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Um balanço das representações femininas em A Seleção

A primeira vez que ouvi falar no enredo da série A Seleção, confesso, revirei os olhos, e acho que qualquer pessoa já inserida na bolha da problematização faria ou fez a mesma coisa. Como assim um “big brother” de meninas para o príncipe escolher sua esposa? A gente realmente precisa de demonstração de objetificação de mulheres na literatura jovem adulta? Não, a gente não precisa. E depois de ter recebido indicações efusivas de uma amiga e ganhado os dois primeiros de presente dela mesma eu confesso que fiquei bastante animada, e me viciei tanto na trama que li rapidinho. Graças à deusa, A Seleção não é a história rasa e “feministicamente” péssima como eu pensei que seria.

Para você que chegou aqui sem pouco ter ouvido falar do assunto: a série, escrita pela americana Kiera Cass, acontece num universo distópico localizado temporalmente depois de uma terceira guerra mundial. O mundo está completamente diferente do que era e Iléa, o antigo Estados Unidos, é um reino monárquico dividido em castas. É ali que vivem nossos protagonistas.

Maxon, o príncipe, pertencente à primeira casta, está na idade de se casar e é aí que entra o big brother de meninas. Nesse reino, os príncipes escolhiam suas futuras esposas por meio do conhecido evento A Seleção, para o qual todas as meninas de todas as castas que estivessem entre determinada idade podiam se inscrever e do qual sairiam 35 escolhidas para morarem no castelo. A partir de então, tudo era televisionado para o reino todo e o príncipe precisava escolher, entre essas 35, sua futura esposa. Elas passavam por provas como organizações de eventos, testes históricos e encontros políticos para que a família real pudesse avaliar quem estaria mais apta a ser uma futura rainha, e enquanto isso o príncipe marcava encontros pessoais para sentir por quem ele poderia se apaixonar.

Não me estenderei mais sobre a história e seu desenvolvimento. Por aqui, pretendo focar nas relações femininas presentes na trama e em como isso foi abordado pela autora. De antemão, prefiro avisar que será difícil evitar spoilers, já que pretendo, em alguns momentos, traçar um paralelo entre o que vemos numa primeira parte da história e o que encontramos em uma segunda parte.

Não há como começar sem falar da famigerada rivalidade feminina em um enredo em que meninas disputam ser a preferida de um príncipe. A rivalidade existe, é claro, mas acho injusto com a autora e uma própria falha minha de percepção dar maior destaque para as brigas que acontecem entre elas do que para as bonitas e sinceras amizades que são construídas ali, mesmo num contexto hostil. Algumas das meninas levam a disputa mais a sério do que outras. Algumas recorrem a trapaças e até saem uma ou duas clássicas brigas envolvendo tapas e puxões de cabelo, mas acredito que o nascimento de fortes amizades seja muito mais evidenciado pela história.

Mostrar personagens mulheres, ainda na adolescência, quebrando o tabu da rivalidade, mostrando que podem se tornar amigas mesmo em uma situação de disputa direta é fundamental. Com o passar do tempo, conseguimos ver grandes histórias sendo traçadas no âmbito da amizade e o quanto ela é importante. Ganhar uma amiga é sempre mais interessante do que ter uma rival. E um ponto positivo é que tudo isso acontece da mesma forma quando eram os meninos que disputavam a princesa: houve rivalidade, mas também houve o nascimento de grandes amizades.

Um ponto importante é a influência da mulher nas decisões políticas. Não gosto da ideia de que “por trás de um grande homem existe uma grande mulher”. Por que por trás? Por que a rainha só é evidenciada por dar ideias e ajudar o rei a tomar as decisões? Ela está, no mínimo, ao seu lado, demonstrando tanta capacidade e tanta força quanto ele e merece ser reconhecida por isso. Gosto da segunda fase da série, quando o jogo vira e a hierarquia de gênero finalmente cai, e Iléia tem sua primeira rainha. A questão da menina não querer o cargo já é mais profunda e me deixou com sinceros questionamentos em relação a essa obrigatoriedade de seguir com o sistema de hierarquia familiar monárquica. Quando uma criança nasce e não tem interesse em assumir seu dever? Na história não havia, na vida real é uma questão que me assola desde que li o livro porque nunca tinha parado para pensar no assunto.

Mais delicado é, ainda, na segunda parte da série, quando a seleção se inverte e a retratada é a princesa Eadlyn, e a birra que o reino tem para com a princesa. O tempo todo há algum conselheiro dizendo que ela precisa parecer mais delicada, mais aberta, porque demonstra uma pose inatingível demais, meio irreverente e até metida. Não digo que é legal que um governante pareça metido a besta, seja quem for, mas a implicância parece sempre maior pelo fato de Eadlyn ser mulher. Um homem irreverente sempre será recebido com mais boa vontade que uma mulher irreverente. Eadlyn pode não ser a melhor pessoa possível, mas ela era só uma adolescente e ficarem toda hora no pé da garota mandando que ela fosse mais singela e simpática é de tirar do sério.

De forma geral, acredito que o balanço seja positivo e que A Seleção seja uma leitura bacana para quem se interessa pelo gênero. Eu daria de presente para uma adolescente — e ainda proporia conversarmos sobre essas questões.


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1 comentário

  1. Eu já li a seleção até o final e achei muito machista e também identifiquei passagens sutilmente racistas, glamourizam maus tratos a animais e caçadas. Não não daria de presente para ninguém, lembrando que ganhei de presente. A maioria das mulheres que idolatram esses tipos de produtos são machistas ou muito tolerantes ao machismo, gostam de fantasiar um ‘mundo de princesa’ como dessas séries machistas, algo que não consigo, nem aguento ser e fazer.

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