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Relatos de Um Gato Viajante: amizade além das fronteiras

Algumas histórias ficam com a gente para sempre — e esse certamente é o caso de Relatos de Um Gato Viajante, da autora japonesa Hiro Arikawa. Publicado no Brasil pelo selo Alfaguara da Companhia das Letras, o livro conta a história de Nana, um gato que está viajando pelo Japão em companhia de Satoru, seu inesperado e devotado dono. Com ares de fábula e um enredo cativante, Relatos de Um Gato Viajante surpreende pela trama delicada e a narrativa ágil de Arikawa, que consegue mesclar momentos de emoção pura com piadas divertidas.

O livro começa com o gato do título contando um pouco sobre como encontrou seu humano e recebeu seu nome, Nana. Mesmo que o tal do nome não seja de fato compatível com seu gênero, Nana tenta não ligar muito para isso visto que Satoru, o seu humano, parece acreditar muito em sinais e coisas do tipo — para ele, o nome do gato só poderia ser Nana visto que, em japonês, a palavra corresponde ao número sete que é justamente a aparência que o rabo do gato tem, virado para o lado.

“Era apenas um gato, mas não era apenas um gato.
Para seu amigo, era único no mundo.” 

O gato estava simplesmente cuidando de sua vida, tirando um cochilo deitado sobre o capô de uma van prateada — seu lugar preferido para tirar uma soneca — quando um homem alto e magricela se aproxima dele, querendo fazer um cafuné. Nana não se sente muito disposto a deixar que um humano aleatório o toque a troco de nada — “Ué, você também ficaria incomodado se alguém viesse mexer em você no meio do seu sono, não ficaria?” — o que faz Satoru tentar barganhar com um pouquinho da comida que levava consigo. Ainda vivendo nas ruas, Nana sabe que não pode simplesmente ignorar a oportunidade de receber um pouquinho de comida, e deixa que Satoru o acaricie nas orelhas em troca de um pedacinho de frango. Desse momento em diante, todos os dias, Satoru deixa uma porção de comida para Nana perto da van, o que aos poucos faz com que os laços de confiança entre eles se estreite.

Após um inesperado acidente, o gato, em desespero, tenta procurar pela ajuda do único humano capaz de ampará-lo, e a partir de então, começa a amizade entre Nana e Satoru. O jovem acolhe o gato ferido em seu apartamento e o trata da melhor maneira possível, alimentando-o, trocando os curativos e levando-o ao veterinário sempre que possível. Nana, enquanto isso, tenta se convencer de que tudo aquilo é uma situação temporária e que assim que estiver curado precisará deixar o apartamento de Satoru; mas não é isso o que acontece — os laços de amor, companheirismo e carinho entre homem e gato já são tão fortes que um não quer deixar o outro, embora Nana sempre aja com um ar de superioridade, típico dos gatos, a respeito da questão.

“Tudo bem que só aprendi como são, no meu jeito de ver, as tonalidades que Satoru enxerga, mas não faz diferença, mesmo assim, estávamos vendo as mesmas cores. E eu vou me lembrar para sempre dos vários vermelhos que Satoru me mostrou.”

Cinco anos compartilhando a vida fazem de Nana e Satoru inseparáveis até que, por questões fora do controle de Satoru, ele não pode mais cuidar de Nana e precisa encontrar um lar amoroso e responsável para seu gato. Dessa maneira tem início a grande jornada de Nana e Satoru pelo Japão em busca de pessoas que possam adotar o gatinho e mantê-lo saudável e feliz. Satoru procura por seus velhos amigos da escola e da faculdade, pessoas que ele acredita que possam cuidar de Nana com carinho, e juntos, a bordo da van prateada, percorrem as paisagens do Japão enquanto constroem novas memórias e momentos inesquecíveis.

Relatos de Um Gato Viajante mescla as narrativas de Nana com as memórias de Satoru, costurando presente e passado, inteirando o leitor de toda a dinâmica da trama de uma maneira divertida e delicada. Nana é um gato muito espirituoso, de certa maneira até mesmo irônico e sarcástico, que tem simplesmente os melhores pensamentos e tiradas do livro todo. Os pensamentos de Nana, suas ideias a respeito do que Satoru está vivendo e toda a jornada que atravessam juntos dão um tom de fábula muito bem vindo ao livro; é interessante ver como Nana reage ao que ouve de Satoru, fazendo pouco caso de algumas situações tipicamente humanas, e como encara com humor o fato de que ele, um gato, consegue entender tão tranquilamente a psique humana enquanto Satoru, tecnicamente o ser pensante da questão, se atrapalha todo em alguns momentos.

É possível caracterizar Relatos de Um Gato Viajante como uma road trip onde a viagem dos protagonistas funciona como uma metáfora para o crescimento dos personagens, ainda que um deles seja um gato. A narrativa de Hiro Arikawa, sempre tão doce e certeira, é responsável por permear toda essa trajetória com belos momentos entre um gato e seu humano, o crescimento e o aprendizado que um tem com o outro e, talvez o mais importante, o amor imenso que existe entre eles. Por boa parte da narrativa não temos certeza dos motivos pelos quais Satoru precisa encontrar um novo lar para Nana, e isso faz a descoberta ser ainda mais emocionante e dolorida. O próprio Nana precisará passar por um dos momentos mais difíceis de suas sete vidas ao descobrir o que há com Satoru, fazendo com que Hiro Arikawa entregue uma das passagens mais intensas e emocionantes de toda a trama.

Relatos de Um Gato Viajante alterna a narrativa entre os pensamentos de Nana, a vida de Satoru e as lembranças dos amigos que encontram no caminho. Todos que passam pela vida da dupla é tocado de alguma maneira pela relação entre eles; é fácil se emocionar com a devoção de Satoru por Nana e o amor sem barreiras que o gato sente por seu dono. Hiro Arikawa faz um trabalho soberbo ao colocar em seu narrador-gato uma espiritualidade ímpar, algo que somente um gato poderia ter; Nana é divertido e muito esperto, enquanto Satoru é gentil e possui um grande coração — uma dupla carismática e que conquista o leitor logo na primeira página. A amizade construída por eles exemplifica tudo o que há de mais puro na relação entre humanos e animais, em como temos nossa parcela de responsabilidade quando aceitamos a missão de recebê-los em nossas vidas e, assim como zelamos por eles em todos os momentos em que estão sob nossa guarda, eles fazem o mesmo por nós até o último momento.

O primeiro livro de Hiro Arikawa publicado no Brasil não poderia ser mais especial — Relatos de Um Gato Viajante é uma história delicada sobre como a amizade entre um gato e um rapaz é capaz de atravessar as fronteiras de um país e a própria vida. Afinal, não é a jornada que conta, mas quem está ao seu lado.

O exemplar foi cedido por meio de parceria com a Editora Companhia das Letras.


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