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Crítica: Esquadrão Suicida

Uma pequena confissão: eu não me importo com spoilers. Por mais que as tais revelações de enredo estraguem a experiência de assistir a um filme/série ou ler um livro para muita gente, sou da opinião de que saber, por si só, dificilmente supera a experiência particular de cada um ao consumi-la, salvo raríssimas exceções. Spoilers também podem ser uma maneira eficaz de se antecipar a determinada obra, incluindo eventuais gatilhos, ou mesmo se é uma boa ideia dispensar tempo e dinheiro para consumi-la. Esquadrão Suicida não escapou à regra. Antes de assistir ao filme, busquei referências em diferentes veículos, nacionais e internacionais, e quase todos concordavam em um ponto: o filme era um fiasco — e, talvez por isso, tenha sido tão fácil gostar dele como um entretenimento fácil, embora repleto de problemas.

Atenção: este texto contém spoilers

Dirigido por David Ayer (também responsável pelo roteiro) e com produção executiva de Zack Snyder, Esquadrão Suicida é o terceiro filme do universo estendido da DC e tem início após os eventos de Batman vs. Superman – A Origem da Justiça: uma vez sem o Homem de Aço (Henry Cavill) para proteger o mundo e com o Batman (Ben Affleck) desaparecido, a Terra se torna um lugar vulnerável e o governo dos Estados Unidos se preocupa em encontrar uma alternativa de defesa contra possíveis ataques de meta-humanos. Sem heróis a quem recorrer, Amanda Waller (Viola Davis) sugere, então, que vilões sob custódia do governo sejam recrutados para cumprirem missões especiais — ideia que não é aceita de imediato, mas deixa de encontrar resistência ao ficar claro que não há outra alternativa disponível.

A chamada Força Tarefa X  — denominação oficial do grupo — é inicialmente formada por Arlequina (Margot Robbie), Magia (Cara Delevigne), Pistoleiro (Will Smith), Capitão Bumerangue (Jai Courtney), El Diablo (Jay Hernandez), Crocodilo (Adewale Akinnuoye-Agbaje) e Slipknot (Adam Beach), além de Rick Flag (Joel Kinnaman) e Katana (Karen Fukuhara), responsáveis por manter os vilões alinhados com o objetivo da missão.

A formação, no entanto, não dura: logo nos primeiros minutos do longa, Magia, o espírito de uma bruxa milenar extremamente poderosa que toma o corpo de June Moore, encontra uma maneira de fugir temporariamente do controle de Amanda Waller e liberta seu irmão, um espírito tão poderoso quanto ela própria, que a ajuda a recuperar o pleno controle de seus poderes e se transformar na principal vilã de uma história repleta deles. Slipknot (ou Amarra), por sua vez, morre antes de qualquer ação, numa tentativa frustrada de fuga que é imediatamente interrompida pelo dispositivo implantado em seu pescoço — e no de todos os vilões —, o jeitinho que Amanda Waller encontrou para manter o controle da situação. A partir daí, a história se desenvolve alternando memórias dos membros do Esquadrão, a missão para conter Magia e as tentativas do Coringa (Jared Leto) de “salvar” Arlequina.

Como em qualquer filme “de equipe”, que não é centralizado num único personagem, mas que busca justamente trabalhar o conjunto, Esquadrão Suicida não busca desenvolver todos os seus personagens de forma aprofundada, preferindo focar na trajetória individual de Arlequina e Pistoleiro. É uma alternativa válida dentro do contexto específico dentro do filme — Arlequina e Pistoleiro são figuras carismáticas e mais conhecidas do público geral —, mas não deixa de ser uma pena que muitos personagens acabem subutilizados pela trama. É o caso de Katana, que integra o grupo apenas na versão cinematográfica, mas não parece fazê-lo por nenhum motivo particular. Nos quadrinhos, Katana perde o marido e o filho, que são assassinados pela máfia japonesa, e nas artes marciais encontra uma maneira de se vingar e lutar contra o crime. Em tempo, também integra grupos como Renegados e Aves de Rapina. Esquadrão Suicida, no entanto, a limita a ser uma mulher que chora ao conversar com a espada — capaz de aprisionar a alma de suas vítimas e que, no filme, possui a alma do seu falecido marido —, enlouquecida pelo luto.

O maior desenvolvimento não necessariamente significa uma trajetória mais fácil para as mulheres de Esquadrão Suicida, contudo. A esse exemplo, há a própria Arlequina, provavelmente a personagem mais emblemática do filme. Margot Robbie brilha ao dar vida à personagem, navega entre a meiguice e a raiva, a força e a sensualidade, com graça e sutileza. Mas os problemas estão todos lá e não é preciso grande esforço para vê-los: a roupa que a sexualiza desnecessariamente, as poses pouco naturais, a câmera que passeia pelo seu corpo e a objetifica constantemente. O relacionamento com Coringa tampouco se subverte, mantendo-se como um exemplo da romantização do abuso.

De fato, muito seria dito a respeito do Coringa de Jared Leto que, afora polêmicas de bastidores, foi um dos personagens mais presentes no material de divulgação do longe, sugerindo uma participação mais significativa do que de fato foi. Ao torná-lo uma parte da história de Arlequina, e não o contrário — portanto, coadjuvante na história de uma mulher —, Esquadrão Suicida poderia propor uma perspectiva realista do relacionamento — o que não acontece. Por mais que fique claro que Arlequina foi torturada e que sua loucura foi uma consequência dos abusos que sofreu, o filme não abandona o tom romantizado e transforma situações de violência em cenas que não conseguem alcançar a verdadeira dimensão do caso. Coringa é mostrado como alguém que se importa com Arlequina e a quer do seu lado, e passa praticamente todo o filme tentando resgatá-la. O único contraponto a essa representação é quando, durante uma perseguição, ele joga o carro em que os dois estão na água, apesar dos pedidos desesperados dela de que não o fizesse, uma vez que não sabia nadar. Coringa foge, deixando Arlequina para trás, e é o Batman quem a salva, levando-a posteriormente para a prisão. É uma cena isolada, que carece da força necessária para fazer frente a uma romantização que ocorre há anos e não deixa de estar presente também ao longo do filme.

Quando Arlequina é jogada no tonel de ácido, por exemplo, o filme prefere que ela o faça por “vontade própria”, enquanto nos quadrinhos ela é jogada contra a sua vontade. É uma cena bonita, mas de uma beleza vazia, sem justificativa. Mesmo que a intenção de Ayer fosse mostrar a influência de Coringa sobre Arlequina, comum a relacionamentos abusivos, a cena abre margem para interpretações que a considerariam, por exemplo, uma demonstração de amor.

Num contexto diferente, Magia, a verdadeira vilã do filme, acaba por ser mais uma personagem sem grande profundidade em um elenco repleto deles. Como muitos filmes de super-heróis que apostam em vilões fracos e motivações vazias, Magia quer destruir o mundo e todos aqueles que nele vivem para… dominar o nada? É uma imagem que não condiz com o que uma bruxa tão antiga e poderosa deveria ser; Magia poderia ser mais facilmente resumida a um plano de destruição vazio, um figurino ridículo e movimentações sem sentido. É fácil torná-la uma piada.

Amanda Waller acaba sendo uma das poucas personagens delineada com maior precisão, apesar do pouco aprofundamento de sua trajetória. Viola Davis consegue dimensioná-la como uma mulher ambígua, determinada em fazer o que for preciso para alcançar seus objetivos e muito fria em suas decisões, mas são qualidades que o roteiro parece perder de vista com a fuga de Magia. Recai sobre Waller também a responsabilidade por ter guardado o irmão da bruxa em sua própria casa, tendo mantido sob seu teto o artefato no qual sua alma estava presa e não percebendo seu sumiço até o momento em que parte para uma ação definitiva. O filme põe em xeque suas capacidades, mas não leva esses questionamentos além, preferindo não se aprofundar no que de fato move Amanda Waller e o que a teria feito manter tão próximo de si o artefato em primeiro lugar.

Se é verdade que explicações excessivas podem se tornar um problema, o contrário não garante necessariamente uma experiência melhor, em particular quando a ausência de resposta vem de um lugar de fundações fracas, que não fornece a base necessária para que o espectador tire as próprias conclusões. Por mais que Esquadrão Suicida estabeleça início, meio e fim, sua narrativa não parece capaz de solucionar os problemas que cria, recorrendo a clichês e inconsistências que enfraquecem o material final.

 

 

Dos pontos positivos, vale destacar a trilha sonora que, embora seja por vezes cortada de forma brusca e sem grandes justificativas, é cheia de músicas maravilhosas que ao menos conseguem fazer algum sentido numa produção que busca não se levar a sério demais; e o elenco diverso, que conta com atores negros, brancos, latinos e orientais. Esse é, talvez, um dos primeiros filmes de super-heróis com um elenco tão diverso e com quase tantas mulheres quanto homens, com papéis de importância muito similar (quando não igual), o que é um ponto bastante importante e que pode abrir espaço para que outras produções sigam pelo mesmo caminho. No entanto, não deixa de ser um pouquinho decepcionante pensar que o mesmo filme que traz tanta diversidade, é o mesmo que prefere descartar um personagem nativo-americano logo na largada.

De modo geral, Esquadrão Suicida é um filme esquecível, que não se difere muito de outros do gênero. Ele possui vários problemas e comete erros básicos, embora não mais do que a média dos blockbusters que seguem uma fórmula bastante problemática que precisa ser urgentemente repensada em produções futuras (de preferência, nem tão futuras assim). Mas ele também consegue cumprir seu papel enquanto entretenimento, diverte e empolga na medida, o que não merece ser celebrado, mas ao menos não é uma perda de tempo completa. É definitivamente uma pena que ele não tenha sido o filme que poderia ter sido, um respiro muito bem-vindo para o Universo DC nos cinemas, mas é, sem dúvida um respiro pra muita gente que, assim como eu, ficou traumatizada com o show de horrores de Batman vs. Superman.

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6 comentários

  1. Esse é simplesmente o melhor review sobre o filme que eu li ( e eu também li muitos!). Todos esses pontos que você levantou também me incomodaram muito mas o que realmente me fez sair do cinema falando sobre foi a questão da romantiza~]ao do relacionamento abusivo do Coringa e Arlequina. Como você disse, as cenas que demonstram o abuso não chegam nem perto de impactar o suficiente para dar o tom certo a relação dos dois. E PELO AMOR DE DEUS O que foi o Jared Leto??? Ele quase não tem destaque mesmo, ok também gostei disso no contexto da história da Arlequina, mas precisava fazer a gente sentir vergonha alheia a cada vez que aparecia? Achei forçado e caricato….

  2. Também me pareceu estranho essa facilidade toda da Magia “roubar” seu irmão e seu plano muito maluco de dominação, mas gostei do filme.

  3. Nossa, mas você deu muita estrela! hahaha!
    Concordo com tudo, menos com a parte sobre BvS, porque acho que foi um filme muito melhor executado, apesar do roteiro. Não só o roteiro de ES é muito preguiçoso, como a edição também parece ter sido feita por uma criança de 6 anos de idade. Uma edição bem feita poderia ter salvado algumas coisas, mas tornou o filme ainda mais raso.

    E, MEUDEUS, o que é a atuação da Cara Delevingne? Sofrível!

  4. Adorei seu texto. Principalmente porque explicou muito bem o incômodo que eu também tive com essa abordagem do relacionamento Arlequina e Coringa. Até falei disso no podcast do Cinema em Cena em que fui convidada, mas sinto que não consegui me expressar tão bem hehe Valeu!

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