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Por mais representatividade: 5 mulheres negras esnobadas pelo Oscar

A edição do Oscar de 2017 ano está chegando e já entrou para a história. Pela primeira vez, três atrizes negras são indicadas à categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, ocupando a maioria das cinco vagas entre as indicações. Essa também é a edição com mais pessoas negras, de todos os gêneros, reconhecidas por seus trabalhos no ano anterior. Há representantes afro-americanos em quase todas as categorias, incluindo as principais: Melhor Direção, Melhor Ator e Melhor Atriz.

Essa marca histórica tem sido comemorada e é mais uma vitória dos movimentos negros norte-americanos que se levantaram contra a branquitude da premiação (#OscarSoWhite) ao longo dos anos. A maior festa do cinema mundial não indicou nenhum negro a nenhuma de suas categorias nos anos de 2015 e 2016, o que fez com que grandes artistas, entre eles a atriz Jada-Pinkett Smith e o diretor Spike Lee organizassem um boicote, tecendo críticas aos votantes da Academia e não comparecendo à cerimônia no ano passado. A polêmica levou ao público a questão da representatividade no cinema e surtiu efeito com o reconhecido de excelentes produções, além de diretores, roteiristas, atores, atrizes e profissionais técnicos da indústria cinematográfica de origem negra em 2017.

Historicamente, negros são preteridos não só na hora de conseguirem trabalhos no cinema, mas também ao receberem reconhecimento pelo o que realizaram. Até hoje, menos de 30 pessoas negras levaram a estatueta do Oscar para casa, número diminuto se levarmos em consideração os 89 anos incompletos de premiação. A quantidade de negros que têm a oportunidade de concorrer em alguma das categorias definidas pela Academia sempre é bem menor que a de brancos disputando os mesmos prêmios.

O buraco é ainda mais embaixo quando se fala em mulheres negras. Desde a primeira festa do Oscar, artistas negras só conseguiram concorrer a 7 das 24 categorias da premiação.  O maior número de indicações está com as Atrizes Coadjuvantes, com 21 nomes e seis prêmios, e em segundo lugar com o troféu de Melhor Atriz, com 11 indicações e apenas um prêmio, conquistado por Halle Berry em 2001. A única estatueta entregue a uma mulher negra fora das categorias de atuação pertence à letrista e intérprete Irene Cara, que ganhou o prêmio de Melhor Música Original com a inesquecível Flashdance… What a Feeling, em 1983.

Os números vergonhosos retratam preconceito, falta de oportunidades, ausência de representatividade entre os votantes da Academia e uma série de problemas raciais e de gênero enfrentados por essas mulheres não só no cinema, mas em toda a sociedade. Além de lutarem para estabelecerem uma carreira, essas artistas lutam por um reconhecimento que nem sempre vem a tempo e, dentro e fora das telas, são obrigadas a provar seu talento e a qualidade de seu trabalho milhares de vezes mais que uma pessoa branca ou um homem negro.

Inseridas nessa injusta lógica, várias profissionais do cinema já chegaram ao quase Oscar ou à quase indicação e, apesar de seu absoluto merecimento, foram esnobadas pela Academia. Hoje, o Valkirias premia mulheres negras que tiveram trabalhos marcantes, mas enfrentaram racismo e sexismo como um problema também da indústria do entretenimento e foram esnobadas em algumas de suas obras-primas.

Pam Grier: esnobada e não indicada ao Oscar de Melhor Atriz por Jackie Brown em Jackie Brown (1997) 

Talvez você nunca tenha ouvido falar de Jackie Brown, o filme mais subestimado de Quentin Tarantino. Situada nos anos 1970, a narrativa conta a história de uma aeromoça de 44 anos que vai de cúmplice no transporte de drogas na fronteira do México com os Estados Unidos a informante da polícia. Interpretada por Pam Grier, a protagonista é uma mulher independente e sem nada a perder que em determinado momento se vê encurralada e com poucas alternativas. Na pele de Jackie, Grier constrói uma personagem fascinante que transita entre humor, ação e drama sem pesar a mão, tanto que foi indicada ao prêmio de Melhor Atriz em Filme de Comédia no Globo de Ouro de 1997.

Muito elogiado pela crítica especializada, Jackie Brown foi subestimado pelo público e pela Academia. A história não foi bem aceita pelos fãs de Taratino, talvez porque esperassem mais diálogos com referências à cultura pop e um estilo mais escrachado seguindo a lógica de Pulp Fiction (1994) e Cães de Aluguel (1992), ou simplesmente por não se interessaram pela história de uma mulher negra com mais de quarenta anos. Quem sabe pelos mesmos motivos, o Oscar esnobou completamente a atuação marcante de Pam Grier, veterana do cinema negro.

Whoopi Goldberg: esnobada e não vencedora do Oscar de Melhor Atriz por Celie em A Cor Púrpura (1985) 

Whoopi Goldberg emocionou ao interpretar o peso da vida de Celie, protagonista de A Cor Púrpura, em um dos dramas mais marcantes de todos os tempos. Seu trabalho só poderia render um Oscar, mas não aconteceu. A atriz ganhou o Globo de Ouro de 1986, chegou a ser indicada ao prêmio da Academia, mas perdeu para Geraldine Page, protagonista de O Regresso para Bountiful (também fantástica, mas com interpretação e narrativa claramente menos memoráveis que as de A Cor Púrpura).

Dirigido por Steven Spielberg, o filme é uma adaptação do livro de Alice Walker e recebeu 11 indicações ao Oscar. A montagem para o cinema recebeu críticas por não ter tratado as questões de homossexualidade feminina presentes na história original com a devida profundidade, mas rendeu aplausos pela interpretação marcante, forte e cheia de personalidade de Whoopi Goldberg.

Ava DuVernay: esnobada e não indicada ao Oscar de Melhor Direção por Selma (2014)

Quando se fala em representatividade, a categoria de Melhor Direção é uma das mais problemáticas. Até hoje, apenas quatro mulheres foram indicadas ao prêmio, sendo somente uma delas, Kathryn Bigelow vencedora da estatueta pelo filme Guerra ao Terror, em 2010. Em 2017, Barry Jenkins diretor de Moonlight, foi o quarto negro a ser indicado à mesma categoria. Vale lembrar que em toda a história, 435 trabalhos de direção já concorreram ao prêmio da Academia.

Se ser mulher ou ser negro já se apresenta como um obstáculo, imagine ser os dois. Em quase 90 anos de premiação, nenhuma negra foi indicada ao prêmio de Melhor Direção e a mais injustiçada da categoria é Ava DuVernay. Selma, assinado pela diretora, foi indicado ao prêmio de Melhor Filme em 2015, mas estranhamente não recebeu indicações para concorrer entre os diretores. Na época, crítica e público questionaram a Academia que indicou a obra como Best Picture mas a ignorou nas categorias de roteiro, atuação, fotografia e direção. Afinal, como construir uma narrativa assim tão boa sem uma ótima coordenação de diferentes aspectos da filmagem? É no mínimo estranho.

Em 2017, DuVernay concorre na categoria de Melhor Documentário com A 13ª Emenda, produção muito elogiada da Netflix.

Lena Horne: esnobada e não indicada ao Oscar de Melhor Atriz por Selina Rogers em Stormy Weather (1943)  

Stormy Weather, traduzido para o português como Tempestade de Ritmo, é um dos musicais clássicos de maior expressão para a cultura negra. Na época de seu lançamento, não foi valorizado pela Academia por ser considerado uma produção de negros para negros — e o Oscar sempre foi um prêmio de brancos para brancos. O reconhecimento do filme só foi alcançado em 2001, quando recebeu menção honrosa por sua contribuição cultural, histórica e estética pela Nacional Film Registry dos Estados Unidos.

Interpretando Selina, Lena Horne teve o maior papel de sua carreira e poderia ter sido a primeira negra da história a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz. Pelo contrário, Horne enfrentou duros preconceitos, teve pouco reconhecimento de sua boa atuação e viu as portas dos estúdios de Hollywood fechadas para ela devido a sua militância pelos direitos civis da comunidade afro-americana. Frente às dificuldades, acabou deixando o cinema em segundo plano e se dedicou à carreira de cantora até o fim da vida, em 2010.

Sharen Davis: esnobada e não indicada ao Oscar de Melhor Figurino por Django Livre (2014)  

Sharen Davis é uma das mentes criativas mais respeitadas em Hollywood e já foi indicada ao Oscar por duas vezes. A primeira em 2005, pelo figurino de Ray e a segunda, em 2007, pelo lindo trabalho no vestuário de Dreamgirls. Depois disso, a figurinista já teve trabalhos notáveis em O Livro de Eli, Histórias Cruzadas, Django Livre e o recente Um Limite Entre Nós, que concorre à categoria de Melhor Filme em 2017.

Apesar de representar um de seus figurinos mais elogiados por especialistas e público, o trabalho em Django Livre não foi reconhecido pela Academia. O figurino que repagina o visual faroeste com cores fortes e influências contemporâneas, chama atenção durante o filme e complementa o tom da ação divertida dos filmes de Tarantino. A não indicação de Davis por esse trabalho causou controvérsias e comparações principalmente com o design de moda do filme Lincoln, cuja caracterização bem mais singela e esquecível foi indicada à estatueta.