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Master of None, Sex and the City e uma viagem

Já faz um bom tempo que terminei de assistir a Master of None na Netflix, então não poderia deixar de discutir todos os detalhes dessa série que é considerada um GIRLS para rapazes, ou seja, um pequeno pedaço do mundo dos homens, o que eles pensam, como eles se relacionam com as mulheres e os amigos nos dias de hoje, quais são os problemas, sentimentos e questionamentos que os rodeiam.

Eu sempre pensei que o mundo das séries é meio injusto. Quero dizer, se você é um homem e quer ter uma ideia do que se passa na cabeça de uma mulher, dá pra assistir Sex and the City ou GIRLS e ter uma pequena prova disso. Eu sei, você pode me dizer que nenhuma dessas séries te representa, mas eu acredito que (especialmente em Sex and the City, já que GIRLS é legal, mas é meio megalomaníaca e centrada em Hannah (Lena Dunham) — o que não deixa de ser um retrato da sociedade de hoje) toda mulher se identifica com pelo menos com um episódio da série.

Em Sex and the City, são quatro personagens distintas que englobam de uma maneira geral o que uma mulher pode ser — liberal, sexual, bem sucedida como Samantha (Kim Cattrall), moderna, intensa e ligada como Carrie (Sarah Jessica Parker), romântica, sonhadora, detalhista como Charlotte (Kristin Davis) ou independente, engraçada e focada igual Miranda (Cynthia Nixon). Ou um pouco de cada uma. Não vamos discutir aqui sobre o fato dos roteiristas terem quebrado todas essas características no final — Miranda, que era tão independente, acabou trazendo a sogra para morar com ela e se mudando pra uma região mais afastada de NY; Charlotte que sonhava com um príncipe encantado acabou com um cara não atraente que era louco por ela; Samantha que disse que nunca se apaixonaria acaba em um relacionamento razoavelmente estável e Carrie, bom, como toda boa personagem principal, ela acaba com o cara que ela sempre quis.

Mas bem, eu estou aqui falando da série errada.

O nosso papo é sobre o Master of None, uma série da Netflix focada também em mostrar o dia a dia de um cara solteiro que tem seus trinta anos e mora em Nova York. Assim como Carrie, personagem principal de Sex and the City, Dev, o personagem central de Master of None interpretado por Aziz Ansari, que também é o criador da série, tem uma carreira que, dificilmente, permitiria a ele viver como vive na ficção. Dev é um aspirante a ator, que faz umas pontas em comerciais e produções pequenas. Carrie, se vocês lembram, escrevia uma coluna de sexo em um jornal basicamente local — e com isso ela conseguia alugar um apartamento sozinha no meio de Manhattan e comprar milhões de roupas e sapatos de grife.

Logo no começo da série, Dev está tendo um one night stand com uma menina que ele aparentemente acabou de conhecer (Rachel, interpretada por Noël Wells), e eles acabam tendo um problema com a camisinha, o que leva os dois a uma visita constrangedora à farmácia e a se despedirem sem muita perspectiva de um futuro encontro. Alguns episódios depois, os dois se encontram sem querer num bar, depois que o Dev teve um encontro péssimo com outra garota, e eles acabam tendo uma conexão legal e se divertindo juntos. Só que no fim, Rachel diz que está namorando.

Dev se distancia dela e, de novo, ela some por alguns episódios até reaparecer, dizendo que terminou com o namorado. Tentando fazer algo diferente — pontos pro Dev, eu ia adorar que alguém fizesse isso. Geralmente os caras para quem eu mando mensagem depois que ficamos um tempo sem nos falarmos sequer me respondem — Dev convida Rachel pra um final de semana viajando.

Depois disso, o relacionamento começa. (A gente só vê isso na ficção. Onde que em NY haveria espaço pra segundas chances?). Os dois são apresentados pra família e para os amigos, decidem morar juntos, começam a se desentender, ficam mais distantes, brigam, voltam a ficar bem. E como em muitos relacionamentos, eles chegam naquele ponto que algo precisa mudar ou acabar.

E é desse momento que eu me lembro. Até aqui eu contei com a ajuda da Wikipédia para me lembrar de como a história se desenrolou, mas do último episódio eu me lembro perfeitamente, e é sobre o fim que quero falar mais sobre. O fim é o fim. O relacionamento dos dois não está bom e a Rachael acaba aceitando um emprego dos sonhos, mas que faz com que ela tenha que se mudar pra Tokyo.

Até aqui, é só um seriado normal sobre relacionamentos. Do ponto de vista masculino ou feminino, não há diferenças entre GIRLS, Sex and the City ou Master of None. O desenrolar é um pouco mais fácil, eu diria, na versão masculina que é Master of None, mas estamos só na primeira temporada, então não podemos dizer isso de forma definitiva, já que as versões femininas (GIRLS e Sex and the City) também tiveram seus finais felizes na primeira temporada: Hannah, de GIRLS, conseguiu transformar o cara que mal respondia suas mensagens de texto e, quando respondia, era com dick pics (por engano) em um namorado; e Carrie consegue Mr. Big (Chris Noth), não exatamente como ela queria, então ela escolhe não ficar com ele e passa dias chateada, como vemos na segunda temporada, mas ainda é uma escolha dela.

Então temos Dev. Ele terminou com Rachel. Ele sente saudades dela, e ela está em Tokyo. Ele tenta se distrair. Ele repensa no relacionamento. E então vemos ele arrumando sua malinha e pegando o avião. Ele senta ao lado de uma senhora oriental no avião e começa a conversar. A certeza que ele está indo pra Tokyo é exatamente o que eles querem que a gente tenha.

Nesse ponto, a senhorinha pergunta o que ele está indo fazer na Itália.

Pronto. Descobrimos que Dev não está indo pra Tokyo atrás da menina que ele supostamente gosta. Ele está indo para a Itália, focar em si mesmo, procurando aprender mais sobre algo que ele gosta que é cozinhar e que ele começa a fazer para se sentir melhor após o término do relacionamento com Rachel.

Esse final me marcou demais porque aí está a diferença entre ser um homem e uma mulher.

Nós, mulheres, somos criadas com a imagem das princesas esperando e dependendo de um príncipe encantando. Só quando ele chega é que podemos ser felizes pra sempre. Quando crescemos as revistas dizem como temos que lutar para achar um homem para validar nossa vida, para ter filhos, uma casa e manter esse homem, afinal, ele pode achar algo melhor a qualquer momento. “Como ser sexy e amarrar seu homem?” “Como conseguir flertar com seu chefe?” “Como atrair o cara que você está apaixonada?” “Como transformar um fuckboy em relacionamento?” “Como malhar para ter o corpo que os homens querem?” “Como cozinhar melhor para agradar sua família?” “Como limpar sua casa?”

Enquanto isso um garoto cresce com imagens de heróis, e heróis estão sempre em suas próprias jornadas pessoais. Ou eles buscam vingança por algo que aconteceu com eles, ou buscam melhorar como indivíduos, serem mais descolados, se destacarem entre os outros homens, terem poder. Quando crescem, as revistas o ensinam a ser o chefe. A ser o melhor no que ele faz. A se dar bem no trabalho. A se divertir com os amigos. A aproveitar o carro, a cerveja, o futebol, ou qualquer outra diversão escolhida. A serem uma unidade — homens ajudam outros homens e fazem parte de uma camaradagem.

Portanto, numa série sobre a perspectiva masculina, o personagem termina com a namorada e vai atrás de algo que vai ser bom pra ele. Algo de que ele gosta de fazer. Algo que vai levá-lo a conhecer novas pessoas, a viver novas aventuras.

Enquanto isso, no seriado feminino, ou a mocinha acaba com o mocinho (porque ter um homem significa final feliz) ou a mocinha está acabada, sem razão pra viver, já que o homem de quem ela gosta não gostava dela com a mesma intensidade. No lugar de serem heroínas, as mocinhas são sempre vítimas — de outras mulheres, das bruxas más ou das madrastas, ou delas mesmas, por ficarem sem o príncipe encantado.

Acho que está na hora das mocinhas começarem a ir para a Itália também.

Amanda tem (bem) mais de vinte, vive em Londres e sonha em ser uma
espécie de Andy Warhol, mas sem a peruca esquisita.
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4 comentários

  1. Não tenho palavras para descrever o quanto adorei esse texto! Não vi a série, mas a mensagem vale não só pras séries. Vale pra vida mesmo precisamos começar a ir para a Itália.

  2. AMEI esse texto, amiga. Eu particularmente nunca gostei de comédias românticas e os finais que mais me atraem são sempre tristes e\ou realistas. Mas mesmo assim, tendo consciência de tudo isso, ainda sofro com pensamentos confusos sobre amores para a vida, “esse sim é especial”, agora vai etc. Estamos todas esperando o príncipe encantado e as vezes nem paramos pra pensar que na verdade o que queremos mesmo é cair no mundo.

    Outro problema é que esse tipo de filme sempre acaba com o final feliz: eles ficam juntos (finalmente!). Ninguém mostra o depois desse final feliz, que é exatamente quando eles estão juntos e o relacionamento vira real. É ai que a gente percebe que SE PÁ, um principe encantado não era exatamente o que a gente queria…

    Adorei também a comparação sobre filmes para meninos, super heróis etc. Nunca tinha pensado nisso! Ótimo texto, arrasou!

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