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VSCO Girls e e-girls: o que há por trás da nova tendência da Geração Z?

A ideia de que gerações mais velhas não apreciam ou entendem as culturas emergentes de gerações mais novas pode até parecer um conflito contemporâneo, mas é uma problemática que já vem sendo levantada desde os tempos de Platão. De acordo com uma pesquisa realizada por Lauren M. Troksa na Universidade do Colorado, o estudo de gerações é algo quase atemporal. No trabalho, Lauren destaca que Platão já percebia na Grécia uma lacuna geracional e afirmava que uma geração mais jovem é sempre vista como cheia de “maus modos” e “tirania”.

Na atualidade, seguimos identificando uma série de tendências e padrões comportamentais através dos chamados estudos geracionais. É a partir desse tipo de pesquisa que definimos e analisamos grupos como Geração X, Millennials (ou Geração Y) e Geração Z. Sabemos que existem diversas controvérsias e inconsistências quando usamos esses termos, uma vez que eles foram criados com base na sociedade estadunidense e não há unanimidade sobre onde começa e termina cada geração. Porém, para fins de organização, neste texto consideraremos a definição do Pew Research Center que realiza a análise geracional a partir de dados demográficos, pesquisa de comportamento, eventos históricos e cultura popular. Segundo esse centro de pesquisa, as gerações estão organizadas da seguinte forma:

Para o Pew Research Center a delimitação de gerações é uma ferramentas útil para análise, mas deve ser pensada como diretriz, ao invés de uma distinção breve e rígida. Neste texto, a questão geracional entra como um importante suporte para entendermos “subculturas” como as VSCO girls e as e-girls, grupos que surgiram na Geração Z, e que vêm se tornando o centro da atenção de grandes empresas e ao mesmo tempo alvos de memes e críticas.

Entretanto, antes de definir essas subculturas e adentrar de fato na discussão proposta, sinto que devo me localizar no tópico geracional. Eu nasci em 1997, de modo que segundo o Pew Research Center faço parte do início da Geração Z. Porém, também existem outros sistemas de organização que me considerariam como o final da geração Millennial. O fato é que não me lembro do 11 de Setembro, dos anos 90 ou de elementos da cultura pop que teoricamente fazem parte do universo Millennial. Ainda assim, confesso que também me sinto um pouco velha para ser parte da Geração Z. Segundo algumas teorias de usuários do Reddit esse fenômeno seria o weird gap dos nascidos entre 1995 e 2000.

Termos como VSCO girls e e-girls, de algum modo, chegaram aos conteúdos que consumo online de maneira quase natural. Acompanhei muitas das garotas que hoje são consideradas e-girls crescerem na internet antes mesmo da consolidação dessa nomenclatura e confesso que quase fui influenciada a comprar a tradicional garrafinha de água das VSCO girls. Porém, todas essas coisas sempre me soaram como só mais uma tendência da internet. No entanto, há pouco tempo me surpreendi ao ver minha “bolha social” do Twitter, composta principalmente por pessoas alguns anos mais velhas que eu, descobrindo esses termos como se fossem parte de alguma cultura muito distante. E quando digo isso não é para soar como alguém bem informada ou à frente de seus pares, mas para frisar o quanto me senti deslocada ao acompanhar meus colegas descobrindo com estranheza algo que me parecia tão trivial. Embora a situação como um todo não tenha sido muito confortável, acredito que foi essencial para que eu percebesse de outra forma o que havia por trás do tipo de recepção que esses termos tiveram fora de suas plataformas de origem.

Antes de mais nada, as devidas definições. Quando falamos em VSCO girls, imagino que a primeira ideia que se tem envolve o aplicativo de edição de fotos com mesmo nome. Bom, esse aplicativo de fato faz parte dos elementos que ajudaram a consolidar as VSCO girls como um grupo específico, mas não dá para resumir uma VSCO girl apenas pelo uso do VSCO. Na verdade, se eu tivesse que definir esse grupo usando uma única palavra eu diria que são garotas básicas. Essa noção começou a surgir depois que algumas pessoas notaram um novo padrão de meninas que pareciam se estabelecer na linha oposta das chamadas Instagram Baddies. As Instagram Baddies seriam garotas que seguem um padrão visual com maquiagem pesada, sobrancelhas e lábios grossos, ou se preferir, garotas que parecem ter como referência visual Kylie Jenner, Janice Joostema e Anna Nystrom. Nesse sentido, as VSCO girls seriam as garotas que optaram pela linha de estilo oposta. Pouca maquiagem, roupas esportivas e largas, envolvimento com a natureza e marcas como Brandy Melville, Mario Badescu e Fjällräven são alguns dos itens que geralmente compõe o estilo de uma VSCO girl.

Já o termo e-girl começou como um insulto para atingir garotas envolvidas com o universo dos games, quase uma espécie de variação do termo attention whore (alguém que só quer chamar atenção). Essa nomenclatura começou a ganhar destaque em 2014 quando o Gamergate daquele ano envolveu um amplo movimento com ameaças de morte e estupro, direcionadas para mulheres que trabalhavam na indústria dos games.

Atualmente, o termo serve para definir um outro estilo visual que estaria na direção contrária das VSCO girls e Instagram Baddies. A ideia é que embora esses dois tipos de garotas pareçam diferentes se compararmos um grupo com o outro, analisando por uma perspectiva interna as Instagram Baddies e as VSCO girls seriam todas “iguais”. Nesse sentido, as e-girls se estabeleceriam como um estilo marcado por elementos do gótico, K-POP e otaku, mas ainda assim com diversidade interna. Porém, é importante destacar que o estilo que marca uma e-girl é geralmente construído como algo voltado para as redes sociais, ou seja, dificilmente você irá encontrar uma e-girl pelas ruas. Além disso, ao contrário dos outros estilos citados aqui, as e-girls possuem uma versão masculina que atende pelo nome de e-boys.

VSCO girls e e-girls devem grande parte de sua popularidade ao aplicativo TikTok. Lançado em 2017, o TikTok tem como proposta ser uma plataforma para criação e compartilhamento de pequenos vídeos e já é responsável pela criação de diversos virais da internet. No aplicativo você pode encontrar postagens em que as próprias e-girls brincam com trocas de visual, mas também desafios como o E-Girl Factory no qual os usuários do aplicativo fingem ser arrastados e transformados em e-girl contra a sua vontade.

Já com as VSCO girls é preciso ir um pouquinho além do TikTok para compreendermos os virais e termos associados ao grupo. Seja qual for a plataforma, ao se referir a uma VSCO girl é bem comum o uso de expressões como “sksksk” e “and I oop”. A origem do “sksksk” já foi atribuída à comunidade afro-americana do Twitter que antes mesmo do surgimento das VSCO girls já usava a expressão para indicar surpresa. Porém, existem também menções para uma suposta influência da comunidade Stan do Twitter, ou seja, contas dedicadas a alguma celebridade ou produto de mídia, e também ao ASMR, tendo sido verificado que a expressão já era usada nesse tipo de produção para criar efeitos sonoros interessantes. Já o “and I oop” surgiu com um vídeo da Jasmine Masters, drag queen que participou da sétima temporada de RuPaul’s Drag Race e da quarta temporada do RuPaul’s Drag Race All Stars.

Uma outra associação muito comum é entre as VSCO girls é o “Save The Turtles” [Salve as Tartarugas]. O Save The Turtles é na verdade uma marca que vende produtos “Ocean Friendly“, ou seja, produtos que teoricamente não agridem os oceanos já que não possuem plástico em sua composição. Entretanto, o Save The Turtles cresceu tanto que acabou se tornando uma espécie de lema de consciência ambiental abraçado pelas VSCO girls. Essa associação também carrega muitas controvérsias e é frequentemente apontada como apenas um discurso vazio. Para quem critica as VSCO girls, Save The Turtles” não passaria de uma frase de efeito vinda de garotas que usam a causa ambiental apenas para ganhar curtidas nas redes sociais.

Todas as expressões, hábitos de consumo e características citadas aqui logo foram transformadas em memes e sátiras. Acompanhando os memes divulgados no TikTok a impressão que se tem é que uma VSCO girl não seria capaz de terminar uma sentença sem falar aleatóriamente “sksksk“, “and I oop” ou “Save The Turtles“. Nesse sentido, aos poucos, criticar esses tipos de garotas foi se tornando uma forma de fazer sucesso na internet tão ou mais eficiente do que de fato ingressar nesses grupos. A princípio, confesso que vi essa prática como algo normal, afinal quem não está sujeito a se tornar meme nos dias atuais?

No entanto, desde que essa temática saiu de plataformas como o TikTok, Instagram e VSCO tem sido impossível ignorar como a questão geracional afeta o julgamento acerca dessas tendências. Nos últimos meses, uma infestação de artigos tentando explicar o que são esses estilos não fizeram o menor esforço em disfarçar um certo menosprezo pelos gostos e interesses da “nova geração”. Em um grande site canadense uma mãe escreveu sobre como está tentando salvar sua filha de ser uma VSCO girl. Outro site convidou adolescentes para explicar o que é uma VSCO girl e porque você nunca irá querer ser uma. Isso sem contar as abordagens generalistas que buscavam explicar todo esse universo dizendo apenas: “ah, isso aí é uma coisa de Gen Z”. Sabemos que esse tipo de situação não é exclusividade da geração mais recente, uma vez que, os próprios Millenials seguem sendo criticados e responsabilizados por diversos problemas de nossa sociedade. No entanto, fico me perguntando se é realmente tão absurdo que uma geração que cresceu com a tecnologia digital busque tendências intimamente ligadas à esse universo.

Para a pesquisadora Paula Sibilia, a carne pode e deve ser trabalhada como uma imagem. A autora considera que a principal função da carne é servir para expor nossa própria subjetividade, ou seja, aquilo que desejamos exibir a respeito de nós mesmos. Seja para o bem ou para o mal, o fato é que essa prática ganha novos nuances no contexto digital. Padrões estéticos existem desde que começamos a nos organizar em sociedade, mas é inegável o quanto as redes sociais agregam na propagação desses padrões a nível global.

É claro, não podemos ser inocentes ao ponto de achar que fenômenos como as VSCO girls são apenas garotas expondo suas subjetividades. Não por acaso, existem também diversas marcas associadas a essa estética e um claro interesse econômico por trás da popularização do estilo. Porém, a maior parte das críticas que esses grupos recebem não tem nada a ver com preocupações sérias a respeito do modo que grandes empresas enxergam essas adolescentes como apenas um meio para aumentar os lucros. O que de fato tem sido criticado aqui é a forma com que essas garotas se expressam, suas personalidades ou supostamente a falta delas.

De volta para a questão da imprensa, a visão de Hillary Hoffower, do Business Insider, que declarou: “Sou uma Millennial, e não odeio as VSCO girls — elas são apenas a primeira nova tendência a fazer eu me sentir velha”. O texto de Hillary é um dos menos alarmantes e mais sinceros que li, nele a autora admite que não entende bem a tendência das VSCO girls, mas não trata a questão como absurda. Hillary ainda comenta que as gerações anteriores há muito tempo pensam nos Millennials como “a juventude”, mas, a verdade é que essa geração também está envelhecendo. Para completar, a autora segue explicando em seu artigo o quanto as críticas direcionadas para as VSCO girls envolvem um certo desdém de pessoas mais velhas com o aquilo que é tendência entre os mais novos.

Como já disse, não sei ao certo se sou uma Millennial ou uma Gen Z, nem se essa questão de fato importa. Entretanto, ainda me lembro de quando gostar de animes era visto como uma coisa quase bizarra, quando o país decidiu que as calças coloridas estilo Restart eram uma ofensa ao bom gosto e até da época em que assistir ou ler Crepúsculo era um atestado de futilidade feminina. O fenômeno das VSCO girls e e-girls está cheio de nuances próprias, impulsionadas pelas novas tecnologias, mas a recepção desses grupos em contextos mais amplos carrega muito dos conflitos geracionais que já conhecemos. Pode não ter sido com esse caso, mas sei que uma hora vai chegar minha vez de me sentir velha demais para apreciar alguma nova tendência. Até lá, só espero me lembrar bem do que eu pensava enquanto escrevia este texto.


** As imagens que ilustram o texto são de autoria da colaboradora Natália Dias