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O afrofuturismo é agora: uma entrevista com Samara Costa, criadora de ZUMBIR, o novo podcast de ficção original Spotify Brasil

ZUMBIR é o mais recente podcast de ficção desenvolvido no projeto Sound Up Brasil e produzido pela GANDAIA, uma iniciativa de diversidade de vozes no universo dos podcasts, promovida pela Spotify: cada semana, uma história nova com personagens diferentes e entrevistas com convidados que conectam o futuro no aqui e agora.

Entrevistamos Samara Costa, artista da zona norte do Rio de Janeiro e idealizadora do ZUMBIR, sobre o processo de desenvolvimento do podcast, o significado de trabalhar com arte no Brasil em 2024 e quais conselhos ela oferece para quem deseja seguir nessa área.

ZUMBIR é um podcast afrofuturista de ficção (e de entrevistas!). O que é o afrofuturismo pra você?

Samara Costa: Afrofuturismo para mim é uma filosofia de vida, não só uma perspectiva literária. O afrofuturismo acaba me norteando para de alguma forma eu me ver em futuros possíveis, onde pessoas parecidas comigo também vivem em uma perspectiva para além do que a gente costuma ver sendo retratado. Tem toda uma movimentação, uma manifestação afrofuturista literária de pessoas pretas com chips, voando, ciborgues, que também é uma perspectiva muito interessante. Só que em ZUMBIR a gente traz uma perspectiva um pouco mais alicerçada no cotidiano. Então acaba que ZUMBIR é uma resposta do que eu acredito como afrofuturismo hoje. O afrofuturismo a gente pode fazer de diversas formas, mas é sempre esse lugar de contato com o passado, percebendo esse passado a partir do hoje e focando e ressignificando o futuro possível para a gente enquanto pessoas pretas.

E como o afrofuturismo entrou na sua órbita?

S.C: O afrofuturismo entrou na minha vida a partir de pesquisas, a partir de conversas com amigos, o afro-surrealismo também, e principalmente o lugar da ficção especulativa, né? O terror também. O afrofuturismo vem muito com essa possibilidade da gente até questionar também o que quer ser negro. O nome em si, afrofuturismo, é recente na minha vida, de uns cinco anos pra cá, mas eu acredito que sempre pautei o afrofuturismo na minha vida, sempre olhei o que as pessoas da minha família construíram, como era realidade a nossa realidade e quis almejar um outro local, sempre me imaginei em outro local também. Então acho que isso também é uma perspectiva, um pensamento afrofuturista.

Quais algumas das suas inspirações para escrever ZUMBIR? E quais foram as motivações para escrever um podcast de ficção? 

S.C: Eu me baseei muito em teorias afrofuturistas. A Kênia Freitas, que é uma pesquisadora e pensadora afrofuturista brasileira. O Clyde W. Ford, com a Teoria do Herói com Rosto Africano, que eu utilizei também para compor os personagens. A nível de ficção me inspirei muito em antologias,do tipo Love, Death & Robots e Além da Imaginação. Me espelhei também muito em cinema de terror, terror negro principalmente, e filmes afrosurrealistas também. Eu acho que assistir essas obras acabou me criando uma efervescência de também criar minhas obras, a partir de um ponto de vista brasileiro, carioca. Os personagens também trazem muito desse espírito, por exemplo, nos episódios nós temos um entregador, a gente tem uma jovem que está no samba, a gente tem uma pessoa que está apresentando um podcast. Falamos também sobre um passado mais distante. Então as minhas motivações para escrever um podcast de ficção é justamente de poder reimaginar, criar essas fabulações a partir de um local que a gente não conhece, levando em consideração as nossas perspectivas enquanto pessoas brasileiras. Pensar em histórias possíveis para pessoas pretas, histórias onde a gente não permaneça no lugar de marginalização, mas de pessoas potentes, pessoas que cometem erros, que são humanas e que vivem.

ZUMBIR conta com a participação de vários artistas como Ebony, Pedro Ottoni, Teresa Cristina e muitos outros. Como foi trabalhar com essas pessoas e como elas agregaram ao trabalho final?

S.C: Além de roteirizar, eu também dirigi os episódios ficcionais, então tive o prazer de dirigir Ebony, Pedro Ottoni, Teresa Cristina, Fabão, Rei Black e Digão Ribeiro e outros grandes nomes das artes. E o Hilton Cobra, que é um mestre muito importante no teatro brasileiro. Foi uma experiência muito boa e ao mesmo tempo muito curiosa, porque nem sempre os atores contracenavam entre si. A gente tinha essa preocupação, óbvio, de colocar os atores interpretando entre si, mas por questões de agenda a gente nem sempre conseguia. Foi muito bacana também ver de que forma que eles solucionavam alguns problemas; por exemplo a Ebony, é o primeiro trabalho dela interpretando e era muito gostoso acompanhar ela brincando com a voz, tirando a voz dela da zona de conforto, e vendo o resultado também. Todos ali são artistas criadores. Então é interessante a gente se perceber nesse lugar, quanto pessoa não só que escreve, mas [que] também está ali em alguma forma dirigindo, está co-criando também com outras pessoas.

Você mencionou que trabalhou em todas as etapas do podcast, desde a escrita das histórias até a produção e a gravação do podcast, você tem alguma parte favorita do processo criativo por trás de ZUMBIR?

S.C: Olha, eu acho que a minha parte favorita do processo tenha sido gravar mesmo. A gravação  não era um processo tão ansioso quanto a escrita do roteiro que a gente tem que quebrar a cabeça ali pra poder tentar resolver uma história. A parte da gravação foi muito gostosa, a gente se divertia muito, era um momento que a gente podia brincar também, Mesmo assim, ter contato com as pessoas que dariam uma voz era cansativo, foi muito cansativo como qualquer outra fase. E também as gravações acabam que a gente pegava diárias muito longas no estúdio. Mas era muito divertido trocar, escutar o que as pessoas achavam da história, tirar aquelas histórias que estavam guardadas ali no arquivo para outras pessoas lerem, interpretarem e opinarem. Então muita coisa surgiu durante a gravação, alguns improvisos foram aproveitados.

Além de podcaster, você também é atriz. Como foi a escolha de seguir nas artes? Foi realmente uma escolha? E qual conselho você daria pra quem também quer seguir esse caminho?

S.C: É uma escolha que é algo muito pessoal, está muito ligado comigo. Eu escolhi seguir nas artes desde os oito anos. Claro que no decorrer da vida a gente vai entendendo como é difícil e a gente vai escolher outras coisas também, no meio disso tudo para ter outras opções, mas mesmo assim, eu acabo voltando pra artes de alguma forma. Arte é uma escolha que é diária, eu não consigo desassociar quem eu sou sem a arte. É algo muito muito próximo de mim, desde a forma como eu me comunico, como eu enxergo o mundo, das coisas que eu gosto. Acaba sendo uma escolha, mas é uma escolha que você não tem como fugir, porque por mais que você fuja tem sempre alguma coisa ali te chamando atenção. A arte se manifesta de várias formas e daí ela sempre acaba te captando. O conselho que eu dou para alguém que quer seguir esse caminho é coragem. Ter uma rede de apoio também, ter outras formas de se sustentar, principalmente se você for uma pessoa preta. Viver de arte no Brasil para a gente que é preta é muito ingrato, não tem como romantizar, então eu estou sempre priorizando o meu bem-estar e, obviamente, entendendo que eu também sou uma pessoa múltipla. Eu acho que também tem um local muito limitador de algumas pessoas acharem que você é artista, só artista, e é, obviamente, tem pessoas que somente conseguem desempenhar só essa função, mas ,pelo menos para mim, eu consigo me ver em outros lugares, eu consigo me ver na escrita, eu consigo me ver na interpretação, eu consigo me ver numa dublagem, eu consigo me ver pensando criativamente sobre um projeto. Até porque a gente precisa sobreviver, a gente precisa ficar vivo, né, a gente precisa não só sobreviver, mas viver também, então o dinheiro acaba sendo algo muito importante enquanto pessoa preta nesse sentido, então o que eu precisar fazer para ter um bem-estar, ter uma qualidade de vida e continuar esperando fazendo arte, eu vou fazer.