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“What is it about women?” – Amy Winehouse, sexismo, drogas e rock’n roll

Tudo começou com Brian Jones. Daí foi a vez de Jimi Hendrix, seguido por Janis Joplin no mesmo ano. Jim Morrison fechou essa geração do Clube dos 27 dos anos 70, que só veio a ser reaberto em 94 com o suicídio de Kurt Cobain. Depois dele, nada aconteceu por quase duas décadas, até Amy Winehouse tornar-se a mais nova integrante do clube e, também, a única cuja imagem se sobrepôs às canções.

Detentora de 30 prêmios musicais, incluindo 6 Grammys, e 77 indicações, o nome Amy Winehouse sempre esteve mais associado à sua imagem do que à sua música, diferente de todos os outros nomes que integram o mítico Clube dos 27. The Rolling Stones, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Nirvana continuam sacralizados no espaço que dedicamos a grandes artistas do passado. Amy, nem tanto. A cantora, apesar do enorme talento, é lembrada com ódio, nojo, riso. Amy é, para muitos, uma drogada que no fim das contas teve o que sempre procurou.

Todo mundo conhece Amy Winehouse. Mesmo que não conheçam sua música, as pessoas conhecem a sua imagem. Por volta dos 23 anos, Amy estava sempre nos tabloides de fofoca e noticiários —  não por sua música, mas por sua vida pessoal. O abuso de drogas, o relacionamento com Blake, os shows em que ela mal se aguentava em pé, as brigas em que se envolvia. Várias pessoas acompanhavam passivamente o espetáculo violento que era a vida da cantora.

Não é preciso relembrar o que os jornais faziam questão noticiar a cada tropeço bêbado da cantora, cada show cancelado, cada momento em que seu mamilo acidentalmente aparecia à vista. Toda atitude considerada moralmente errada de Amy circulava pelo mundo pouco tempo após acontecer. No fim das contas, Winehouse foi uma figura polêmica, cuja música, por mais premiada que fosse, foi sempre relegada ao segundo plano. O que nunca aconteceu com Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Kurt Kobain — por mais polêmicos, eles tiveram sua carreira e música reconhecidos. Porque a diferença no tratamento?

Seria fácil responder a essa pergunta se afirmássemos que a vida pessoal de Amy Winehouse foi invadida pela mídia, mais preocupada em aumentar sua audiência. Na verdade, o fato de a cantora ter vivido em uma época de convergência midiática, internet e supervalorização da cultura pop explica, em partes, o fato de ela ser tratada diferente de outros artistas que tiveram os mesmos problemas.

Mas é mais do que isso: é também uma questão de gênero. Será que as bebedeiras, brigas e polêmicas de Amy Winehouse seriam tão polêmicas se ela fosse um homem? Chester Bennington suicidou-se recentemente e, mesmo que todos soubessem dos seus problemas com alcoolismo e abuso de drogas, sua vida nunca foi exposta como a de Amy. Peter Doherty, um dos melhores amigos de Amy, também tornou-se conhecido pelos excessos e, mesmo assim, não é considerado um vagabundo como Winehouse foi e continua sendo. Chris Cornell. Keith Richards. Ozzy Osbourne. Elvis Presley: nenhum deles teve a privacidade invadida, nenhum deles teve a vida pessoal posta acima da música.

Mas e Janis Joplin? Joplin teve a sorte de existir durante um período em que o movimento hippie construía, de certo modo, uma visão mais positiva sobre o consumo de drogas, que se relacionava ao autoconhecimento e à expansão da consciência. Mas é possível que, se ela tivesse feito sucesso na mesma época que Amy Winehouse, sua vida fosse invadida e julgada da mesma maneira, assim como outras famosas dos anos 2000. Lindsay Lohan, Britney Spears. Nenhuma delas conseguiu superar o rótulo de “drogada” que a mídia colocou sobre suas imagens e carreiras.

amy winehouse

A questão é que é visto como natural que homens cometam abusos. Homens namoram demais, bebem demais, se drogam demais. Esses comportamentos são socialmente entendidos e aceitos como masculinos e, por isso, quando praticados por mulheres, elas sofrem o rechaço da opinião pública. Quando se trata de mulheres famosas e opinião pública, a qualidade artística só é reconhecida quando a vida pessoal da artista se enquadra no que se espera do universo feminino. Essas mesmas expectativas preconizam a imagem de mulher virtuosa, mãe e recatada como modelo de mulher ideal. Qualquer padrão de comportamento que fuja a isso é visto com desprezo. É o velho sexismo. O universo do rock, com suas liberdades, prazes e excessos, é reservado aos homens. Mulheres devem se esconder nas esferas privadas, com as pernas bem fechadas e roupas puritanas.

Amy provavelmente teria sido considerada um gênio se não fosse mulher e seus excessos seriam considerados uma consequência de sua genialidade, como acontece quando são cometidos por homens. Ninguém odeia Chester Bennington. Ninguém odeia Kurt Cobain ou Jimi Hendrix. Não existe ou existirão piadas sobre suas mortes, sobre seus problemas. Mas, quando se trata de Amy Winehouse, existe deboche, riso. Pouco importam seus Grammys, os relacionamentos abusivos dos quais foi vítima; não importa que seu pai a tenha obrigado a subir em palcos para não perder dinheiro ou que Amy fosse praticamente uma adolescente quando sua vida passou a ser vasculhada e exposta por câmeras ávidas do mundo inteiro.

A lembrança que a maioria tem de Amy Winehouse não é a que ela merecia. Ela veio rápido demais, passou por situações que a maioria de nós não conseguiria passar sem viver e foi embora com um rótulo que não é, nem de longe, suficiente para descrevê-la. Sua vida, que é celebrada no dia 14 de setembro, deixou um monte de saudade e uma tristeza imensa àqueles que souberam apreciá-la.

Sentimos muito, Amy. Deveríamos sentir ainda mais.

3 comentários

  1. Infelizmente é assim que ela ficou marcada,até o blake ex namorado dela não é considerado “vagabundo e drogado” como ela,pois é! a questão do gênero sempre é assim

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