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Atômica: A Cidade Mais Fria

Antes de ser transformado em um blockbuster estrelado por Charlize Theron, Atômica é uma graphic novel como poucas. Seu nome completo, Atômica: A Cidade Mais Fria, evoca logo de início o tom da trama que acompanharemos nas pouco mais das 170 páginas escritas por Antony Johnston e ilustradas por Sam Hart. Publicada no Brasil pela DarkSide Books, a publicação recebeu o prêmio da Comixology de Melhor Graphic Novel logo em seu ano de estreia e permanece conquistando reconhecimento, e fãs, com o passar dos anos.

Atômica: A Cidade Mais Fria reúne os principais ingredientes de uma boa trama de espionagem mas sem os mirabolantes aparatos e estripulias presentes em um filme de James Bond. Ainda que o Agente 007 seja um dos mais icônicos espiões da cultura pop, ao lado, talvez, do Ethan Hunt de Tom Cruise na franquia Missão Impossível, o tom dessas histórias é muito mais mirabolante do que verossímil. Em Atômica, por outro lado, temos uma trama com os dois pés bem plantados no chão — ou na cara dos antagonistas de Lorraine, a espiã que nos conta sua história. Utilizando-se da Berlim de 1989 como plano de fundo, com um muro que divide a República Democrática Alemã, a Alemanha Oriental, que é socialista, e a República Federal da Alemanha, a Alemanha Ocidental, capitalista, nos locomovemos na companhia de Lorraine por becos escuros enquanto ela procura concluir sua missão.

A Guerra Fria parece estar finalmente chegando ao fim, mas o assassinato de um agente secreto inglês, pertencente ao MI-6, coloca os dois lados do muro, ocidental e oriental, em rota de colisão. O agente em questão carregava uma lista com os nomes de todos os espiões que atuavam em Berlim, mas junto de seu corpo sem vida, nada é encontrado. É nesse momento que a espiã veterana Lorraine Broughton entra em cena: ela precisa, além de lidar com todos os trâmites envolvendo o translado do corpo do agente de volta para a Inglaterra, encontrar a lista que contém todos os nomes dos espiões ativos em Berlim — ingleses, norte-americanos e russos —, uma informação que não pode cair em mãos erradas ou ser vendida no mercado negro.

O risco é muito alto para que tal documento fique desaparecido, portanto Lorraine chega à Berlim e logo dá início a sua missão enquanto se envolve com todo tipo de gente; em Atômica: A Cidade Mais Fria, ninguém é o que parece ser e não é fácil confiar em ninguém, e a espiã sabe bem disso. Sozinha e em uma cidade estrangeira, rodeada de pessoas falando um idioma quem ela não domina, Lorraine precisa fazer o possível para atingir seu objetivo antes que a lista com os nomes dos agentes chegue em pessoas que possam usar as informações do documento de maneira a obter vantagens no ambiente hostil da Guerra Fria. Diferente do filme estrelado por Charlize Theron, a graphic novel não se prende tanto às cenas de ação e pancadaria, mas mantém sua força na boa e velha espionagem por meio de personagens que fingem, enganam e dissimulam — e é aí que a Lorraine da versão de papel e tinta se sobressai.

A arte de Sam Hart, totalmente em preto e branco, foi uma escolha mais do que acertada para dar vida à busca de Lorraine. A ausência de cor faz com que o artista precise trabalhar com muitas sombras e truques de luz, e isso realça o enredo elaborado por Antony Johnston, uma jornada de espiões sem aparatos de última geração e que contam apenas com seus próprios instintos para sobreviver em um universo repleto de dualidades. Os traços de Hart são até mesmo um pouco secos, sem detalhes que saltam aos olhos ou nos faça desviar da narrativa, com personagens que, em muitas cenas, sequer possuem o rosto desenhado por completo. Ainda que o enredo tenha um ritmo lento se comparado ao seu irmão cinematográfico, Atômica: A Cidade Mais Fria é uma obra perfeitamente pensada para instigar e manter seu leitor preso em suas amarras, tornando-se impossível abandonar a história antes de chegar ao seu desfecho.

Em sua protagonista, Antony Johnston cria uma personagem como poucas presentes no mundo da espionagem, o que difere também da Lorraine de Charlize Theron, tão dinâmica e ágil. Na graphic novel, Lorraine é reconhecida muito mais por sua inteligência aguçada do que por seus golpes de luta, mas permanece o fato de que em ambas as mídias ela continua singular, corajosa e determinada a cumprir sua missão. Outra protagonista não teria funcionado tão bem em Atômica: A Cidade Mais Fria e é justamente a frieza, a inteligência e seu lado calculista que fazem com Lorraine persista em sua tarefa, mesmo que precise lidar com o estrelismo do agente responsável por Berlim. O mundo da espionagem, analisando o contexto da cultura pop, é dominado por protagonistas masculinos, homens brancos usando gadgets caros e carros esportivos de milhões de dólares, então é reconfortante encontrar uma personagem como Lorraine tomando o protagonismo para si.

Muito tem se falado da personagem de Jennifer Lawrence em Operação Red Sparrow, e em como a história da espiã russa Dominika Egorova se vale muito mais da hipersexualização de sua protagonista do que de uma narrativa alicerçada em pontos fortes e que façam algum sentido no panorama geral do filme. Se em Operação Red Sparrow Dominika sofre abusos e é agredida — física e psicologicamente — apenas como recurso de roteiro, em Atômica: A Cidade Mais Fria não há nada além de uma espiã realizando seu trabalho da melhor maneira possível, e não atuando como eye candy para sua audiência. Lorraine é capaz de se impor em um mundo completamente machista e perigoso como a Berlim do final da década de 1980 — mas não somente — e faz seu trabalho com perfeição ao mostrar do que é capaz.

O ritmo acelerado do filme não nos deixa sentir a dimensão das coisas com as quais Lorraine precisa lidar, algo com que a graphic novel trabalha muito melhor. Além de proteger seus colegas e reaver a lista enquanto está em um território desconhecido, Lorraine também precisa enfrentar o sexismo de outros agentes e se manter viva no processo — tudo isso enquanto descobre que sua missão é muito mais perigosa do que parecia a princípio. Atômica: A Cidade Mais Fria é uma graphic novel instigante com uma trama inteligente apresentada em uma edição de capa dura no já conhecido padrão de qualidade da DarkSide Books. Compre uma passagem para a Berlim do final da década de 1980 e acompanhe a jornada de Lorraine em meio a cidade mais fria e um jogo repleto de reviravoltas e meias verdades.

“Há quem diga que, de agora em diante, não há mais segredos.
Mas nós dois sabemos que não vai ser assim.”

O exemplar foi cedido para resenha por meio de parceria com a Editora DarkSide Books.


** A arte em destaque é da editora e autora do texto Thayrine Gualberto.

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