Categorias: LITERATURA

Socorro Acioli, sua cabeça do santo e por que devemos valorizar a literatura que nos representa

Parece bobeira, mas estamos tão acostumados a viver sob a redoma do raio internacionalizador que nos desacostumamos a dar de cara com algo que seja nosso e nos represente de forma mais próxima. Tendo me tornado uma recente apreciadora da literatura contemporânea brasileira, me pego pensando com frequência em como é gostoso se sentir parte das coisas, entendendo o idioma falado para além do básico, mas também piadas internas e gracejos.

Foi nessa caminhada em busca de boa literatura contemporânea brasileira (preferencialmente escrita por mulheres) que esbarrei com A Cabeça do Santo, o primeiro romance da Socorro Acioli. fortalezense, Socorro é Doutora em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense, tem 19 livros infantojuvenis publicados e ministra cursos de escrita criativa.

Em A Cabeça do Santo, ela nos presenteia com a história de Samuel, um rapaz que acabou de perder a sua mãe e se sente impelido, embora não muito disposto, a realizar quatro pedidos que ela lhe deixou: três deles são acender velas para três santos; o quarto pedido já é bem mais complicado: que Samuel encontre seu pai e sua avó paterna, que ele nunca conheceu.

Com muito rancor no coração pela vida sofrida que ele e sua mãe sempre tiveram, Samuel decide ir em busca desse pai desaparecido com planos nem um pouco nobres e que nada tem a ver com as ideias de sua mãe, que sempre tentou defender a imagem paterna. Para isso, ele precisa de dias de caminhada — e é assim, na verdade, que a história começa.

A Cabeça do Santo

A narrativa da caminhada de Samuel é tão bem construída que você se sente sugado pela história desde esse início. É com tanta força e maestria que Socorro descreve a realidade das pessoas que precisam andar à pé no nordeste brasileiro, lidando durante toda a trajetória com perdas (da vida, da saúde, dos sonhos, das esperanças e da sanidade) que temos a sensação de que está ali, morrendo de sede, no meio deles.

Após quase 20 dias, chegando enfim na cidade de Candeia, Samuel é, de cara, destratado por sua avó, contrariando todas as expectativas de sua mãe. Ela não aceita recebê-lo e ainda recomenda que encontre depressa um lugar para se esconder, visto que uma forte tempestade está ameaçando cair. É assim que Samuel vai parar então na Cabeça do Santo: a “gruta” em que ele se esconde, na verdade, é a cabeça de uma imagem de Santo Antônio que não pode ser colocada no lugar por uma falha arquitetônica.

É a partir daí que o enredo propriamente dito começa a se desenrolar, já que ele começa a ouvir as vozes das mulheres da região pedindo por um amor — e decide que talvez seja uma boa ideia tentar atender a um desses pedidos, entrando numa enorme confusão religiosa e política.

Falar mais sobre o desenrolar da história seria dar spoilers, mas ela só dá mais certeza de que todo leitor brasileiro deveria procurar A Cabeça do Santo. A chance de conhecer mais do nosso país por meio da literatura é uma experiência única que poucos aproveitam. É algo tão nosso, tão regional, pensarmos nessas pessoas do interior sendo devotas de santos e acreditando que a cidade é amaldiçoada por uma cabeça que não foi colocada no lugar, que não tem como gargalhar e se sentir representado. Se você não se sente minimamente representado, é mais importante ainda, porque é uma ótima oportunidade de entrar em contato com realidades diferentes do nosso país.

A Cabeça do Santo já foi publicado em outros países — mas não é porque ele foi reconhecido lá fora que deve ser aqui dentro. Não deixa de ser um tapa na cara, no entanto, pensar que existe literatura brasileira sendo valorizada no exterior muito mais do que em nosso próprio solo. No mínimo triste, no máximo, bem problemático.


Participamos do Programa de Associados da Amazon, um serviço de intermediação entre a Amazon e os clientes, que remunera a inclusão de links para o site da Amazon e os sites afiliados. Se interessou pelo livro? Clique aqui e compre direto no site da Amazon!