Categorias: CINEMA, GAMES, LITERATURA

Sexta-feira 13: o que fazer?

Qual é a primeira imagem que a combinação das palavras “sexta-feira” e “treze” faz surgir na sua cabeça? Na minha, é a da Maria Degolada. Tinha uns nove ou dez anos quando ouvi essa história pela primeira vez (ouvi muitas outras variações ao longo dos anos), e ela dizia que era preciso repetir o nome três vezes na frente do espelho do banheiro numa sexta-feira 13 para ver a pobre mulher. Desde lá, evito me encarar por muito tempo no espelho de qualquer banheiro em qualquer sexta-feira que dê o azar de cair num dia 13 — ainda que eu nunca tenha tido a coragem de repetir o nome três vezes em voz alta. Como diria Michael Scott (Steve Carell), de The Office, não sou supersticiosa, mas sou um pouquinho sticiosa.

Alguns consideram a sexta-feira 13 um dia de má sorte, agourento, e tomam ainda mais cuidado para não acordar com o pé esquerdo, cruzar com gatos pretos na rua ou caminhar por baixo de escadas. A longa série de filmes Sexta-Feira 13 também vem ajudando a, desde os anos 1980, associar a data ao terror e ao medo. O interessante do medo é o quanto ele é capaz de englobar. Alguns medos são coletivos e viram parte do imaginário popular — como a sexta-feira 13. Alguns são muito pessoais, por motivos que apenas nós entendemos. Alguns são inexplicáveis até por quem os sente.

Independente de quais medos você tenha, ou de você ser super, um pouquinho ou nada sticioso, queremos te convidar para se deixar levar e entrar no clima de medo que combina tanto com o dia de hoje. Para te ajudar nessa missão, temos indicações de bruxas — que tomam esse título para si ou tem ele imposto —, adolescentes com o poder de telecinese, criaturas míticas e lendas urbanas, um pouquinho do gótico vitoriano e jovens numa casa na montanha.

As Bruxas de Mayfair, Anne Rice

Por Thay

Sabemos que Anne Rice é basicamente uma unanimidade quando o assunto é livro de terror e fantasia. Sua série de livros mais famosa, As Crônicas Vampirescas, abusa da aura de terror e suspense, mas a indicação para essa sexta-feira 13 é de livros de outra série sua, As Bruxas Mayfair. Composta por quatro livros, a série aborda as vidas das mulheres da família Mayfair, nem todas bruxas, nem todas boas, nem todas más, mas todas incrivelmente bem construídas e intrigantes. Nos dois primeiros volumes, A Hora das Bruxas I e A Hora das Bruxas II, somos apresentados a essa família que, há mais de quatro séculos, vive imersa em feitiçarias, incestos e conversas muito bizarras com um demônio secular, Lasher, enquanto prospera e enriquece devido a dedicação das bruxas da família à magia negra.

O enredo é desenvolvido entre idas e vindas, passado e presente — o que pode soar um pouco confuso no início, mas depois se torna completamente irresistível de acompanhar. A história dos antepassados Mayfair é tão interessante quanto a história de seus herdeiros, então todos os saltos temporais, as viagens entre diferentes países e cenários, é bem-vinda. O que mais me deixou fisgada nessa história, além de toda essa aura de magia e misticismo misturadas a uma atmosfera de suspense e urgência, foi, exatamente, as mulheres da família. Cada uma delas é única e elaborada de uma maneira tão inteligente que você acaba se apegando a todas. São personagens carismáticas, sagazes, inteligentes e totalmente distantes do estereótipo da bruxa com o qual o grande público está acostumado. Esqueça a verruga na ponta do nariz, as bruxas Mayfair são forças da natureza que além de contarem com um demônio (praticamente) de estimação, possuem o dom de se comunicar com as entidades e curam — ou matam — se assim desejarem.

Os dois outros livros da série, Lasher e Taltos, seguem o mesmo ritmo de magia e ocultismo: Lasher, a saber pelo título, aborda com mais profundidade a origem desse espírito demoníaco com ares de galã e os motivos que o fizeram se conectar com a primeira bruxa da linhagem Mayfair e permanecer pairando ao redor de todas as mulheres da família; Taltos encerra a série com um pouco de previsibilidade, mas ainda contém a magia narrativa de Anne Rice. — Compre!

Carrie, A Estranha, Stephen King

Por Paloma

Carrie foi o primeiro livro publicado do grande mestre do terror, Stephen King, lá pelos idos de 1974. Antes dele, o autor já tinha escrito outros três livros, mas Carrie foi o primeiro a ver a luz do dia. O livro é entrelaçado a partir de cartas, notícias e documentos que ajudam a dar um “ar de autoridade” aos fatos narrados.

Carrie é uma adolescente, filha de uma mãe viúva fervorosamente religiosa, que acredita que todos os problemas têm origem no pecado e que a sociedade está toda corrompida além de qualquer salvação. Carrie nasceu de um erro, do pecado, e por isso precisa ser purificada. Mas quando Carrie menstrua pela primeira vez (já com 16 anos), a mãe se convence de que a filha perdeu a pureza e se tornou uma mulher. É aí que o livro começa.

Com esse contexto completamente perturbado, Carrie dificilmente poderia ser uma pessoa “normal”; ela é excluída pelos colegas de escola e sofre bullying constante. Apesar disso tudo, a menina não é convencida pela loucura da mãe — por trás da garota estranha com quem ninguém fala, está uma adolescente que quer desesperadamente ser normal e se encaixar na sociedade como as outras pessoas. Carrie é uma personagem incrível e complexa e bem construída, com uma carga emocional intensa e que me conquistou completamente.

Apesar de todos os acontecimentos narrados no livro, a obra é construída de uma forma em que ela se torna a verdadeira “mocinha”, enquanto as vítimas do grande acontecimento são os reais vilões da história toda. É essa complexidade — que não foi tão bem captada pela adaptação cinematográfica — que torna Carrie, A Estranha um livro tão bom. Apesar de não ter sido escrito por uma mulher, a personagem feminina muito bem construída faz valer a indicação nessa lista. O livro ainda conta com várias personagens secundárias bem bacanas. — Compre!

Penny Dreadful, Showtime

Por Ana Luíza

Ambientada na Londres vitoriana, Penny Dreadful é uma série dramática de suspense e horror lançada em 2014, que une referências da literatura gótica a elementos de origem sobrenatural, trazendo para a tela personagens famosos como Dr. Frankenstein, de Frankenstein; Dorian Gray, de O Diário de Dorian Gray; Drácula, Mina Murray e Abraham Van Helsing, de Drácula, além de fazer menção a personagens reais que ganharam espaço no imaginário popular, como Jack, O Estripador.

É Vanessa Ives (Eva Green), no entanto, a protagonista, personagem fictícia atormentada por forças malignas que se envolve na luta contra o mal após o sumiço de sua melhor amiga, Mina Murray (Olivia Llewellyn), vítima de uma dessas forças. O desaparecimento de Mina é o que inicialmente movimenta a trama e mantêm unidos muitos dos personagens que ali transitam. A série, no entanto, vai além, fazendo com que sejam os dramas pessoais desses personagens os responsáveis por adicionar camadas à história. Mistério e fantasia são partes fundamentais da premissa, mas o que de fato faz de Penny Dreadful uma série notável é a complexidade com que constrói seus personagens, da protagonista aos coadjuvantes, explorando o lado mais obscuro de suas personalidades.

É uma proposta diferenciada do gênero — e talvez por isso funcione tão bem. Existem momentos realmente assustadores (a segunda temporada, em particular, possui algumas das cenas mais assustadoras da temporada), mas mesmo elas não são óbvias — o terror existe muito mais no desconhecido, nos segredos que são guardados, no que pode existir e quando as coisas podem acontecer. É um mistério sempre pronto para acontecer e desvendá-lo, uma experiência única.

A Bruxa, Robert Eggers

Por Anna Vitória

O filme de estreia do americano Robert Eggers, que também assina o roteiro, costura de forma interessante duas ideias diferentes e complementares a respeito da figura da bruxa: a primeira, das fábulas e do folclore, traz o sobrenatural para a história e é responsável pela maioria dos sustos presentes no filme; já a segunda é alegórica, sendo a bruxa um símbolo de tudo aquilo que parece mais ameaçador na figura da mulher, a começar por sua existência. Thomasin (Anya Taylor-Joy) carrega as duas consigo.

Thomasin vive isolada com sua família em uma cabana próxima a uma floresta. Com exceção das cabras e do cavalo, eles estão completamente sozinhos. Não demora muito para que coisas estranhas comecem a acontecer, sendo a mais estranha delas o fato de que Thomasin está sempre envolvida de alguma forma — no lugar errado, na hora errada, no corpo errado. Ao longo da história vai se acumulando sobre ela uma série de culpas e evidências e, com o reforço do fanatismo religioso de sua mãe, parece ficar claro que Thomasin é uma bruxa, culpada por todas as desgraças que aconteceram em sua família desde que eles foram expulsos do povoado em que moravam. Até seu pai, interpretado pelo excelente Ralph Ineson, se encontra sem argumentos para defendê-la. De um lado está Thomasin, sua filha, que é só uma garota; do outro sua própria fé, ele também um calvinista fervoroso, que não oferece alternativas senão a de fazê-lo acreditar que divide o teto com uma serva do demônio.

A Bruxa traz uma proposta de terror diferenciada, semelhante a outros lançamentos recentes, como O Babadook, e sendo chamado por muitos também de terror-arte. Para mim, classificá-lo dessa forma é dizer que histórias de terror não podem ser carregadas de profundidade e nuances, e Robert Eggers chega para dizer o contrário. Para escrever o roteiro, o cineasta se baseou em vários documentos da época que relatavam episódios envolvendo bruxas, muitos dos quais serviram de prova para que mulheres fossem queimadas vivas, acusadas de bruxaria. Lançado em 2015, o livro The Witches – Salem 1692, da vencedora do Pulitzer Stacy Schiff, conta algumas dessas histórias. O filme reproduz diálogos e preserva até o dialeto falado na época, e pensar nisso faz com que A Bruxa pareça bem real e assustador, e a culpa não é dos seus elementos sobrenaturais, ainda que eles funcionem muito bem e garantam alguns arrepios.

Lançado em março deste ano no Brasil, o filme teve uma repercussão bastante positiva, classificado pela crítica internacional como obra-prima do terror moderno. Além disso, muitos foram rápidos em classificá-lo como uma narrativa feminista. O final de A Bruxa e a redenção de Thomasin certamente são os responsáveis, mas precisamos pensar até que ponto isso é suficiente. A história não é contada sob o seu ponto de vista e não temos acesso aos seus pensamentos. O espectador é um observador, que assiste ao desenrolar dos acontecimentos e como os personagens reagem diante deles. Em entrevista ao site americano Flavorwire, Eggers afirmou que a interpretação feminista do filme faz parte do momento em que estamos vivendo, usando o gênero como categoria de análise. Sua intenção com o filme era fazer o mesmo, mas se valendo da tônica da época para ditar o rumo dos acontecimentos. Assim, A Bruxa é um filme sobre fé e paranoia religiosa, e de acordo com ela as mulheres que fugissem à norma, de propósito ou não, seriam condenadas. Não sei deixe enganar: o verdadeiro horror é ser uma garota adolescente na Nova Inglaterra do século XV.

Until Dawn, Supermassive Games

Por Ana Vieira

Imagine uma casa numa montanha. Agora imagine um grupo de amigos nessa mesma casa, no inverno, um ano após o desaparecimento de duas amigas nesse mesmo local. Imagine também acontecimentos estranhos, uma casa sem luz e você controlando aqueles personagens que você sempre chamou de burros nos filmes de terror. Tem uma ideia? Pois então, Until Dawn é basicamente isso: um game de terror e sobrevivência combinado com um sistema de efeito borboleta onde cada escolha irá impactar o rumo do jogo.

Sua trama imita filmes que já conhecemos: um grupo de amigos preso em uma casa na montanha que precisa lutar pra sair vivo, ou, ao menos, não se enfiar em tanta furada fazendo péssimas escolhas. Seu grande diferencial, além de contar com gráficos extremamente interessantes, é que o game foi filmado e digitalizado com atores de verdade; Hayden Panettiere e Rami Malek são alguns dos nomes que o protagonizam. Além disso, seu mecanismo de escolha e consequência permite que um único jogo possua diferentes histórias e fins. Você, por sinal, não ficará preso à visão de um único personagem e jogará com todos.

Quando joguei, em meio a tensão e uma dúvida enorme — o que estou fazendo da minha vida? Por que estou jogando isso? —, apenas um dos personagens sobreviveu. Ou seja, você deveria tentar a sorte pra se sair melhor do que eu. — Compre! 

2 comentários

  1. [TALVEZ CONTENHA SPOILER] Sobre A bruxa, vocês ficaram com a impressão de que tudo o que aconteceu com a família foi feito pelas bruxas para atrair Thomasin para seu meio? Isso é verdadeiro do ponto de vista do narrador, ou seja, todos os fatos do filme levam Thomasin a se juntar às bruxas, o que se confunde com a intenção das próprias bruxas. Outra questão é que toda a fé cristã fervorosa da família não foi capaz de se sobrepor à bruxaria, o que indica que aquela religiosidade não era muito eficaz ou verdadeira, como se a família estivesse cometendo algum erro em suas crenças.

    Sobre Carrie, a estranha, não achei muito assustador, justamente pelo fato de a Carrie não ser a vilã. Você fica do lado dela, entende o porquê do que acontece, e isso tira um pouco daquele medo do que não se entende. O que me deu mais medo foi a fama do livro, tanto que comprei e levei um tempão para ter coragem de ler.

    1. [MUITOS SPOILERS]
      .
      .
      .
      Nossa, eu nunca tinha pensado na intenção real das bruxas, se é que houve. Pode ter algo a ver com ela estar na adolescência, né? Em Carrie, por exemplo, foi a menstruação que potencializou a telecinese dela. É uma teoria interessante, gostei! 🙂

      Com relação à família, acho que a questão da “falha” da fé é um pouco relativa, porque no fim as orações acabaram “salvando” o irmão, né? Eles conseguiram exorcizar (?) ele antes e o menino morreu em paz. Por outro lado, acho que o destino da família também tem um pouco a ver com a diferença entre fé e paranoia religiosa, que é justamente o que o diretor queria abordar no filme – e a gente pode trazer a discussão até pra atualidade. É muito fácil um discurso religioso se confundir e misturar com outras intenções das pessoas; acho que a família da Thomasin, principalmente a mãe, acreditava DE VERDADE naquilo, mas se fiava muito mais no combate a tudo que era impuro do que na fé religiosa em si. Sei lá, só agora também parei pra pensar sobre isso, hahahah.

Fechado para novos comentários.