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Crítica: Espírito Jovem, podia ser mas acabou não sendo

Uma adolescente pobre vive em uma cidade do interior da Inglaterra com a mãe, imigrante polonesa. Abandonada pelo pai, a menina se divide entre a escola, o trabalho de garçonete, os cuidados com os animais da fazenda onde mora e o amor pelo canto. Sua vida segue dentro da normalidade até que um famoso reality show musical lança audições em sua cidade, trazendo sua grande chance para mudar de vida. Essa é a sinopse de Espírito Jovem — e de dezenas de filmes já produzidos nos últimos vinte anos.

Com roteiro e direção do estreante Max Mighella, mais conhecido por atuar no papel de Nick em The Handmaid’s Tale, o filme traz Elle Fanning no papel de Violet, sua protagonista pouco expressiva. Sob a mentoria de Vlad (Zlatko Buric), um ex-cantor de ópera croata e atual alcoólatra que vive em seu carro, a menina busca superar os próprios limites para alcançar seu sonho de cantar profissionalmente. Espírito Jovem é, mais do que regado, inundado por músicas pop, imagens marcantes e todos os dispositivos de roteiro que já vimos um milhão de vezes antes em uma quantidade aterradora de filmes muito parecidos com esse.

Podemos supor que o objetivo da obra seja retratar os dilemas que vêm atrelados à fama e como isso pode impactar na vida de uma adolescente acostumada a horizontes estreitos, mas nenhum tema é desenvolvido satisfatoriamente, e o que temos, ao final, é uma produção extremamente rasa que deixa a desejar em quase todos os aspectos. Já no trailer vemos o anúncio de músicas de diversas cantoras pop na voz de Elle Fanning, mas mesmo no quesito musical a obra não entrega tudo o que promete: temos, sim, muitas (muitas) músicas, e ótimas músicas, mas apesar de a voz da atriz ser realmente agradável, sua amplitude vocal e sua técnica estão longe de ser suficientes para levar a produção toda nas costas. No fim, as apresentações se apoiam em grande medida em cores neon, luzes estouradas e, ocasionalmente, performances extremas.

O desenvolvimento da personagem principal é errático e sem nenhuma emoção; o mísero plot twist que tentam apresentar é tão batido que não surpreende mais ninguém. A protagonista também não tem muito carisma — o que vemos é uma adolescente sem muito entusiasmo, mesmo quando está correndo atrás do que supostamente é seu sonho. As poucas emoções demonstradas por Violet vêm na forma de explosões ocasionais contra a mãe, que olha com desconfiança para os sonhos ambiciosos da filha, ou contra o empresário, que tenta incutir algum bom senso em sua cabeça. A menina é, ao fim e ao cabo, uma adolescente comum, certa de que sabe tudo o que precisa saber sobre a vida e ansiosa para fazer suas próprias escolhas. A trama deixa transparecer de forma sutil que, em parte, o desejo de Violet de participar do concurso tem como motivação atrair a atenção do pai, que abandonou a família anos antes, mas o tema não é colocado explicitamente nem, muito menos, desenvolvido.

Apesar disso, não é desagradável acompanhar o desenvolvimento de uma personagem que pode muito bem ser definida como “normal”. Violet é uma boa menina, que cumpre seus deveres e tenta ao máximo ajudar a mãe a sustentar uma casa que custa muito mais do que as duas juntas conseguem ganhar. Ela é normal também em suas pequenas imperfeições, que incluem desobedecer a mãe para cantar à noite em um bar, se inscrever em um concurso de canto sem autorização e levar um estranho para fingir ser seu tio quando precisa estar acompanhada por um responsável legal. Tudo muito ok, o que poderia dar um filme melhor se ao menos fosse desenvolvido de forma satisfatória.

O roteiro de Espírito Jovem é fraco e um de seus pontos mais frágeis é ignorar sumariamente uma das regras centrais do desenvolvimento de histórias, sejam voltadas para as telas ou não: mostre, não conte. Ao longo do filme, conhecemos um pouco (pouco mesmo) sobre a protagonista e sobre Vlad — único coadjuvante que recebe algum mínimo desenvolvimento — a partir de pedaços mínimos de informação que são literalmente jogados no meio dos diálogos. Além disso, elementos clássicos que costumam ser usados para agregar tensão e emoções a um roteiro, como um personagem que antagonize com a protagonista ou algum interesse amoroso, foram sutilmente sugeridos mas não chegaram a ser de fato postos em operação, deixando um grande vazio na trama que não é preenchido por nenhum outro elemento. São essas pequenas deficiências que, ademais da sensação de deja vu, deixam ainda na boca um gosto de promessa não cumprida.

Espírito Jovem tenta desviar do nicho “sessão da tarde” e acaba por cair em lugar nenhum. Talvez tivesse feito muito melhor negócio se tivesse abraçado de uma vez os clichês da categoria, ao invés de flertar com eles e no fim não entregar nada. Eu não o descreveria como ruim, mas sim como inexpressivo, algo em que não investiria meu tempo, algo que não causa muita emoção. E o que é a arte sem emoção?

Ficha técnica Espírito Jovem - 2,5 estrelas