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Madonna: 60 anos da Rainha do Pop

Em 2016, quando Madonna recebeu o prêmio de Mulher do Ano pela Billboard, seu discurso de agradecimento reverberou — e continua até hoje — em alto e bom som. Na ocasião, fazendo uso de sua plataforma e visibilidade, Madonna falou sobre o sexismo e a misoginia tão presentes na indústria fonográfica e como sua trajetória como artista e mulher foi marcada por ambos. “Obrigada por reconhecerem minha habilidade de dar continuidade à minha carreira por trinta e quatro anos diante do sexismo e da misoginia gritante, e do bullying e abuso constante.”

Seu discurso, no entanto, não parou por aí. Ainda que prefira falar sobre o presente e não o passado, Madonna relembrou como era Nova York à época de sua mudança para a cidade. A artista deixou Bay City, no Michigan, para tentar construir sua carreira na metrópole em crescimento que era Nova York no final dos anos 1970: “As pessoas estavam morrendo de AIDS em todos os lugares. Não era seguro ser gay, não era legal ser associada à comunidade gay. Era 1979 e Nova York era um lugar muito assustador. No meu primeiro ano vivendo na cidade, fiquei sob a mira de uma arma de fogo, fui estuprada num terraço com uma faca na minha garganta e tive meu apartamento invadido e roubado tantas vezes que parei de trancar as portas. Com o passar do tempo, perdi para a AIDS ou para as drogas ou para as armas quase todos os amigos que tinha”. E continua:

“Como vocês podem imaginar, todos esses acontecidos inesperados não apenas me ajudaram a me tornar a mulher ousada que está aqui, mas também me lembraram que sou vulnerável, e que na vida não há segurança verdadeira exceto sua auto-confiança.”

Durante mais de três décadas de carreira, Madonna precisou lidar com todo tipo de crítica e comentários maldosos, desde sua aparência física — mesmo perfeitamente dentro do padrão — até em relação ao seus casamentos, filhos e a maneira de criá-los. Envelhecer diante dos holofotes poderia ter roubado sua sanidade, mas ela persiste enquanto os níveis de preconceito e sexismo dirigidos a ela continuam altíssimos. Para o público em geral, Madonna deveria envelhecer de maneira graciosa e não contestadora, mas a Rainha do Pop não está aqui para agradar ninguém. Sempre feroz e combativa, ela não se calará escondida em um canto, mas permanecerá produzindo um trabalho brilhante, cativante e instigante.

Em um mundo que cobra um preço alto de seus artistas, Madonna ficou. Nas palavras da própria, “a coisa mais controversa que eu já fiz foi ficar aqui”. Artistas contemporâneos a ela, pessoas brilhantes como Michael Jackson, Prince, David Bowie e Whitney Houston se foram, mas Madonna continua. Se ela agradece a cada mulher que a amou e apoiou ao longo do caminho, nós também temos o que agradecer; por sessenta anos de trajetória, completos no dia 16 deste mês, e trinta e seis anos de uma carreira brilhante e sem data para terminar. Dessa maneira, pensando em celebrar o aniversário, a vida e a obra de Madonna, preparamos uma lista com as músicas mais marcantes de sua extensa carreira, revistando momentos importantes de sua história, a evolução de sua sonoridade e tudo mais que existe entre os dois.

“Lucky Star”, 1983

Madonna

Antes de lançar seu primeiro álbum, o foco de Madonna era a dança moderna. A artista recebeu, inclusive, uma bolsa de estudos na Universidade de Michigan para se dedicar à dança após ter se formado no colégio, mas logo abandonou a faculdade para se mudar para Nova York e tentar fazer as coisas acontecerem de maneira mais rápida. Com pouco dinheiro e em uma cidade estranha, Madonna trabalhou como garçonete, participou de alguns grupos de dança moderna, trabalhou como dançarina de apoio para outros artistas e chegou a cantar como backing vocal do alemão Otto von Wernherr. Foi nessa ocasião que o produtor Mark Kamins notou seu talento e a colocou em contato com Seymour Stein, fundador da Sire Records e quem primeiro ofereceu um contrato a ela. A primeira música lançada por Madonna foi “Holiday”, mas é “Lucky Star” que marca a carreira da artista como a primeira de sua autoria — o vídeo da canção, aliás, é icônico ao mostrar a jovem Madonna com o visual que a destacou naquele começo de carreira: muitas pulseiras, sobreposições e maquiagem forte — assinatura que foi copiada por muitas adolescentes da época. Parte do álbum intitulado Madonna, “Lucky Star” foi regravada em 1990 para a primeira coletânea da artista, The Immaculate Collection.

“Like a Virgin” e “Material Girl”, 1984

Ainda que Madonna tenha conquistado considerável sucesso com seu primeiro álbum, foi com “Like a Virgin”, de 1984, que ela quebrou as barreiras dos Estados Unidos e começou a se tornar mundialmente conhecida. A faixa que dá nome ao álbum logo se tornou um sucesso e ficou no topo das paradas da Billboard Hot 100 por seis semanas consecutivas, entre 1984 e 1985, recebendo, na sequência, o disco de ouro por um milhão de cópias vendidas. A composição foi o primeiro trabalho da cantora a alcançar o primeiro lugar nas paradas estadunidenses e até hoje é considerada um dos maiores hits da música pop, tendo servido de trilha sonora ou sido referenciada em filmes e séries (Moulin Rouge!, Bridget Jones: No Limite da Razão e Grey’s Anatomy são alguns exemplos bastante conhecidos), além de ter sido considerada uma das melhores canções pop de todos os tempos pela revista Rolling Stone.

Mas sua importância vai além: mais do que uma canção de sucesso, “Like a Virgin” foi um marco de impacto social. Escrita pelo compositor Billy Steinberg em parceria com o músico Tom Kelly (ambos também responsáveis por sucessos como “True Colors”, de Cyndi Lauper, e “So Emotional”, de Whitney Houston), a ambiguidade da canção e suas insinuações disfarçadas geraram bastante alvoroço à época de seu lançamento, como também fez o seu vídeo clipe, em que Madonna surge, vestida de noiva, como uma mulher sexualmente independente. Não demorou para que grupos conservadores pedissem para que a música fosse banida das rádios, o que não aconteceria e nem diminuiria sua popularidade, sobretudo entre os mais jovens.

Mais tarde, a cantora lançaria “Material Girl”, segundo single do mesmo álbum, e que, junto com “Like a Virgin”, a transformou no ícone pop que é até hoje. Embora não tenha participado da composição de “Material Girl”, a música foi muito significativa para a própria Madonna que revelou que a música, liricamente, conversava muito com o que ela estava vivendo à época — não porque fosse materialista, mas pela forma como bens materiais podiam se tornar sinônimo de segurança. A música versa sobre questões como capitalismo, consumo e como o romance pode se tornar uma moeda de troca, o que é reforçado em seu vídeo, em que a cantora reproduz o número “Diamonds Are a Girl’s Best Friend”, originalmente interpretado por Marilyn Monroe no filme Os Homens Preferem As Loiras. Tendo a própria Monroe sido sexualizada ao longo de toda a sua carreira, Madonna relembra a obsessão em torno de sua figura, sua própria identificação com a atriz, e conclui que não permitirá que o mesmo acontecesse a ela.

“Papa Don’t Preach” e “La Isla Bonita”, 1986

Composta pela própria Madonna ao lado de Brian Elliot e parte do seu terceiro álbum de estúdio, True Blue, de 1986, “Papa Don’t Preach” foi o segundo single lançado para promoção de True Blue e conquistou a primeira posição na Billboard Hot 100 daquele ano, se firmando, também, como grande sucesso internacional na Austrália e no Reino Unido, onde vendeu mais de 600 mil cópias. Dirigido por James Foley, o vídeo da canção recebeu indicações no MTV Video Music Awards de 1986 e, visualmente, também marca a nova Madonna que surge com um corpo cada vez mais tonificado e com os cabelos loiros bem mais curtos — visual que logo começou a ser copiado por suas fãs.

Com relação à música e de acordo com a Rolling Stone, o lançamento de “Papa Don’t Preach” fez com que debates acalorados em torno da música tomassem conta das rodas de amigos e dos jornais da época: estaria Madonna sendo pró ou contra o aborto? Quando a cantora dedicou a música em questão ao então Papa João Paulo II, a Igreja Católica instruiu os fiéis a boicotarem a turnê que Madonna lançou em 1987 e a batizou de Who’s That Girl Tour. Essa certamente não seria a primeira vez que Madonna bateria de frente com a Igreja Católica e todas as suas estruturas, o que veríamos com ainda mais força em “Like a Prayer”, de 1989. “Papa Don’t Preach” nasceu de conversas entre meninas adolescente que Brian Elliot ouviu da janela do escritório em que trabalhava. Ao ouvi-las conversando sobre gravidez indesejada e aborto, ele decidiu escrever a canção que logo enviaria à Madonna que, na sequência, adicionaria seus próprios versos. Ainda em entrevista à Rolling Stone, Madonna disse que a canção se tornou muito importante para ela por se encaixar em seu “modelo de vida” de estar sempre pronta para enfrentar os moldes patriarcais de nossa sociedade, seja ele representado pelo Papa ou seu próprio pai. “Papa Don’t Preach” é uma canção pop e feita para dançar, mas que consegue falar sobre gravidez na adolescência e aborto na mesma medida e intensidade.

“La Isla Bonita”, por sua vez, foi o quinto e último single de True Blue, e foi escrita pela própria Madonna em parceria com o compositor Patrick Leonard e o guitarrista Bruce Gaitsch, responsáveis pela melodia. A canção foi a primeira — mas não a última — a incorporar elementos da música latina, referência que seria revisitada em outros momentos de sua carreira. “La Isla Bonita” também se destaca por apresentar uma Madonna consideravelmente mais vulnerável, que lamenta pelo fim de seus dias na ilha-título — uma faceta explorada com mais profundidade ao longo de True Blue. O contraste entre seus dois lados eram perceptíveis e seriam reforçados pelo vídeo da música: interpretando, ao mesmo tempo, uma jovem muito católica e uma dançarina de dança flamenca, Madonna não apenas exploraria a dualidade atribuída com frequência ao povo latino, mas também a ela própria, e sua relação particular com a sexualidade e a religião.

“Like a Prayer”, “Express Yourself” e “Vogue”, 1989   

Quando “Like a Prayer” foi escrita por Madonna, a artista já era conhecida mundialmente e havia acabado de assinar um contrato com a Pepsi para gravar um comercial com a canção inédita. Ainda que no comercial de refrigerante não exista nada de muito impactante, o vídeo oficial de “Like a Prayer” conta uma história totalmente diferente: repleto de símbolos católicos, como cruzes em chamas e estigmas, Madonna interpreta uma personagem que deseja sexualmente uma figura santa interpretada por um homem negro, o que levou o Vaticano, mais uma vez, a condenar a produção e instigar seus fiéis a boicotar a cantora e a Pepsi. Pressionada à época, a Pepsi revogou o contrato com a cantora e suspendeu a veiculação do comercial em que “Like a Prayer” tocava, mas Madonna conseguiu manter a faixa sobre seu domínio. Dessa maneira, a música foi incluída em seu quarto álbum de estúdio, também batizado de Like a Prayer e lançado em 1989. Imersa em polêmicas, a canção já estreou como número um na Billboard 200 e o álbum vendeu cerca de 15 milhões de cópias em todo mundo, sendo 4 milhões dessas vendas apenas nos Estados Unidos.

A letra de “Like a Prayer”, de acordo com Madonna, foi inspirada na educação católica que recebeu no colégio e conta a história de uma jovem tão apaixonada por Deus que faz de sua figura a única presente em sua vida. Com um coral gospel e arranjos que reúnem guitarras e elementos do funk, a canção cresce de tom com um refrão poderoso. Madonna utilizou elementos religiosos para criar metáforas sexuais incluindo nos versos da canção palavras ambíguas para se referir a orgasmo e sexo oral. “Like a Prayer” rompia por completo com a Madonna de seus três álbuns anteriores e se transformou em uma das canções mais prestigiadas de sua extensa carreira — o vídeo da música venceu o MTV Video Music Award daquele ano e foi indicado ao Video of The Year na mesma ocasião. Ainda incluindo a temática religiosa, Madonna apresentou “Like a Prayer” em sua Blond Ambition World Tour de 1989 e foi eleita a melhor canção da cantora pela Rolling Stone, além de uma das melhores 500 canções de todos os tempos.

“Express Yourself” veio na mesma leva de “Like a Prayer” e se tornou um hino de empoderamento feminino em uma época em que a palavra ainda não carregava o peso que tem hoje. Escrita em parceria por Madonna e Stephen Bray, “Express Yourself” surgiu como um tributo para a banda norte-americana Sly and the Family Stone, mas logo rompeu as barreiras de seu país e se tornou um hino visto que é uma canção que diz claramente às mulheres para escolherem apenas aquilo que lhes fazem bem. Descrita como um hino para a liberdade e encorajamento para mulheres e minorias, “Express Yourself” foi um sucesso nas paradas musicais do final da década de 1980 e liderou a Eurochart Hot 100 Singles daquele período. Em entrevista ao The New York Times, Madonna disse que compôs a canção para que fosse uma mensagem de que as pessoas sempre devem dizer o que pensam: “Quando eu aprender a não me editar será quando eu me considerarei uma adulta completa”, e completa dizendo que “a última coisa por trás da canção é que se você não se expressar, se você não dizer o que você quer, você não vai conseguir. E na verdade, você fica acorrentada por sua incapacidade de dizer o que sente ou de ir atrás do que quer”.

“Vogue”, enquanto isso, foi escrita para ser uma canção divertida destinada às pistas de dança e para embalar momentos de se deixar levar. Mas sua importância é melhor compreendida ao observar sua relação com a chamada ball culture, subcultura da comunidade LGBTQ+ estadunidense reservada à clandestinidade e sobre a qual a cantora projetou seu foco, tornando-a parte da cultura popular — caminho inesperado até mesmo para a própria Madonna, que não imaginava que a música se tornaria um dos maiores singles de sua carreira. Inicialmente produzida como parte do lado B de seu álbum, a qualidade de “Vogue” surpreendeu aos executivos da gravadora, que preferiram lançá-la como um single ao invés de desperdiçá-la como uma produção alternativa que jamais chegaria às rádios ou seria um sucesso de sua carreira. A decisão provou-se tão acertada que “Vogue” se tornou um sucesso de público e crítica, e influenciou toda uma geração. Sob todos os ângulos, “Vogue” era a trilha sonora perfeita de uma realidade mais otimista e positiva, e consideravelmente mais tolerante.

“Justify My Love”, 1990

A segunda coletânea de hits de Madonna tomou forma em sua The Immaculate Collection, de 1990. Além das canções já conhecidas e prestigiadas da cantora, como “Lucky Star”, “Like a Virgin” e “Vogue”, o álbum recebeu duas produções inéditas: “Rescue Me” e “Justify My Love”. Com autoria de Lenny Kravitz e co-participação de Ingrid Chavez e Madonna, a artista novamente causou polêmica pelo teor sexual da canção e por conta do vídeo tido como sexualmente explícito. O vídeo em questão foi, inclusive, proibido de ser exibido na MTV, o que causou indignação em Madonna que foi pessoalmente ao programa Nightline da rede de televisão norte-americana ABC para se defender do boicote.

O fato é que mesmo com — ou por conta de — todas as polêmicas, “Justify My Love” alcançou novamente o topo das paradas de sucesso, consagrando a nona canção de Madonna como número um na Billboard Hot 100. A canção em si não possui uma letra explícita, ainda que Madonna abuse dos tons graves ao cantá-la, mas o vídeo clipe foi considerado imoral para o início da década de 1990. Com “Justify My Love”, Madonna conquistou uma nova primeira vez: a produção entrou para a história como o primeiro vídeo da cantora a ser banido e censurado em uma televisão norte-americana. À época, a Warner, gravadora de Madonna, teve a brilhante ideia de lançar o vídeo na íntegra em VHS e suas vendas foram as maiores do tipo, alcançando um milhão de cópias adquiridas por residentes dos Estados Unidos. Em preto e branco, o vídeo de “Justify My Love” mostra Madonna em uma jornada de descobertas sexuais: ao visitar um hotel, a cantora entra em diferentes quartos que escondem, por trás de cada porta, um fetiche diferente. Ainda que as cenas sejam mais sugeridas do que realmente explícitas, o público da época não estava preparado para lidar com uma mulher com tamanha liberdade sexual.

“Erotica”, 1992

O quinto álbum de estúdio de Madonna, Erotica, de 1992, foi lançado praticamente na mesma época que seu provocativo livro Sex. Com fotografias sexualmente explícitas da cantora, a publicação causou revolta de parte do público e da mídia, mas foi muitíssimo bem nas vendas, alcançando a incrível marca de cento e cinquenta mil cópias vendidas apenas no dia de seu lançamento. Escrito por Madonna e com fotografias de Steven Meisel, o livro contém imagens de atores e modelos simulando sexo e sadomasoquismo. Com fotos clicadas em hotéis e teatros burlescos. Participaram do livro, além da própria Madonna, a modelo Naomi Campbell e a atriz Isabella Rossellini, apenas para citar alguns nomes de peso. Sex, ainda que não tenha sido bem recebido à época de seu lançamento, é cultuado hoje em dia e suas cópias valem milhões de dólares — considerado um projeto ambicioso e corajoso para a década de 1990, junto com Erotica, o livro marca uma das fases mais importantes de Madonna enquanto artista.

Seguindo no mesmo embalo de liberdade sexual, para compor “Erotica”, Madonna incorporou sua personagem Dita, escrita anteriormente como parte do livro Sex. Na canção, Dita é uma dominatrix que convida seu público, os ouvintes, a participarem de seu universo de sexo livre e sem julgamentos morais. O vídeo inspirado na música mostra Madonna como Dita, mas também como outras personagens envolvidas em diferentes experiências sexuais. As cenas usadas no vídeo clipe foram filmadas durante as sessões de fotos para o livro Sex e, ainda que não tenha sido banido das emissoras de televisão norte-americanas, só podia ser exibido após a meia- noite.

“Ray of Light” e “Frozen”, 1998

O sétimo álbum de estúdio de Madonna, Ray of Light, é um dos mais aclamados pela crítica. Esqueça a Madonna de “Erotica” e “Justify My Love” e abrace a nova artista que vem embalada pelo nascimento de sua primeira filha, Lourdes Maria. Ainda que se mantenha dentro do estilo que a consagrou, o pop, Madonna flerta abertamente com a música eletrônica e incorpora elementos de techno e soft rock em suas novas canções. Ray of Light foi muito premiado ao redor do mundo e Madonna levou para casa quatro Grammy, incluindo o de Melhor Álbum Pop de 1999, por conta desse trabalho. Das treze músicas presentes no projeto, foram escolhidos cinco singles, dentre eles as marcantes “Ray of Light”, que batiza o álbum, e “Frozen”.

“Ray of Light”, a música, mostra o lado espiritual de Madonna pela primeira vez. Mais serena e madura, mais confortável em sua própria pele e com seu lugar no mundo, a canção é o olhar de Madonna sobre o universo, demonstrando o quanto somos pequenos em comparação a tudo aquilo que orbita ao nosso redor. Capturando uma sensação de deslumbramento, Madonna esclareceu em entrevista à NME que procurou, com a música, transmitir o sentimento de ser pequeno em meio à vastidão do universo, mostrando também como a vida passa rápido diante de nossos olhos, “mais rápida do que a velocidade da luz”. “Frozen”, ainda que mantenha o mesmo tom místico em seus instrumentais, fala sobre um homem frio e sem emoções que “só vê o que os seus olhos querem ver”. Para o The New York Times, Madonna disse que “Frozen” foi construída em torno da “retaliação, do peso do ódio” e que ainda que tenha pensado em um ex-namorado para escrevê-la, a canção é sobre pessoas e seus relacionamentos de uma maneira geral.

“Music”, 2000

Music, o álbum, foi lançado em meados de setembro e teve a influência inusitada de gêneros como o rock, o folk e o country. De forma similar, “Music”, faixa que dá título ao álbum, aumenta o escopo de suas influências, e reúne, ainda, a música disco e o eletrofunk, que, juntos à sua voz eletronicamente manipulada, criam um resultado um tanto diferente. Conforme explicaria Mirwais Ahmadzaï, compositor e produtor que auxiliou Madonna durante a concepção da música, o maior desafio de “Music” era fazer com que um lado ainda desconhecido de sua personalidade viesse à tona. Assim, a cantora foi buscar inspiração em trabalhos e estilos musicais ainda pouco explorados em sua carreira. Um exemplo disso foi quando, durante um show do cantor Sting, Madonna emocionou-se ao ver as pessoas unidas pela música, e a experiência a faria escrever os primeiros versos que, mais tarde, viriam a compor a canção: “Music makes the people come together/ music makes the bourgeoisie and the rebel”.

“American Life” e “Hollywood”, 2003    

Embora tenha tratado de assuntos polêmicos desde os primórdios de sua carreira, “American Life” foi um ponto de virada para Madonna, que de temas como religião e sexualidade, passou a abordar o momento político que vivia os Estados Unidos, sobretudo após os ataques terroristas de 11 de setembro, e criticar abertamente o governo do país. Na música — que também dá título ao álbum —, a cantora questiona o american way of life, a superficialidade da sociedade norte-americana e a Guerra do Iraque — questões que posteriormente seriam reforçadas em seu vídeo clipe, no qual Madonna atira uma granada em um sósia do ex-presidente George W. Bush.

A polêmica em torno da canção seria tão grande que o desempenho do álbum viria a ser diretamente influenciado pelo boicote promovido ao seu trabalho. Apesar da recepção positiva em outros países, “Hollywood”, segundo single de American Life, foi a primeira música da cantora desde 1983 a não entrar na parada da Billboard Hot 100 nos Estados Unidos — um fato histórico na carreira da artista. Nada disso, contudo, parecia afetar a própria Madonna, que continuava a reafirmar o discurso presente no disco e promover ações que conversavam com seu posicionamento. Dentre eles está sua apresentação no MTV Video Music Awards de 2003, notoriamente o momento mais simbólico da fase que vivia em sua carreira e também da televisão estadunidense. Ao lado de Britney Spears, Christina Aguilera e Missy Elliot, Madonna performou um dos maiores sucessos de sua carreira, “Like a Virgin”, e a ainda recente “Hollywood”, beijando tanto Britney quanto Christina ao final da apresentação.

“Hung Up”, 2005

Em novembro de 2005, Madonna lançou seu décimo álbum de estúdio: batizado de Confessions on a Dance Floor, o trabalho estreou em primeiro lugar nos principais mercados internacionais, marcando um momento da carreira da cantora em que ela se entregava totalmente aos estilos dance, disco e eletrônico. Confessions on a Dance Floor é dividido musicalmente em canções leves e divertidas e outras mais introspectivas, que falam sobre sentimentos muito pessoais — daí o título do álbum.

Com canções mais leves do que vistas em seus trabalhos anteriores, Confessions on a Dance Floor marcou o retorno de Madonna às premiações: seu álbum recebeu o Grammy de Melhor Álbum Dance/Eletrônico de 2005 e o primeiro single, “Hung Up”, ficou em primeiro lugar em 47 países, recebendo uma menção no Guinness World Records como a canção que conquistou mais primeiros lugares à época de seu lançamento. Como single, “Hung Up” foi lançada em 2005 e possui os acordes da faixa “Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)” do grupo sueco ABBA. Escrita por Madonna e produzida em parceria por ela e Prince, a faixa retoma elementos marcantes da música pop dos anos 1980 e seus versos contam a história de uma mulher independente que, justamente por sê-lo, tem problemas em seus relacionamentos amorosos. Em seu vídeo clipe, Madonna surge ruiva e presta tributo à filmes que tratam de dança, muitos deles estrelados por John Travolta. Madonna saiu em turnê à época do álbum e os outros singles de trabalho — “Sorry”, “Get Together” e “Jump” — alcançaram boas posições nas paradas mundiais, tendo, inclusive, aparecido como parte da trilha de sonora de filmes icônicos da época, como “O Diabo Veste Prada”.

“4 Minutes”, 2008

Três anos após o lançamento de Confessions on a Dance Floor, Madonna retornou com Hard Candy. Com participações especiais de nomes como Timbaland e Pharrell Williams, o que trouxe R&B para a mistura de elementos de um álbum predominantemente pop, Madonna se afastou um pouco dos elementos que consagraram Confessions on a Dance Floor. Com canções que são autobiográficas em muitos aspectos — uma das maiores inspirações para as composições de Madonna para Hard Candy foi o casamento com Guy Ritchie — Madonna diz que não as escreve pensando em retratar, de maneira consciente, sua vivência, mas que isso acaba acontecendo no processo. Em entrevista à revista Interview, Madonna contou que não pensa em contar histórias quando começa a escrever suas canções, mas que isso acontece naturalmente.

Desse trabalho vieram músicas como “4 Minutes” escritas em parceria com Justin Timberlake e Timbaland. A ideia da canção veio do senso de urgência que Madonna sentiu para “salvar o mundo da destruição e como é possível se divertir nesse processo” e surgiu após a cantora fazer uma visita à África: imbuída de conscientização social, “4 Minutes” destoa completamente das outras músicas do álbum que trazem mensagens mais simplórias do que o single de estreia. Ainda que tenha feito relativo sucesso à época de seu lançamento, “4 minutes” e Hard Candy não conseguiram fazer frente a Confessions on a Dance Floor.

“Girl Gone Wild”,  2012

Considerado genérico por alguns críticos musicais, MDNA, décimo álbum de estúdio da cantora, contou com uma grande equipe de produtores musicais. De Benny Benassi a William Orbit, o álbum marcou a estreia de Madonna na nova gravadora, a Live Nation Entertainment, o primeiro após o rompimento com a Warner Bros. com quem a artista trabalhava desde 1983. Com doze músicas inéditas, MDNA contou com três singles, entre eles “Give Me All Your Luvin”, “Girl Gone Wild” e “Turn Up the Radio”. Dessa leva, “Give Me All Your Luvin” foi, provavelmente, a mais bem sucedida nas paradas musicais ao redor do mundo: com participação das rappers Nicki Minaj e M.I.A, a canção chegou a décima posição nos Estados Unidos, tornando-se o trigésimo-oitavo single de Madonna a realizar tal feito. Foi na época do lançamento de MDNA, em 2012, que a artista se apresentou no Super Bowl XLVI, evento de futebol americano que detém a maior audiência anual da televisão norte-americana.

Além da participação nos vocais, as rappers Nicki Minaj e M.I.A. também participaram da composição e produção da música ao lado de Madonna. Com um refrão grudento, parte intrínseca das melhores músicas pop, “Give Me All Your Luvin” não mostra grandes inovações de outras canções da época ecoando, de acordo com a crítica especializada, músicas de Gwen Stefani e Katy Perry. Na música, Madonna pede que o alvo de sua afeição lhe dê todo o seu amor e que ela sabe ser um tipo diferente de garota.

“Bitch I’m Madonna”, 2015

Entre ouvir seu coração e ser um rebelde, Madonna é categórica: faça os dois! Rebel Heart chegou ao mundo em março de 2015, lançado primeiramente na Austrália e depois chegando, aos poucos, a outros mercados internacionais. Com produção de Madonna, Avicii, Diplo e Kanye West, entre outros, Rebel Heart vendeu 500 mil cópias nos Estados Unidos e cerca de 1 milhão internacionalmente. A dualidade presente nas canções de Rebel Heart, de acordo com Madonna, simbolizam suas duas faces: o lado romântico e sonhador e o outro lado, rebelde e obscuro. As quatorze canções inéditas foram compostas pela artista em companhia de seus produtores, das quais foram escolhidas três singles: “Living for Love”, “Ghosttown” e “Bitch I’m Madonna” — esta última, a segunda parceria de Madonna com Nicki Minaj.

“Bitch I’m Madonna”, apesar de ser uma música divertida, animada e dançante, o que a fez ficar no topo da Hot Dance Club Songs, não inova em matéria de sonoridade ou melodia. O vídeo da canção, no entanto, tornou-se viral quando lançado em 2015. Além de Madonna circulando em uma festa colorida, é possível ver outras celebridades de peso interagindo com a anfitriã: aparecem no vídeo Nicki Minaj, o produtor Diplo, as cantoras Rita Ora, Miley Cyrus, Katy Perry e, claro, Beyoncé. Com cenas filmadas na cobertura do prestigiado Standard Hotel, em Nova York, a produção evoca com clareza tudo aquilo que Madonna canta: “Pulamos na piscina e nadamos vestidas/ Derramei uma cerveja no meu sapato e isso me deixou doida/ O vizinho está puto, diz que vai chamar a polícia/ Se eles aparecerem, vamos ter que dar um belo show/ Eu só quero sair essa noite/ Me puxe para baixo dos flashes de luz”. Uma coisa é certa nesses trinta e seis anos de carreira: a festa realmente não termina enquanto Madonna não disser.

Texto escrito em parceria por Ana Luiza e Thay.