Categorias: COLABORAÇÃO, MÚSICA

O que Taylor Swift diz sobre como amamos

Taylor Swift decidiu virar gótica e, aparentemente, a internet não recebeu a notícia muito bem. Mas, como qualquer pessoa que acompanha música pop com afinco é capaz de desconfiar, uma repaginação no look não significa apenas uma troca de stylist, mas também uma nova proposta sonora. O que me faz ansiar pelo que vem por aí, e também revisitar o material anterior feito por Swift.

Antes do fenômeno 1989, eu encarava Taylor Swift como acredito que boa parte da minha geração a via. Ela era uma menina branca que cantava sobre ser uma princesa, casar e parir um exército de bebês loiros, o que é meio entediante a não ser que você seja uma garota de 12 anos — não que tenha algo de errado com garotas de 12 anos, a não ser a socialização feminina.

Então, em 2015, de repente estávamos dançando na balada ao som de “Shake it Off” e pensando no crush enquanto assistíamos ao vídeo de “Blank Space”. Do nada, gostar de Taylor Swift não era embaraçoso, mas algo tão natural quanto respirar ou reclamar no Twitter. O que aconteceu? Bom, Taylor Swift finalmente passou a cantar um amor que ressoa em nós — o amor (me desculpem) pós-moderno.

“Embora a experiência do amor se imponha como o significado mais poderoso e real — ela também é suspeita de ser a mais irreal”, diz a socióloga Eva Illouz sobre como nós, jovens com acesso à internet, amamos. “Muitas pessoas duvidam estar apaixonadas precisamente porque ouviram falar demais sobre amor”.

Ao mesmo tempo em que temos a impressão de que o amor é uma invenção da mídia, que cremos ser irrealista e até mesmo constrangedor aspirar a um “final feliz”, não nos desvencilhamos da ideia de que só seremos completos ao lado da pessoa amada. Não acreditamos mais em amor, mas não conseguimos parar de procurar por ele.

Isso aparece, por exemplo, no meme do trouxa, em que zoamos o nosso ato de buscar afeto para podermos assumir um distanciamento da situação. Sim, é claro que sou trouxa, mas pelo menos estou rindo de mim mesma, e isso torna as coisas menos piores, ou até mesmo legais. É justamente por reconhecer o quanto sou patética que deixo de sê-lo — é esse o jogo da ironia pós-moderna, cujo objetivo parece ser se erguer acima de qualquer vulnerabilidade e crítica, como já apontou o escritor David Foster Wallace.

A diferença de “Blank Space” é que o fim não é causado por uma particularidade do relacionamento. A história não acabou porque o cara era treta ou o Jake Gyllenghal. O relacionamento acabou porque relacionamentos acabam: “Você pode me dizer quando tiver acabado/ Se o prazer fez a dor valer a pena”. Reparem — quando acabar, e não se.

Embalada por um refrão grudento e um sentimento cínico, essa ambivalência é tão apelativa e universal que contaminou diversos grupos: desde adultos de 30 e poucos anos até pré-adolescentes, passando pelas meninas cool que até então desprezavam Taylor pela sua sinceridade brega e agora conseguiam apreciá-la sem perder a credibilidade como pessoas “descoladas”. Além de ser uma ótima representação do amor que vivemos, “Blank Space” também foi um divisor de águas na carreira de Taylor Swift.

A transição do segundo disco da cantora, Red, para 1989 é comparável ao que Madonna viveu em 1992, com a publicação de Sex, livro de fotografias eróticas protagonizadas pela cantora. “Sex marca o momento na carreira em que Madonna deixou de ser um produto e virou um comentário sobre si mesma como estrela”, diz Georges-Claud Guilbert em Madonna as Post-Modern Myth (2002).

Aí entra Blank Space. Pela primeira vez, Taylor Swift sai do castelo e fala sobre si mesma como artista pop. Claro, ela já havia reclamado sobre a mordacidade desnecessária dos críticos em “Mean”, mas agora é diferente. Em vez de apenas apontar dedos, ela identifica e assume a mitologia que a tornou quem é. Mas faz isso com um sorriso irônico.

“Blank Space” não tem a sinceridade de “I Knew You Were Trouble” ou “You Belong With Me”, que podem parecer um pouco ingênuas demais. Nesse hit, Taylor Swift interpreta a si mesma, conforme descrita pela mídia: uma jovem com uma obsessão patológica por estar apaixonada e que se atira no primeiro rapaz que vê pela frente. Ciúmes e exigências neuróticas da cantora levam ao fim do relacionamento, que logo é emendado por outro #SomosTodosTaylorSwift.

Mas, ao incorporar e fazer graça desse personagem, Swift evoca, de novo, Madonna no filme Desperately Seeking Susan: “No momento em que finge ter várias coisas em comum com Susan, Madonna está tirando sarro de si mesma, assim como de todos que não enxergam que seu papel no filme é — precisamente — apenas um papel”, analisa Guilbert. “As pessoas acham que sabem a narrativa inteira da minha vida. Tem coisas realmente grandes que elas não sabem”, disse Taylor Swift em uma entrevista para a revista Rolling Stones.

2015 foi o ano de Taylor Swift, mas também foi o ano da celebração do amor romântico como pastiche, uma paródia fútil. Digo celebração porque antes de ser uma crítica, “Blank Space” é uma não-afirmação conformativa. Ela expõe sem rejeitar, e é justamente por ser anti-polêmica que fez tanto sucesso. Uma diatribe explícita contra o amor com certeza não conquistaria os corações de um público tão amplo — o que mostra como o amor ainda vende, até mesmo (ou principalmente) quando é ironizado.

Amanda é estudante de jornalismo, ex-fã de hard rock, ex-directioner e ex-adepta de ketchup no miojo. Quer que cada garota no mundo pegue um teclado e comece a digitar.

1 comentário

Fechado para novos comentários.