baseados nos fatos. Mas e quando o crime é resultado do preconceito, do ódio geracional que, apesar de ser temido e condenável, continua presente na nossa sociedade? Como julgar uma, ou duas pessoas, pelo peso cultural que elas carregam? A resposta é que nem a justiça consegue ser tão justa, nem mesmo quando as evidências apontam para os reais culpados. Infelizmente, sempre há brechas.

O filme é dividido em três partes: família; justiça e mar; uma produção inteira feita por pedaços. É após a justiça falhar com Katja que ela se responsabiliza pela punição dos criminosos. Quando as instituições falham, resta aos cidadãos resolverem os problemas individualmente. O nazismo é errado para o juiz alemão, mas as pessoas julgadas pela morte de Nuri mesmo assim foram inocentadas.

Diferente de muitos filmes do gênero, Em Pedaços é mais humano quando fala sobre assuntos e problemas sociais. Por mais que a Alemanha como nação (assim como outros países) tenha tido que lidar com o pós-guerra e os crimes cometidos em nome da ideologia nazista, pessoas foram culpadas pelas atrocidades, assim como também pessoas morreram como vítimas. O filme aproxima a lente quando é desagradável olhar de perto. Quando a nação e as instituições falham com os indivíduos, a solução encontrada (por Katja e por outros) é fazer a justiça com as próprias mãos; a solução é retribuir na mesma moeda.

Katja recolhe seus pedaços; ela enterra os pedaços dos corpos do marido e do filho, ela termina a sua tatuagem, ela decide não acabar com a sua vida antes de acabar com a sua vingança. Katja lida com o luto de maneira violenta, mas é também violenta a forma como perdeu sua família. Como se recuperar de um trauma desses? É possível a recuperação?

É quase irônico que Em Pedaços seja o primeiro filme inteiramente falado em alemão da carreira de Diane Kruger, porque não é um filme que exalte o país, pelo contrário. O diretor e roteirista turco-alemão, Faith Akin com certeza teve grande peso para tratar de um assunto tão delicado com nuance e cuidado, sendo pessoal e, ao mesmo tempo, com a clareza que os problemas retratados no filme também são problemas do mundo contemporâneos.