Categorias: LITERATURA

The Interestings: o medo de não ser excepcional

Quando eu era adolescente, tudo que eu queria era ser excepcional. Na verdade, mais que isso: eu não só queria ser excepcional, mas acreditava piamente que eu era. Minha vida inteira eu tinha ouvido que eu era inteligente, que eu era madura, que eu tinha enorme potencial: da minha família, dos professores do colégio que me comparavam aos seus alunos universitários, de todo mundo que me explicava que eu sofria bullying porque “essas outras pessoas estão com inveja”. Eu ouvia “Live Forever” do Oasis e cantava gritando “we see things they’ll never see”, eu escrevia longos e-mails e textos em diários com exclamações e hipérboles sobre como eu sentia tudo e sabia tudo e podia tudo e não podia nunca me render à normalidade (quando mais cruel, o termo que eu usava era mediocridade), eu fazia pactos com minhas amigas para que nunca deixássemos esse sentimento acabar. Eu acreditava inteiramente na fala da basketcase interpretada por Aly Sheedy em O Clube dos Cinco: “quando você cresce, seu coração morre.”

Hoje, dez anos depois do auge disso tudo, eu me encontro bem no meio da crise dos vinte-e-poucos anos, tentando respeitar e manter parte da intensidade e da confiança e de uma espécie de fé cega da adolescência mesmo sabendo que basear toda uma identidade em ser excepcional não funciona, não leva a lugar nenhum — a não ser a quebrar a cara. A arrogância da adolescência diminuiu em mim com o tempo, mas não foi embora totalmente — eu só tento transformá-la em outro tipo de autoconfiança. O que mais fez diferença foi o aprendizado de que a autoconfiança não precisa vir junto com o desprezo pelo outro, como meu eu de 15 anos acreditava — e também que ser “normal” não existe e, portanto, não é em si um problema.

É esse mesmo crescimento, com esses mesmos medos e erros e aprendizados, que guia The Interestings, romance da autora americana Meg Wolitzer (que escreveu seu primeiro romance publicado com menos de 22 anos, e portanto parece saber do que fala sobre jovens artistas). Não é um livro pequeno (segundo o Goodreads, sua primeira edição americana tem 468 páginas), nem um livro ágil — os pontos de vista variam entre muitos personagens, as histórias vão e vêm no tempo, e a vida de seu elenco não é sempre cheia de ação —, mas é um livro, se me permitem, interessante.

“I always thought it was the saddest and most devastating ending. How you could have these enormous dreams that never get met. How without knowing it you could just make yourself smaller over time. I don’t want that to happen to me.”

“Sempre pensei que esse fosse o mais triste e o mais devastador fim. Como você pode ter esses sonhos enormes que nunca se realizam. Como, sem saber, você pode se diminuir ao longo do tempo. Não quero que isso aconteça comigo.” (tradução livre)

A “protagonista” — entre aspas porque os pontos de vista variam e eu reluto em calcificá-la como principal personagem, mas podemos considerar que ela é nosso ponto de entrada na narrativa — é Jules Jacobson, cuja história começa no verão de 1974, em uma colônia de férias para jovens artistas. Mais especificamente, sua história começa quando ela se junta a um grupo de adolescentes composto por Ash, Goodman, Ethan, Jonah e Cathy — todos excepcionais, todos de Manhattan (enquanto Jules, que até então se chama Julie, vive no subúrbio), todos, aos olhos de outros adolescentes, fascinantes. A história de Jules, no entanto, não acaba aí, não culmina em um verão marcado eternamente na memória, depois do qual o leitor pode sair igualmente fascinado, igualmente desejoso de excepcionalidade; a história de Jules, Ash, Goodman, Ethan, Jonah e Cathy continua, como a de todo mundo, e muda, como a de todo mundo — excepcionalidade não garante imortalidade, não garante permanência, não te protege do que você teme.

Se eu descrevesse todos os acontecimento da vida de cada um dos personagens, The Interestings poderia soar como um livro dramático demais: a narrativa envolve morte, doença, estupro, seitas religiosas, adultério, todo tipo de questão financeira, drogas, transtornos mentais, homofobia… No entanto, a confluência de problemas — e de coisas boas, de famílias e sucessos e amores — só dá a eles seus pesos devidos no decorrer de vidas inteiras, só fornece à história o realismo necessário. Enquanto vários autores escolheriam um desses temas para focar em um livro inteiro — como se cada uma dessas coisas existisse em um vácuo, fosse uma tragédia única na vida de um personagem único —, Meg Wolitzer permeia as vidas e relações de seus personagens por dores e transformações.

“Well,” said Ash, and she got out of her own bed and came to sit beside Jules. “I’ve always sort of felt that you prepare yourself over the course of your whole life for the big moments, you know? But when they happen, you sometimes feel totally unready for them, or even that they’re not what you thought. And that’s what makes them strange. The reality is really different from the fantasy.”

“‘Bem’, disse Ash, que se levantou de sua cama e veio sentar ao lado de Jules. ‘Sempre achei que você meio que se prepara ao longo de toda a sua vida para os grandes momentos, sabe? Mas quando eles acontecem, às vezes você se sente totalmente despreparado pra eles, ou mesmo sente que eles não são o que você pensava. E isso deixa eles estranhos. A realidade é diferente da fantasia.” (tradução livre)

Ao longo do romance, Jules, nossa proto-protagonista, relegada a uma vida da mediocridade que ela tanto rejeitou — sem sucesso na carreira artística (ao reparar que não era tão excepcional se comparada às outras atrizes aspirantes da Broadway), sem ascensão financeira (mas ainda melhor amiga de Ash, cuja família é rica e cujo marido também), casada com um homem querido mas que não é um artista e, portanto, não é considerado especial —, tenta aprender, com relutância, a falha da lógica da excepcionalidade. Tenta, mas não consegue inteiramente; tenta, mas ainda acredita que para quem é verdadeiramente excepcional há sempre uma saída, ainda acredita que ela é capaz de retomar o que a tornava especial naquela colônia de férias tantos anos antes; tenta, mas a arrogância da adolescência ainda aparece vez ou outra, ainda atravessa e colore suas interações com o mundo. Jules não é o que se chamaria de uma personagem “gostável” — nenhum dos personagens é, alguns ainda menos do que os outros (por razões óbvias para quem ler o romance, Goodman é o que acho pior; e, por razões talvez óbvias para quem me conhece, Jonah é o que acho melhor) —, mas ela soa inteiramente como uma pessoa de verdade.

“But, she knew, you didn’t have to marry your soulmate, and you didn’t even have to marry an Interesting. You didn’t always need to be the dazzler, the firecracker, the one who cracked everyone up, or made everyone want to sleep with you, or be the one who wrote and starred in the play that got the standing ovation. You could cease to be obsessed with the idea of being interesting.”

“Mas, ela sabia, você não tem que se casar com a sua alma gêmea, e você nem tem que se casar com um Interessante. Você nem sempre precisa ser a encantadora, a mais emocionante, aquela que fez todo mundo rir, ou fez todo mundo ter vontade de ir pra cama com você, ou ser aquela que escreveu e estrelou a peça que foi aplaudida de pé. Você pode parar de ser obcecada com a ideia de ser interessante.” (tradução livre)


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