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Puskás 2016 e a cota feminina no futebol

Eu tenho um radar para o futebol. Parece até esquisito dizer, mas tenho um feeling, um sexto sentido, um sentido aranha que me faz abrir o Twitter ou a página principal do meu portal esportivo favorito; e foi assim que eu abri o Twitter no exato momento em que a primeira lista de indicados ao Puskás Awards 2016 tinha saído.

Antes, uma breve história sobre a premiação: o Puskás foi criado em 2009 em homenagem a Ferenc Puskás, um jogador húngaro que jogou no Real Madrid nas décadas de 50 e 60. Segundo as regras do prêmio, existem, em média, dez nomeados na primeira lista, e os três mais votados vão para uma short list e competem entre si em uma segunda votação. Na época, o Puskás se destacou por pensar à frente de seu tempo e surgir tendo como um de seus critérios para gol vencedor “um gol bonito premiado sem distinção de campeonato, gênero ou nacionalidade”. Não tivemos que lutar para que mulheres tivessem seus gols considerados para o prêmio.

Em teoria isso é ótimo, mas e na prática? Peço licença para um pequeno corte necessário.

O futebol feminino se vê frequentemente na corda bamba, uma corda bamba da qual a mídia brasileira só ouviu falar quando a CBF cogitou desfazer o time feminino após o dito fracasso nas Olimpíadas Rio 2016. E por mais que a gente queira que nossos jogadores favoritos vençam todos os prêmios possíveis, é extremamente ingênuo atribuir ao Puskás o título de “apenas um prêmio para um gol bonito”.

Usemos o exemplo de Wendell Lira: Wendell é ex-jogador do Goianésia e seu gol pelo Campeonato goiano do ano passado fez com que a internet se mobilizasse (a premiação é por voto do público) para votar no brasileiro, que acabou levando o prêmio internacional, o que rendeu um texto emocionadíssimo. A história de Wendell parece engraçada quando vemos que ele abandonou o futebol em 2015 devido a repetidas lesões para seguir carreira como jogador profissional de FIFA (sim, o jogo), e todo mundo parou para lamentar a aposentaria de um jogador de 27 anos que teve uma oferta do Milan em 2006 recusada pelo Goiás — o que poderia ter mudado sua história, mas acabou reservando-o aos jogos das séries B e C de campeonatos que raramente têm torcida presente.

E de jogos sem torcida presente o futebol feminino entende bastante. Frequentemente, as meninas jogam no mais completo silêncio, quando não são obrigadas a jogar sem luz no estádio. Jogadoras profissionais jogando em campos sem luz porque os organizadores não se importam em ligar as luzes do estádio. Pois é.

De volta aos Puskás, a premiação era à frente do seu tempo por indicar homens e mulheres em uma mesma categoria — e concordo com isso. Com a exceção de sua primeira edição, em 2009, todas as edições tiveram mulheres indicadas. Mas existem poréns. De seis edições, sete mulheres foram indicadas. Ou seja, mais ou menos uma mulher indicada por ano, exceto em 2013. Além disso, nas mesmas seis edições, apenas a irlandesa Stephanie Roche foi selecionada para a short list, perdendo para o colombiano James Rodriguez. Carli Lloyd, considerada uma das melhores jogadoras do mundo hoje, já foi indicada na categoria, assim como a japonesa Kumi Yokoyama, cujo gol foi comparado ao gol de Maradona, mas não chegou à short list. O que falta? Investimento? Desapego aos antigos ídolos? Falta uma votação que não dê tanto poder aos fãs de futebol que ainda acham que o esporte é coisa de homem e que mulheres apenas servem para deixar a arquibancada bonita?

Em seu discurso, Wendell Lira agradeceu aos amigos, à família e a atenção dos jogadores presentes que, antes, eram só personagens dentro de um jogo de vídeo game. Quando eliminadas das Olimpíadas, as jogadoras da Seleção Brasileira agradeceram o apoio da torcida que não deixou os estádios morrerem no já conhecido silêncio e pediu para que não desistíssemos delas.

Vivemos em um mundo que anda a passos lentos, mas com o máximo de constância possível em um mundo engessado por velhos brancos europeus que um dia foram relevantes para o futebol internacional e não souberam evoluir com ele. A Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), responsável por licenciar clubes para a Copa Libertadores, já obriga que times tenham uma equipe feminina para participarem do torneio. E temos uma Seleção Brasileira de Futebol Feminino comandada por uma mulher. No Puskás deste ano, a representante feminina é a venezuelana Daniuska Rodriguez, dona de uma jogada maravilhosa contra a Colômbia no Sulamericano Sub-17 de 2016. Mulher latina, proprietária da Seleção Venezuelana. O que falta para ela e tantas outras deixarem de ser cota e virarem estatística?