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Nós sempre teremos Paris

O primeiro encontro de Rory Gilmore (Alexis Bledel) com Paris Geller (Liza Weil) não é dos mais amistosos. Aluna nova em uma escola totalmente diferente daquela com a qual estava acostumada, Rory jamais imaginaria conquistar uma inimiga assim, tão cedo. Mas o interessante sobre Paris Geller, ao nosso ver, é que ela é intensa em praticamente todos os aspectos de sua vida, das amizades às inimizades, o que apenas a transforma em uma das melhores personagens de Gilmore Girls.

Paris intimida as pessoas — de alunos a pais e professores — e não tem paciência para quem está começando. Introduzida inicialmente como antagonista de Rory em Chilton, logo na primeira temporada da série clássica descobrimos que Paris é muito mais do que a queen bitch que a princípio pensamos que ela fosse. Sua ambição exacerbada e certeza a respeito de qual caminho percorreria na vida poderiam tê-la transformado em apenas uma personagem pedante e irritante, mas o talento de Liza Weil somado ao roteiro sempre inspirado de Amy Sherman-Palladino fizeram de Paris mais uma personagem humana e complexa dentro do quadro de personalidades diversas que compõe Gilmore Girls.

Para entender Paris é preciso, em primeiro lugar, pensar em sua origem e no contexto social em que ela foi criada. Paris vem de uma família tradicional e, diferente de Rory, tem consciência de seus privilégios e usufrui deles sem hesitar em prol do seu maior objetivo: ingressar na Universidade de Harvard e manter a tradição familiar. Paris cresce no ambiente demasiado competitivo de Chilton e sua perspectiva de rivalizar com Rory antes de terem a chance de serem apresentadas é um instinto natural. No ambiente familiar, Paris também não possui muito contato com os pais e não está acostumada a compartilhar demonstrações de afeto — característica que parece dividir com todas as garotas e garotos do mesmo círculo de privilégios. A maior figura maternal em sua vida é a a babá portuguesa, que, inclusive, é quem vai aplaudi-la quando ela se forma no Ensino Médio, arrancando da garota um dos sorrisos mais genuínos que ela havia dado até então.

A ambição, um traço tão marcante da personalidade de Paris, jamais foi utilizada de maneira a depreciá-la. A verdadeira natureza dela é transmitida ainda que inconscientemente e, em certa medida, nós a percebemos. Enquanto muitas mulheres são mal vistas na vida real por sua ambição, Paris a utiliza a seu favor, praticamente como uma marca registrada. Sim, ela queria ser a melhor em Chilton, conquistar a maior nota no PSAT, queria ser oradora da turma em sua formatura. E sim, ela também queria entrar em Harvard. Paris não tem o menor constrangimento ao traçar seu caminho para ser a melhor e isso diz muito sobre quem ela é.

Observar seu desenvolvimento é muito satisfatório. Paris se mostra o absoluto oposto de tudo o que Rory representa: enquanto esta é meiga, gentil e educada, a primeira é toda fogo e fúria com uma pitada generosa de agressividade e sarcasmo. Ainda que ambas sejam muito inteligentes, esforçadas e dedicadas, é impossível negar que Paris é muito mais intensa em seu jeito de levar a vida. Com duas criações tão diferentes, não é uma surpresa que elas sejam tão diferentes e compará-las, embora compreensível, é uma atitude injusta quando sabemos que desde o começo que Rory é a menina dos olhos de todo mundo.

Quando ambas começam a baixar a guarda para que a faísca da amizade possa surgir a partir dos objetivos que têm em comum, a série ganha um fator de interesse a mais ao criar a oportunidade de explorar a personalidade de Paris: primeiro, por nos permitir perceber o quanto ela tinha a oferecer e o que lhe faltava era alguém que servisse de santuário, isto é, proporcionasse uma companhia e um lugar de segurança. Segundo, por nos permitir acompanhar sua evolução pessoal ao longo dos anos até a formatura de Yale.

Durante o período em Chilton, Paris nem sempre foi retratada da forma mais gentil. Por mais que fosse dominante na escola e seu intelecto fosse o parâmetro, quando se tratava das relações sociais, inclusive amorosos, ela se demonstrava insegura sobre si mesma. Durante as duas primeiras temporadas, Paris nutria uma paixonite por Tristan Dugray (Chad Michael Murray) desde a infância, mas era praticamente invisível para ele que, por sua vez, não demorou a prestar atenção em Mary (“The name is Rory!”), o que causa alguns desentendimentos entre as duas. Com a introdução de Jamie (Brandon Barash) na terceira temporada, o desenvolvimento emocional de Paris é alavancado e, por um período, ela desfruta de uma fase estável, enquanto Rory lidava com a transição nada suave de Dean (Jared Padalecki) para Jess (Milo Ventimiglia).

Gilmore Girls, no entanto, nem sempre segue o passo certo no que diz respeito ao enredo dos personagens secundários e, na primeira vez em que o sexo se apresenta como forma de punição, Paris é a sua vítima. No último — e decisivo — ano em Chilton, Paris perde sua virgindade e tem uma girl talk com Rory no mesmo episódio em que as meninas estão para receber as respostas das universidades para a qual se inscreveram. E qual não é a surpresa, pouco depois, ao descobrir que, entre todas as pessoas, Harvard rejeitaria justamente Paris? Ela recebe a notícia no mesmo dia em que faria um discurso, junto com Rory, pelo Bicentenário de Chilton, exibido ao vivo na C-SPAN, e aparece em frangalhos no auditório e tem um colapso em frente às câmeras. O lado positivo só é mostrado bem depois, com sua capacidade de superação.

Superação poderia ser, sem muita dificuldade, o nome do meio de Paris (mas, na verdade, é Eustace). Embora sempre tenha sido muito dedicada e esforçada, nada vem até ela com facilidade. Recebeu a negativa de Harvard (enquanto Rory conseguiu entrar), não pode realizar o sonho de ser oradora em Chilton (Rory foi a escolhida) e mesmo quando consegue o posto de editora do Yale Daily News é substituída pela própria Rory após entrar em colapso por centralizar todas as atividades e sofrer um motim de sua equipe.

Embora venha de uma vida de privilégios, Paris está acostumada a ser rejeitada, o que, de certa forma, a tornou mais resistente às rasteiras que a vida dá. Fosse ela a ouvir de Mitchum Huntzberger (Gregg Henry) que não tem o necessário para ser uma boa jornalista, ela simplesmente daria uma resposta irônica e se esforçaria mais intensamente, mas não desistiria. Não é do seu feito desistir. Mesmo quando tudo parece errado ou fora de lugar, ela faz o que acha correto e o melhor para si mesma.

A questão não é dizer que Paris é melhor do que Rory ou vice-versa. Comparar suas trajetórias é inevitável, mas injusto, visto que são pessoas diferentes, com ideias, sentimentos e ambições distintas. O temos a fazer aqui é elevar as qualidades de Paris e nos sentirmos felizes por poder acompanhar a trajetória de uma personagem tão interessante e completa. A fase em Yale, por exemplo, é a chave que falta girar para encontrarmos uma mulher mais madura que aprendeu a controlar (um pouco) seu temperamento e é a primeira a propor uma experiência plena na faculdade. Ela percebe que pode relaxar de vez em quando (como esquecer “Girls in Bikinis, Boys Doin’ the Twist”, o 17º episódio da quarta temporada?), deixar as pessoas se aproximarem, e até se mostrar vulnerável de vez em quando.

Paris cresce e se transforma em uma pessoa melhor, não em outra pessoa. Ela ainda é a mesma Paris Geller competitiva de Chilton, mas agora sabe como dosar melhor as coisas e liberar suas angústias quando convém. Ela nunca se transformou em uma pessoa totalmente boa ou legal, mas aprende a manejar seu gênio da melhor maneira possível — ou, pelo menos, de uma maneira que não assuste as pessoas ao seu redor. O fato é que Paris sempre será a pessoa mais competitiva da sala, mas ela aceita a si mesma como é. Aceita sua inabilidade social, sabe colocar certa pessoa em seu devido lugar e nunca sentiu vergonha de ser quem ela é. Ela é honesta em seus sentimentos e preza os poucos amigos que tem, doa a quem doer.

Paris pode não ser a pessoa mais doce, meiga ou delicada, mas suas características são tão boas quanto quaisquer outras. Ser forte e determinada, ambiciosa e com metas certas na vida são algumas de suas particularidades mais interessantes, mas não as únicas. Paris Geller mostra que não é preciso se envergonhar de ser quem somos, mesmo que os outros se assustem um pouco com toda a nossa intensidade e paixão. Nós sempre teremos Paris para mostrar que podemos nos colocar em primeiro lugar — e tudo bem.

“I want to live my life so that I’ll be able to read an in-depth biography about myself in later years and not want to puke.” Geller, Paris (5.18) “To Live and Let Diorama.”

Texto escrito em parceria por Thay e Yuu.

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